Manchetes Socioambientais
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“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Projeto inclui marco temporal na Constituição, além de outras restrições aos direitos indígenas apresentadas de última hora e não discutidas por parlamentares
Texto atualizado em 10/12/202 às 16:23.
Na noite desta terça (9/12), o Senado promoveu mais um dos maiores retrocessos na legislação socioambiental desde a redemocratização do país ao aprovar uma emenda que incorpora ao texto constitucional o marco temporal, entre outras restrições às demarcações.
Se for definitivamente aprovada pelo Congresso, na prática a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48 vai inviabilizar o reconhecimento das Terras Indígenas (TIs). De autoria do senador Dr. Hiran (PP-RR), ela segue agora à Câmara e, se for alterada, precisa voltar ao Senado. Depois disso, ser for aprovada mais uma vez, será promulgada pelo Congresso.
O marco temporal prevê que os povos originários só podem reivindicar territórios que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, precisariam comprovar a disputa pela área em campo ou na Justiça. A tese ruralista ignora as expulsões e violências cometidas contra essas populações ao longo da história.
A votação acontece dias depois do Legislativo promover outro retrocesso histórico: a destruição do sistema de licenciamento ambiental como era então conhecido no Brasil.
A aprovação da PEC também pode ser considerada mais uma represália do Congresso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque a Corte deve iniciar, na tarde desta quarta (10), o julgamento da constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que já havia incluído o marco temporal na legislação, entre várias outras restrições aos direitos indígenas.
Em 2023, o Legislativo tomou atitude semelhante ao aprovar a Lei 14.701 uma semana após o Supremo considerar o marco temporal inconstitucional. Na verdade, a PEC inclui na Constituição pontos já previstos na norma.
A votação desta terça adiciona mais tensão nas relações conflituosas entre os Poderes, pode influenciar o novo julgamento e indica que a novela sobre o tema terá mais capítulos. Mesmo uma mudança na Constituição pode ser alvo de novo questionamento no tribunal.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), pautou a PEC 48 após o ministro do STF Gilmar Mendes decidir sozinho retirar o poder dos senadores de iniciarem o impeachment dos magistrados da Corte, na semana passada. Alcolumbre usou uma brecha do regimento interno, a votação com “calendário especial”, semelhante a um requerimento de urgência, para tirar o projeto da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e levá-lo diretamente ao plenário, passando por cima de prazos e promovendo uma votação expressa.
A PEC 48 estava parada na CCJ desde julho de 2024 por um acordo fechado pelo então presidente do colegiado, o próprio Alcolumbre, para aguardar o resultado da câmara de conciliação instaurada por Mendes no Supremo sobre a Lei 14.701, envolvendo governo federal, estados, ruralistas e indígenas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) retirou-se do processo logo em seu início, sob protesto pela disparidade de representação, entre outras razões. Afinal, a discussão não chegou a nenhum consenso, Mendes resolveu conclui-la, em abril, e pautar o julgamento sobre a lei mesmo assim.
A aprovação da PEC também pode ser considerada uma reação dos ruralistas às demarcações anunciadas pelo governo na COP30, a conferência internacional sobre mudanças climáticas realizada em Belém (PA), em novembro. No total, houve avanço nos processos de 38 TIs, entre homologações, declarações, identificações, abertura de grupos de estudo e portarias de interdição para indígenas isolados, somando quase 70 mil km2 (saiba como funciona o procedimento de demarcação).
“Diante disso tudo, o simples fato do marco temporal ressurgir na forma de PEC é um reconhecimento do Congresso de que ele é inconstitucional”, analisa o presidente do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santillli.
“Essa decisão do senador Alcolumbre ocorre em meio a uma tensão, a uma disputa, uma tolice, uma birrinha do Congresso com o Supremo, colocando em risco os nossos direitos, utilizando os mesmos como massa de manobra e de negociação. Não podemos aceitar que os povos indígenas sejam tratados dessa forma”, criticou Kléber Karipuna, da coordenação da Apib, pouco antes da votação.
“[Alcolumbre] ignorou todos os apelos dos povos indígenas, ignorou regimento, comissões, ignorou a sociedade, ignorou os ritos do Congresso, ignorou a COP30, ignorou o mundo que está preocupado com o futuro do planeta”, ressaltou.
PEC 48
A PEC precisava de no mínimo 49 votos para ser aprovada (3/5 dos senadores) em cada um dos dois turnos de votação. No 1º turno, o resultado foi de 52 votos a favor, 14 contra e 1 abstenção; e no 2º turno, de 52 votos a favor, 15 contra e 1 abstenção. Só o PT e o governo orientaram voto contra; MDB, PSD e PSB liberaram suas bancadas; PL, PP, Republicanos, União, PSDB, Podemos e Novo foram a favor.
“Essa matéria mesmo votada aqui e na Câmara não porá fim ao conflito [de terras]. Ficará se questionando quem dará o atestado se a comunidade indígena estava lá em 1988”, disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
O parlamentar lembrou que a Casa aprovou, no mesmo dia, um projeto que permite a regularização de propriedades rurais de não indígenas em faixa de fronteira até 2028. “Eu me pergunto se estamos estabelecendo duas categorias de brasileiros: os indígenas e os não indígenas”, complementou.
O relator da PEC, Esperidião Amin (PP-SC), fez modificações de última hora em seu parecer que não foram discutidas em plenário. Uma delas garante, em todas as fases da demarcação, a participação de estados, municípios, posseiros e proprietários envolvidos. Outra alteração proíbe a ampliação de terras já demarcadas.
Uma terceira cria uma nova forma de demarcação e diz que, no caso da não comprovação do marco temporal, o governo poderá dispor da terra, desde que não seja possível obter uma “área equivalente” para a comunidade indígena, por meio de “desapropriação por interesse social”, como acontece na reforma agrária. O texto, no entanto, garante uma indenização ao proprietário da terra “pelo valor de mercado”, diferentemente do sistema convencional, baseado numa tabela oficial de preços mais baixos (leia mais nos quadros ao final da reportagem). Na prática, a medida também inviabiliza esse tipo de procedimento.
Preconceito e desinformação
Como na votação de outros projetos sobre o tema indígena, a análise da PEC foi um festival de preconceitos, desinformação e teorias conspiratórias contra os povos originários. Parlamentares de oposição referiram-se a eles usando expressões depreciativas como “índios” e “tribos”.
“Será que nós não vamos acordar nunca, como nação, de (sic) entender que o que se construiu no Brasil e particularmente na Amazônia são zoológicos humanos”, afirmou o senador Márcio Bittar (PL-SC) ao se referir às TIs.
O senador Jorge Seif (PL-SC) afirmou, sem nenhuma evidência, que se as TIs ainda reivindicadas pelas comunidades indígenas forem demarcadas a extensão desse tipo de território dobraria de tamanho no país.
De acordo com dados do ISA baseados no Diário Oficial da União (DOU), existem hoje 823 TIs, somando 1.229.841 km2 ou cerca de 14% do território nacional. Desse total, 535 áreas já tiveram a demarcação concluída e 289 ainda estão com processos abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sendo que 162 ainda estão na fase de identificação e não têm proposta de limites, enquanto as 104 restantes estão em outras etapas do procedimento, somando 106.689 km2.
Truculência e censura
O dia também foi marcado por ações truculentas e censura da parte das cúpulas das casas legislativas. Alcolumbre reforçou o policiamento e impediu que lideranças indígenas entrassem no plenário para acompanhar a votação da PEC 48, depois de passarem horas esperando por uma liberação.
Na Câmara, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) foi retirado do plenário à força pela Polícia Legislativa depois de se negar a sair da cadeira da Presidência em protesto contra a atitude do presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) de pautar seu processo de cassação e o projeto que reduz penas para os golpistas de janeiro de 2023. Glauber e outros parlamentares foram feridos. A deputada indígena Célia Xacriabá (PSOL-MG) foi derrubada.
Motta ordenou a retirada do ar da TV Câmara e a expulsão de todos os jornalistas do plenário. Em seguida, eles também foram obrigados a sair da entrada lateral do recinto enquanto esperavam para falar com Glauber. Alguns foram empurrados e agredidos por policiais legislativos e não puderam entrar novamente por pelo menos 20 minutos.
Mudanças previstas pela PEC 48
- O marco temporal é incorporado também à Constituição, e os povos originários só podem reivindicar uma terra se conseguirem provar que estavam em sua posse, ou que a disputavam em campo ou na justiça em 5 de outubro de 1988.
- Se o marco temporal não for comprovado, o governo pode disponibilizar a área para a comunidade indígena por meio de “desapropriação de interesse social”, como acontece na reforma agrária, mas isso só pode acontecer se não for possível “a compensação à comunidade indígena com áreas equivalentes”.
- A indenização correspondente à desapropriação será não apenas das benfeitorias mas também pela terra nua pelo “valor de mercado”.
- Estados, municípios, posseiros e proprietários interessados na área poderão participar e contestar o processo de demarcação em todas as suas fases.
- Fica proibida a ampliação de TIs já demarcadas.
Veja como fica o texto da Constituição com a redação aprovada pelo Senado
“Art. 231. ............................................
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação desta Constituição, eram, simultaneamente, por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural segundo seus usos,
costumes e tradições, vedada a ampliação além dos limites já demarcados.
§ 6º-A. Ausente a ocupação tradicional indígena na data de promulgação da Constituição, ou o renitente esbulho comprovado, são válidos e eficazes os atos, os negócios jurídicos e a coisa julgada relativos a justo título ou a posse de boa-fé das áreas reivindicadas, por particular, assistindo-lhe o direito à justa e prévia indenização, pelo valor de mercado, da terra nua e das benfeitorias necessárias e
úteis, pela União, em caso da desapropriação por interesse social prevista neste artigo, quando não for possível a compensação à comunidade indígena com áreas equivalentes e que atendam, na maior medida possível, o disposto no § 1º, admitida a autocomposição em todas as suas fases.
§ 8º O procedimento demarcatório das terras de que trata o caput deste artigo será autuado, assegurada, desde reivindicação da demarcação, a participação de todos os interessados, entes federados, possuidores e proprietários de boa-fé.”
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Tensões entre Poderes reacendem disputa sobre tese ruralista e colocam em xeque direitos territoriais dos povos indígenas
O marco temporal retorna ao centro da disputa entre Poderes nesta semana, com discussões simultâneas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem aprofundar os retrocessos aos direitos territoriais dos povos indígenas.
No Legislativo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), destravou a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que busca incorporar a tese ruralista à Carta Magna, e incluiu a proposta na pauta do plenário, na tarde desta terça-feira (09/12). A sessão está marcada para começar a partir das 14h.
A reação de Alcolumbre veio depois que o clima político acirrou-se ainda mais na quarta-feira (03/12), após a liminar do ministro do STF Gilmar Mendes que restringiu à Procuradoria-Geral da República (PGR) a competência para apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. A decisão foi lida por senadores como um cerceamento às prerrogativas do Congresso. Como resposta, o presidente do Senado retirou a PEC 48 da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a levou diretamente ao plenário. Se for aprovado, o projeto segue para a Câmara.
De autoria do senador Dr. Hiran (PP-RR), ele visa constitucionalizar o marco temporal, abrindo caminho para a paralisação das demarcações, a revisão dos processos já consolidados e para a exploração econômica em Terras Indígenas (TIs).
Ao mesmo tempo, o Supremo inicia, a partir de 14h desta quarta-feira (10/12) o julgamento que pode definir o futuro da Lei 14.701/2023, que já havia incluído o marco temporal na legislação, mesmo após a Corte ter considerado a tese inconstitucional dias antes da aprovação da norma pelo Congresso. Inicialmente previsto para ocorrer em plenário virtual, o julgamento foi transferido para o plenário físico após forte reação do movimento indígena, que criticou a ausência de debate público no formato remoto.
Apesar da mudança, ainda há incerteza sobre o rito e os rumos da votação. A previsão é de que apenas o mesmo Gilmar Mendes leia seu relatório e sejam feitas as sustentações orais das partes envolvidas. O voto de Mendes e dos outros ministros e a decisão final ficariam para outra sessão, ainda sem data marcada.
Enquanto a disputa avança, a Lei 14.701 produz instabilidade jurídica, amplia os riscos e conflitos sobre as Terras Indígenas (TIs). O marco temporal prevê que os povos indígenas só podem reivindicar suas terras se comprovarem ocupação em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A interpretação ignora que inúmeras comunidades foram expulsas de seus territórios por meio de violência — inclusive nos anos que antecederam a Constituição. Na prática, o dispositivo estimula contestações administrativas e judiciais e pode inviabilizar as demarcações.
Direitos em risco
A tramitação acelerada da PEC 48/2023 no Senado e a análise da lei no STF colocam em risco direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como:
- direito originário às terras tradicionalmente ocupadas;
- direito à vida e à integridade física e cultural, já que a perda territorial expõe comunidades a violência, fome e expulsões;
- direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais nas TIs;
- direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
- direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido ao papel das TIs na proteção ambiental e climática.
Mudanças climáticas
A decisão do STF também terá impacto direto sobre a política ambiental e climática do país. Dados do Instituto Socioambiental (ISA) revelam que as TIs são a principal barreira de contenção do desmatamento na Amazônia: elas são 16 vezes mais preservadas que as áreas ao seu redor. Enquanto o desmatamento alcança 27% nessas áreas vizinhas, dentro das TIs ele cai para 1,7%.
Estudo do Instituto Serrapilheira demonstra que as TIs na Amazônia exercem um papel insubstituível na segurança hídrica e na regulação climática de grande parte do território nacional. As TIs influenciam o ciclo de chuvas de ao menos 18 estados e do Distrito Federal, afetando 80% do volume de precipitações necessárias para o país. Só em 2021, os estados mais beneficiados por essa estabilidade climática registraram R$ 338 bilhões em renda agropecuária.
Câmara de Conciliação
A retomada do embate entre o Congresso e o STF expõe a fragilidade da Câmara de Conciliação instaurada por Mendes, em 2024, na tentativa de mediar um acordo entre governo federal, ruralistas, estados e lideranças indígenas sobre a Lei 14.701. A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) retirou-se do colegiado logo no início, alegando a ausência de paridade para a defesa dos direitos constitucionais dos povos originários.
Sem a participação efetiva das organizações e sem avanços práticos, a Câmara encerrou suas atividades sem consenso: das 31 propostas debatidas, nenhuma sugeriu a derrubada do marco temporal. A PEC 48 permanecia parada na CCJ desde a criação da Câmara de Conciliação por um acordo fechado entre lideranças partidárias pelo próprio Alcolumbre.
“O STF já declarou, em 2023, a inconstitucionalidade de qualquer marco temporal, afirmando que os direitos indígenas independem da presença física na data de promulgação da Constituição, sobretudo diante do histórico de expulsões”, lembra Renata Vieira, advogada do ISA.
Além de retomar o marco temporal, a lei abre brechas para rever e até reduzir territórios já homologados, o que pode gerar efeito cascata sobre processos consolidados há décadas. A Funai reconhece que 304 TIs em diferentes fases de regularização já foram diretamente afetadas pela norma, levando à à paralisação de etapas essenciais do procedimento.
Diante disso, especialistas alertam que a lei incorpora medidas incompatíveis com as garantias constitucionais asseguradas aos povos indígenas, como:
- autorização para instalação de obras e infraestrutura dentro de TIs sem consulta prévia;
- abertura para atividades econômicas, contrariando o usufruto exclusivo previsto na Constituição;
- brechas para mineração e garimpo;
- alterações profundas no processo de demarcação, com mais etapas, prazos, litígios e possibilidades de contestação.
“A lei cria entraves políticos, burocráticos e técnicos que desvirtuam o caráter científico do procedimento demarcatório, além de permitir a interferência de entes federativos e atores locais com interesses diretos na disputa territorial”, alerta Renata Vieira.
“O julgamento será decisivo para o futuro das demarcações”, explica. “Manter a lei significa ampliar a insegurança jurídica, os riscos ambientais e a exposição dos povos indígenas a conflitos. Declará-la inconstitucional, por outro lado, permite retomar processos parados há décadas e restabelecer a estabilidade necessária para a consolidação dos direitos indígenas,”, conclui.
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O sócio-fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, comenta a importância dos anúncios de demarcações feitos pelo governo na COP30
Nessa terça-feira (18/11), o governo federal anunciou a edição de portarias e decretos de demarcação de 38 terras indígenas (Tis). Foi um dos maiores pacotes de demarcações em duas décadas. O anúncio foi feito em Belém (PA), durante a COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que começou no dia 10 e vai até o dia 21/11.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decretos que homologam a demarcação de quatro terras, concluindo os seus processos. A sua extensão é de 2,4 milhões de hectares. Assim, Lula chega a 20 decretos de homologação neste mandato. O total de TIs homologadas subiu para 451 ou 54% das 824 áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A presidente da Funai, Joênia Wapichana, aprovou os relatórios de identificação (RCIDs,) de seis terras, que passam a ter uma proposta oficial de limites. As propostas poderão ser contestadas por terceiros e serão avaliadas pelo ministro da Justiça. Joênia também criou grupos de trabalho que vão identificar outras sete áreas (veja tabela ao final do texto e saiba como acontece a demarcação).
DECISÃO POLÍTICA
Todos os atos do processo demarcatório, requeridos de cada instância de governo, são fundamentais para a segurança jurídica e o respeito efetivo aos direitos indígenas. O trabalho de identificação produz informações básicas sobre o povo indígena e uma proposta de limites para demarcação. O decreto de homologação define os limites exatos, demarcados e digitalizados, para o devido registro da área na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e nos cartórios locais.
Mas vale ressaltar a importância do ministro da Justiça nas demarcações. Ele zela pela formalidade dos processos e decide, no âmbito administrativo, sobre eventuais questionamentos aos limites propostos. A portaria declaratória de limites representa a decisão política do governo sobre eles e determina à Funai a sua demarcação física.
Em outras palavras, após a edição da portaria declaratória, o órgão indigenista pode licitar e contratar empresa especializada em fixação de marcos e de placas, abertura de picadas e digitalização dos limites demarcados. A demarcação física é a etapa que mais exige recursos e envolve riscos de conflitos.
PORTARIAS DECLARATÓRIAS
É por essas e outras que o eixo integrador dos atos demarcatórios são as 10 portarias declaratórias, editadas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. São atos corajosos, que buscam resolver antigas pendências e, ainda, promovem um salto nas demarcações. Com elas, o ministro chega a 20 portarias declaratórias editadas na sua gestão.
Chamam mais atenção, pela extensão, os casos da identificação da TI Aracá-Padauri (AM) e da homologação da TI Kaxuyana-Tunayana (AM-PA), que somam mais de 5,5 milhões de hectares. Mas as portarias declaratórias incidem sobre situações críticas, como a das TIs Comexatiba, dos Pataxó, e Tupinambá de Olivença, dos Tupinambá, no sul da Bahia.
Soma-se ainda uma TI declarada no Mato Grosso do Sul, estado que detém um dos maiores passivos históricos de demarcação, o que tem causado uma série de violências contra os Guarani Kaiowa e Ñandeva. Trata-se da TI Ypoi-Triunfo, habitada pelos Guarani Ñandeva.
Também cabe destacar a atuação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a capacidade de articulação da ministra Sônia Guajajara, ao juntar, no ambiente da COP30, um conjunto consistente de providências sobre a demarcação das áreas, nos vários níveis de governo. Sônia incorpora, como ninguém, a face indígena do evento.
Com a publicação no DOU dos decretos e das portarias, ficou assim o cômputo atualizado da situação jurídico-administrativa das TIs com processos abertos na Funai:
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No total, Terras Indígenas em diferentes etapas de reconhecimento somam quase 7 milhões de hectares, extensão maior que o estado da Paraíba. Confira quais são
Texto atualizado em 10/12/2025 às 11:48.
O número correto de Terras Indígenas no país após os anúncios de demarcações do governo durante a COP30 é mesmo de 823.
Nesta terça (18/11), na conferência da ONU sobre mudanças climáticas que deve ter a maior participação dos povos originários da história, a COP30, o governo resolveu anunciar avanços nas demarcações de 38 Terras Indígenas (TIs). O evento internacional começou no dia 10/11 e vai até sexta (21/11), em Belém (PA).
O conjunto de medidas relacionadas aos territórios indígenas soma quase 7 milhões de hectares, extensão maior que a do estado da Paraíba, beneficiando mais de 40 grupos espalhados por todas as regiões do país.
Ao todo, quatro TIs foram homologadas; outras dez foram declaradas pelo Ministério da Justiça; seis áreas tiveram seus limites identificados; e sete tiveram grupos técnicos de identificação criados (saiba como é o processo de demarcação). Foram instituídas ainda dez Reservas Indígenas (RIs) e divulgada a renovação da portaria de restrição de uso e ingresso de uma área de povos isolados, procedimentos um pouco diferentes dos mais usuais (veja a lista mais abaixo).
Desde o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência (2007-2010), não se alcançava um patamar de demarcações parecido. O ritmo caiu muito nos últimos 20 anos, desabando no governo de Michel Temer, até os procedimentos serem suspensos definitivamente na gestão de Jair Bolsonaro. Eles foram retomados lentamente neste terceiro mandato de Lula (veja tabela).
As medidas podem ser consideradas históricas também por serem tomadas na primeira conferência internacional do clima realizada na Amazônia, com expressiva participação dos povos originários; e em razão dos seguidos ataques aos seus direitos sobretudo no Congresso e das violências cometidas em seus territórios nos últimos anos – a exemplo do assassinato do líder indígena Vicente Vilhalva, no Mato Grosso do Sul, no último fim de semana.
A importância dos anúncios foi reforçada pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em cerimônia realizada nesta terça (18/11), no Pavilhão Brasil, da Zona Verde da COP30. “Nós vamos terminar a COP30 [...] com esse reconhecimento da demarcação das Terras Indígenas como a medida mais eficaz para enfrentar a crise climática”, defendeu.
“Demarcação já” também foi uma das principais pautas do movimento indígena na Marcha Indígena Global que tomou as ruas de Belém, na manhã da segunda-feira (17/11), sob liderança da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) e com a participação de povos vindos do exterior.
Sonia e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, estiveram na mobilização e reforçaram o compromisso do governo com as demarcações. Em seu discurso de abertura da COP, na semana passada, Lula já havia sinalizado com a possibilidade das medidas.
“Esse já é um legado da COP30. As portarias e decretos editados promovem um avanço histórico nas demarcações, dando um rumo de solução para antigas pendências”, avalia o sócio-fundador e presidente do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli.
Este também é o maior pacote relacionado a territórios indígenas da atual gestão de Lula até o momento. Os últimos anúncios de homologação aconteceram durante a Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, em Brasília. As últimas declarações foram feitas há mais de um ano, quando sete TIs do povo Guarani foram assinadas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Em relação às portarias de identificação, o atual governo havia aprovado os estudos de apenas três territórios.
O Brasil possui agora 823 TIs: 71 TIs declaradas, 451 homologadas, 58 reservadas, 33 identificadas, 170 em identificação (8 delas com restrição de uso), além de 14 Reservas Indígenas (RI) em processo de regularização.
Terras Indígenas incluídas nas medidas
Os sete Grupos Técnicos (GT) de identificação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) criados são das TIs: Nadëb (AM), do povo Nadëb; Maraguá-Mawé (AM), do povo Maraguá; Tuyuka (AM), do povo Kokama e Tikuna; Rio Paracuní e Curupira (AM) , dos povos Munduruku, Mura e Maraguá; Deni do Rio Cuniuá (AM), do povo Deni; Chandless (AC), dos povos Sharanawa e Mashco Piro; e Kanamari do Jutaí (AM), do povo Kanamari.
Passo importante na conservação
“Terras Indígenas são estratégicas para a manutenção da floresta em pé e proteção dos biomas. As TIs Kaxuyana-Tunayana e Aracá-Padauiri protegem sozinhas um total de 5,4 milhões de hectares na Amazônia”, afirma Tiago Moreira, pesquisador ISA. “Agora, estão mais próximas de terem o processo concluído e estarem asseguradas nas mãos dos povos indígenas”, comenta.
Moreira reforça que quando o processo de demarcação avança, aumentam as garantias para que os indígenas possam proteger e gerir seus territórios, aumentando a proteção também das florestas. Nesse caso, as demarcações fora da Amazônia tendem a trazer ganhos em termos de proteção para biomas que já perderam grande parte de sua vegetação original.
Fora da Amazônia Legal, as TIs estão entre as áreas mais preservadas em todos os biomas e o avanço e fortalecimento dos processos de demarcação tendem a ser acompanhados pela recuperação das florestas nestas áreas, como demonstra estudo do ISA.
Demora na demarcação
O tempo de espera médio desde o início do processo de demarcação das áreas abrangidas pelo pacote foi de 9,5 anos para as TIs identificadas, de 16,4 anos para as declaradas e de 30 anos para as homologadas. Há casos como os das TIs do povo Paresí, que chegaram a quase 40 anos.
“São lutas assim de muitos anos, de muitas mãos, de muitas vozes, de muitas pessoas, organizações que tiveram conosco para esse momento acontecer e hoje aconteceu”, celebrou Tipuici Manoki, cineasta da rede Katahirine e dos coletivos Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Myky.
Uma das causas pela lentidão nos processos de demarcação é a Lei nº 14.701/2023, conhecida como “Lei do Marco Temporal”, que estabeleceu uma série de restrições no procedimento de reconhecimento dos territórios.
Segundo a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, apesar do compromisso firmado em identificar o maior número de TIs possível, a meta só pôde começar a ser cumprida a partir da reestruturação do órgão indigenista.
“Compromisso esse que é muito difícil por conta das leis que foram aprovadas sem a nossa responsabilidade ou vontade, que é a (Lei) 14.701 que ainda emperra e demora os processos e que está para ser resolvida no STF. Nós temos muitas demandas para tentar proteger as Terras Indígenas, mas vontade política nós temos muita para avançar”, disse.
Violência
A demora no reconhecimento oficial é um dos motivos da violência contra os indígenas que se agravou nos últimos anos. É o caso das TIs Comexatibá e Tupinambá de Olivença, dos povos Pataxó e Tupinambá, no sul da Bahia, que enfrentaram uma série de ataques e assassinatos, além da pressão da especulação fundiária em uma das áreas mais valorizadas para o turismo no país.
Segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de 2024, o Mato Grosso do Sul é o estado que mais concentra casos de violência contra os povos indígenas. O passivo na demarcação também é enorme. Na maior parte dos casos, as TIs estão ocupadas por fazendeiros e posseiros. Os povos Guarani Kaiowá e Ñandeva reivindicaram na COP30 a punição dos responsáveis pelo assassinato de Vicente Vilhalva, no último domingo, na TI Iguatemipeguá I, em Paranhos (MS).
O povo Guarani Ñandeva comemorou o avanço no processo da TI Ypoi-Triunfo. “Ficamos felizes e ao mesmo tempo com medo, porque sabemos que quando os fazendeiros recebem esses tipo de notícia, nós também temos que tomar cuidado porque ficam bravos”, afirmou Holanda Vera, liderança da área, onde em 2009, os professores Genivaldo e Rolindo Vera foram assassinados.
Com a campanha #DemarcaYvyrupa desde 2023, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização que congrega os coletivos guarani do Sul e Sudeste brasileiro, reivindicava o avanço no processo de demarcação de TIs sem pendências.
As TIs Pakurity, Sambaqui, Ka’aguy Hovy e Ka’aguy Mirim, declaradas hoje, constavam na lista da campanha. Restam ainda três TIs a serem homologadas e 1 a ser declarada. “Para nós é um momento de muita importância que a gente vem receber e fazer essa entrega também para o nosso povo”, afirma Kerexu Yxapyry, liderança da CGY. “A gente tem feito um trabalho, tem feito uma luta, uma articulação para garantir os nossos territórios regularizados nos nossos estados”, complementou.
A Apib e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também capitanearam mobilizações com a mesma reivindicação, como a do dia 14 de outubro, em Brasília. Os indígenas cobraram de Lula e do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a conclusão dos processos de demarcação e o cumprimento das promessas de campanha, para que essa COP fosse de fato a da implementação, como defendeu o presidente.
Proteção a isolados, justiça e reparação
O pacote inclui territórios com a presença de povos isolados, como é o caso das TIs Kaxuyana-Tunayana (PA) e Chandless (AC), com a presença do povo Mashco Piro.
Para Angela Kaxuyana, da Coiab, a homologação representa ainda um importante passo na reparação e reconhecimento do Estado das violações cometidas contra seu povo. “O meu território foi arrancado do meu povo na ditadura militar para dar lugar a grandes empreendimentos, mas nós resistimos, porque parte do nosso território sempre permaneceu povoado e resistente com povos indígenas isolados que lá permanecem. E hoje essa homologação também representa proteger os povos indígenas isolados, reconhecer a diversidade que somos, mas também o início da justiça para os povos indígenas”, defendeu.
Sobre a renovação da Portaria de Restrição de Uso para a Terra Indígena Tanaru, Fábio Ribeiro, coordenador-executivo do Observatório dos Povos Indígenas Isolados, destaca o ineditismo do caso. A TI pertence a “um povo que foi exterminado, o último sobrevivente faleceu em 2022 e a luta agora é que essa terra permaneça, como uma floresta em pé, como um lugar de memória”, ressaltou.
Saiba mais: Tanaru, o "índio do buraco" que viveu protegendo a floresta
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Especialistas da Funai, ISA e USP apresentaram os casos dos povos indígenas dos rios Xingu (PA) e Juruena (MT)
O Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto (CBAI 2025) foi realizado entre os dias 20 e 24 de outubro, na Universidade de Brasília (UnB). O evento possibilitou que profissionais de todo o Brasil que pesquisam ou trabalham com licenciamento ambiental e avaliação de impacto pudessem debater sobre os principais desafios e perspectivas de avanços na área.
O Instituto Socioambiental (ISA), juntamente com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), promoveu um painel inédito no CBAI com o tema Avaliação de Impactos Cumulativos em Terras Indígenas: Desafios e Estratégias.
O evento contou com as mediações dos professores da USP Juliana Siqueira-Gay e Luís Enrique Sánchez, especialistas em impactos cumulativos, além dos palestrantes da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) Raoni da Rosa, Aline Maciel de Carvalho e Maria Janete de Carvalho, e da antropóloga Thaís Mantovanelli, do ISA.
Os palestrantes tiveram a oportunidade de apresentar casos práticos, como o do complexo hidrelétrico do Juruena (MT), que afeta diretamente os indígenas Enawenê-Nawê, e da conjugação de impactos entre a rodovia Transamazônica (BR- 230) e Belo Monte, no Médio Xingu (MT).
Bacia do Rio Juruena
Segundo Carvalho e Rosa, o Rio Juruena tem a função de harmonizar a relação entre homens e espíritos para os Enawenê-Nawê, por meio da realização de cerimônias em que o peixe é consagrado tanto pela sua importância alimentar como em agradecimento aos espíritos. No entanto, a construção do Complexo Hidrelétrico Juruena (composto por duas hidrelétricas e nove pequenas centrais hidrelétricas) afetou a cultura e o modo de vida dos indígenas ao comprometer a reprodução dos peixes na região.
Um estudo lançado recentemente pela organização Operação Amazônia Nativa (Opan) sobre pressões e ameaças às terras indígenas (TIs) na Bacia do Juruena, apontou que, até 31 de julho de 2025, foram identificados 185 usinas na região, sendo 88 centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) e 72 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Os empreendimentos expandiram-se entre 2019 e 2025, beneficiadas pelas mudanças na legislação, em 2020, que flexibilizou o processo para autorização desse tipo de obra junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), além de simplificar o licenciamento ambiental sob a justificativa de que os impactos ambientais seriam reduzidos.
De acordo com os dados levantados no Boletim Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena da Opan, a ausência de exigência de estudos mais robustos “vem gerando impactos sinérgicos e cumulativos sobre os ecossistemas aquáticos e o equilíbrio hidrológico”, devido à alta concentração de empreendimentos na bacia.
Para os representantes da Funai, os principais problemas e impactos após a construção do complexo foram a destruição de habitats para os peixes; a interrupção do fluxo de nutrientes e organismos aquáticos; a deterioração da qualidade da água do rio e a transformação de um trecho de corredeiras em reservatórios.
Todos esses problemas, segundo Carvalho e Rosa, foram decorrentes de diferentes omissões no âmbito do licenciamento ambiental estadual, desde a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para determinados empreendimentos até a ausência de avaliação de impactos cumulativos, além da premissa equivocada de que as PCHs causam menos impactos.
Diante disso, a Funai solicitou uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) sobre a situação ambiental da bacia após as usinas implantadas, considerando os seus efeitos cumulativos sobre os recursos naturais e as populações. Constatou-se que houve assédio direto dos empreendedores às lideranças indígenas e atropelos na mediação do processo de compensação financeira às comunidades.
Entre os encaminhamentos do órgão, os técnicos citaram a importância de se considerar de forma efetiva os conhecimentos indígenas na avaliação; estabelecer a relação de causalidade e proporcionalidade dos múltiplos empreendimentos; estabelecer as responsabilidades para os agentes.
Impactos no Médio Xingu
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete de Carvalho, levou para o debate a realidade da região do Médio Xingu por ser uma das regiões mais afetadas pelo aumento de empreendimentos nos últimos anos.
“Todas as terras indígenas da região foram afetadas de alguma forma pela Transamazônica (BR-230) e pela usina hidrelétrica de Belo Monte”, afirmou.
De acordo com ela, a construção da BR-230 levou a morte para muitos indígenas, já que na época da sua construção, nos anos 1970, as frentes de contato foram facilitadas, causando inúmeras doenças.
Belo Monte agravou o contexto da ocupação na região do Médio Xingu, que pode ser avaliada pelo avanço do desmatamento ao longo dos anos. Nos dois empreendimentos, os componentes indígenas para o licenciamento ambiental (ECI) atrasaram, prejudicando a avaliação de impactos nas TIs.
Carvalho fez algumas sugestões para aprimoramento do planejamento regional, como, por exemplo, integrar licenciamento ambiental e avaliação de impactos cumulativos; adotar hidrograma ecológico robusto para preservar o regime hídrico no contexto de Belo Monte; fortalecer a fiscalização na BR-230 para evitar desmatamento e conflitos fundiários e definir cronograma de revisões periódicas para atualizar impactos e medidas adotadas.
Thais Mantovanelli também abordou os desafios gerados por Belo Monte, que desviou a água do Rio Xingu e causou graves impactos ambientais e sociais. Segundo ela, é importante considerar “a cumulatividade na avaliação de impacto ambiental no contexto da Volta Grande do Xingu.”
Para a antropóloga, a instalação, na mesma região, da mineradora canadense Belo Sun comprometeria, definitivamente, a vida na bacia do Rio Xingu. A empresa propõe instalar a maior mina de ouro a céu aberto do país e, para isso, pretende explodir uma tonelada de rochas e usar diversos contaminantes tóxicos, como o cianeto, para a retirada do ouro. Além disso, é grande o risco de rompimento da barragem de rejeitos.
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (Mati), grupo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos, já realiza coletas de dados para a comprovação das mudanças no fluxo do Rio Xingu e seus efeitos sobre a vida aquática e nas florestas da região desde 2013.
“Essa iniciativa de produção colaborativa e intercultural de conhecimento nasceu de uma necessidade pragmática e urgente: evidenciar a amplitude dos impactos associados à construção e ao sistema de operação de Belo Monte e buscar alternativas para uma partilha mais justa de água baseada em seus usos múltiplos”, afirmou Mantovanelli.
“O Mati é um esforço de união, composição e cumulatividade que deveria orientar também as análises de impacto e as tomadas de decisão no âmbito do licenciamento ambiental de qualquer projeto”, completou.
As principais recomendações da antropóloga foram as de adoção imediata do hidrograma das piracemas – proposta em que a vazão do rio usa critérios ecológicos para liberar a água e garantir a reprodução dos peixes - e da criação de um comitê permanente que deveria ser consolidado num painel consultivo contínuo e preventivo com a concessionária Norte Energia e a participação do Mati.
Ela finalizou lembrando a importância de adotar uma partilha mais justa de água para a Volta Grande do Xingu, considerado uma força vital para povos indígenas e tradicionais.
Parceria entre o ISA e a Escola Politécnica da USP
Em maio deste ano, o projeto de pesquisa firmado entre o ISA e a Escola Politécnica da USP (Poli) intitulado “Avaliação de impactos cumulativos para o Xingu: propostas para o planejamento e licenciamento de projetos de infraestrutura” foi aprovado na chamada Fapesp de Propostas (2024) – Fase 1, do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP).
O projeto visa analisar e subsidiar cientificamente o planejamento de obras de infraestrutura e o respectivo licenciamento ambiental na Bacia do Xingu, com foco na problemática dos impactos cumulativos resultantes das mudanças de uso e cobertura da terra na Bacia do Xingu.
Os parceiros governamentais e não governamentais que acompanharão o desenvolvimento das pesquisas são o Ministério dos Transportes, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Funai e a Rede Xingu+.
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Minuta propõe criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade para investigar violações do Estado e garantir memória, reparação e justiça
Com o lema “Sempre estivemos aqui!”, lideranças indígenas de todas as regiões do país entregaram ao governo, nesta terça-feira (21/10), em Brasília, uma minuta de decreto que propõe a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV). O evento reuniu mais de 130 pessoas e marcou um momento histórico na luta dos povos indígenas por memória, verdade, justiça e reparação das graves violações cometidas ao longo da história do Brasil.
A proposta retoma uma recomendação feita há mais de uma década pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apontou a morte de ao menos 8.350 indígenas por ações e omissões do Estado entre 1946 e 1988. O número é quase vinte vezes maior que o de mortos e desaparecidos políticos reconhecidos oficialmente.
A minuta é resultado dos trabalhos do Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas, capitaneado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O texto propõe que a CNIV seja instalada na Secretaria-Geral da Presidência da República e composta por 14 membros, metade indicada pela Apib e metade pelo Fórum. Com duração de três anos, a comissão teria poderes para investigar assassinatos, remoções forçadas, genocídios, torturas e esbulhos territoriais, além de identificar responsáveis e propor medidas de reparação. O relatório final seria público e traduzido para as línguas indígenas (veja abaixo).
Paulino Montejo, articulador político da Apib, destacou a importância da medida para firmar um novo pacto do Estado com os povos indígenas. “A violência contra os povos indígenas, desde a criação do Estado brasileiro, do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), foi uma política de Estado. A justiça que queremos também precisa ser resultado de políticas de Estado, estruturantes, permanentes e baseadas no direito à terra e à vida. A sociedade civil fez sua parte; agora esperamos que o Estado se sensibilize, se posicione e dê uma resposta histórica aos nossos povos”, afirmou.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, recebeu o documento em nome do governo, ao lado de representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU) e dos ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC).
Sonia afirmou que receber o documento significa “um compromisso com a reparação pelo passado e pelo presente”, lembrando que as violências contra os povos indígenas seguem acontecendo. “Temos uma história difícil, sangrenta, muitas vezes cometida pelo próprio Estado. Ainda hoje há indígenas com cabeça decepada, corpos esquartejados e queimados dentro de suas casas”, disse.
A cerimônia de entrega da proposta homenageou o pesquisador Marcelo Zelic, que dedicou sua vida à documentação das violações contra os povos indígenas e foi um dos primeiros a defender a criação da comissão. Zelic faleceu em 2023.
Elisa Pankararu, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), emocionou o público: “Falar em uma Comissão Nacional Indígena da Verdade é dizer que a nossa verdade é uma verdade que dói, porque é uma violência contra os corpos-território: os corpos das pessoas, das árvores, dos rios, das águas, dos animais, do ar, da terra. Não somos apenas pessoas, nós somos parte. Nós não somos usuários desse sistema, como está na cultura de vocês. Nós somos parte dele.”
Para ela, a criação da CNIV é mais do que um instrumento institucional: é o reconhecimento de uma verdade histórica que persiste como ferida aberta.“A história desse país é banhada pelo sangue indígena. É uma história construída sobre o sangue indígena, negro, camponês, das periferias, das mulheres e meninas, e é uma história que oficialmente não se conta, mas que os nossos nos contam.”. Elisa evocou os anciãos indígenas para falar da persistência da memória e da dor: “Os meus mais velhos dizem que quem bate esquece, e quem apanha lembra. Essa é a filosofia de quem sofre, de quem carrega a dor e a memória”.
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, definiu a entrega como um marco histórico. “O dia de hoje marca um passo importantíssimo para o futuro dos povos indígenas do Brasil na garantia de direitos, na proteção dos nossos povos e na construção de políticas públicas alinhadas aos territórios. Há 525 anos enfrentamos uma história de muita violência e violações de direitos. A criação da CNIV representa um passo na reparação contra todos os crimes cometidos e um compromisso para que essas violações não se repitam.”
Reconhecimento da CNV
Em 2014, a CNV reconheceu pela primeira vez as violações de direitos humanos dos povos indígenas, mas também que seu trabalho foi insuficiente para abranger esses casos e recomendou a criação de uma comissão específica para aprofundar essas investigações. Já em 2024, a Comissão de Anistia reconheceu e pediu perdão pelas violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro contra dois povos: os Guarani Kaiowá, da Terra Indígena Guyraroká, e os Krenak, vítimas de perseguição, tortura, trabalho forçado, prisões e deslocamentos compulsórios.
“Esses gestos do Estado brasileiro são importantes, mas incipientes”, avalia a antropóloga Tatiane Klein, do Instituto Socioambiental (ISA), que participou da construção da proposta. Segundo ela, as violações contra indígenas apenas começaram a ser reconhecidas e a criação da comissão seria o passo seguinte. “A criação da CNIV tem estado na pauta do movimento indígena há anos, inclusive porque muitas dessas violações continuam no presente, como é o caso do povo Guarani Kaiowá. É urgente tirar essa instância do papel, não só para avançar nas investigações, mas assegurar o direito indígena à memória, verdade, justiça e reparação”.
A ex-subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, que é integra o Fórum, destacou que a proposta tem base constitucional: “O artigo 16 da Constituição de 1988 determina que é dever do Estado garantir aos povos que compõem a sociedade brasileira os seus espaços de memória.” Segundo Duprat, a CNIV deve considerar uma temporalidade ampla, “desde a conquista até os dias atuais”, e adotar a oralidade como metodologia central, reconhecendo o direito dos povos indígenas de contarem suas próprias histórias.
O coordenador-Geral de Memória e Verdade e de Apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Hamilton Pereira da Silva, destacou a importância de recordar e honrar lideranças indígenas que marcaram a história da resistência. Ele evocou nomes como Marçal de Souza, que em 1980 levou a palavra dos povos indígenas a João Paulo II em Manaus; Ângelo Pankararu, Ângelo Kretã e a memória do povo Tapirapé, que nos anos 1950 quase desapareceu, mas ressurgiu pela reconquista de suas terras, língua e cultura. Pereira da Silva também lembrou tragédias como o assassinato na Terra Indígena Bororo, em 1976, do padre Rodolfo Lunkenbein e do indígena Bororo Simão. “Em nome deles, em nome dessa história, que de alguma maneira eu pude testemunhar ao longo da minha própria trajetória, eu queria receber [a minuta] em nome do ministério e assumir aqui o compromisso com essa causa”, afirmou.
Investigação enraizada nos territórios
Além dos trabalhos do fórum, que sistematizou informações de mais de 80 casos de violação de direitos, a Apib vem desenvolvendo uma metodologia própria de escuta para investigar as violações – liderada por pesquisadores indígenas. Relembre.
Braulina Baniwa, coordenadora da iniciativa, explicou que a metodologia combina conhecimento acadêmico e vivência territorial, priorizando diálogo direto com lideranças. A pesquisa segue modelo flexível, adaptado a cada realidade local, evitando a coleta de informações sem retorno às comunidades. “Produzimos uma metodologia de caminho sem violência, que respeita o tempo e o espaço das comunidades, e garante que a pesquisa não seja apenas uma retirada de informação do território.”
A psicóloga e pesquisadora Rafaela Andrade, do povo Kambeba (AM), elogiou a abordagem: “Estamos trabalhando só com pessoas indígenas, de diversas áreas, como psicólogos, jornalistas, antropólogos, para que a pesquisa seja de indígena para indígena. Isso fortalece a autonomia e a confiança nos territórios.” Andrade destacou que, diferentemente de estudos anteriores conduzidos por pesquisadores não indígenas, essa metodologia promove conexão direta com as comunidades e valoriza saberes e experiências próprias. A pesquisa já foi apresentada em seminários nos territórios, como com a Comissão Guarani Yvyrupa em Piraquara (PR), no Tekoha Ywy Djú. “Eles foram muito receptivos, porque esses seminários foram desenvolvidos para eles, para debater sobre seu próprio povo e as violências que sofreram no Brasil”, disse.
Objetivos da CNIV
Investigação e elucidação dos fatos
• Elucidar os fatos e as circunstâncias de casos de graves violações aos direitos dos povos indígenas.
• Incluir no escopo da investigação os casos referidos pela Comissão Nacional da Verdade que tenham relação com a questão indígena.
• Investigar especificamente violações como assassinatos, genocídios, remoções forçadas, torturas, mortes, desaparecimentos forçados, sequestros, ocultações de cadáveres, esbulhos de suas terras e discriminações.
• Localizar e identificar corpos e restos mortais de pessoas desaparecidas.
Identificação de responsáveis e danos
• Identificar locais, estruturas, instituições públicas e privadas (militares, civis, inclusive empresariais ou sem finalidades lucrativas), e pessoas, que sejam responsáveis direta ou indiretamente pelas violações.
• Identificar danos aos bens, direitos, valores, culturas e costumes indígenas.
Cooperação e reparação
• Revelar a verdade histórica.
• Colaborar com todas as instâncias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a apuração e responsabilização dos autores das violações.
• Colaborar para que seja prestada assistência às vítimas remanescentes das graves violações.
• Recomendar medidas para a reparação integral dos povos indígenas lesados, o que inclui restituição de direitos, compensações e reabilitações.
• Recomendar providências de caráter suficiente e políticas públicas para prevenir a violação de direitos indígenas e assegurar sua não repetição.
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Expectativa de relator de Grupo de Trabalho, senador Rogério Carvalho (PT-SE), é votar uma proposta de legislação até março
Atualização: informamos inicialmente que o prazo final do Grupo de Trabalho (GT) de Mineração em Terras Indígenas do Senado seria o final de março de 2026; na página oficial do colegiado, no entanto, o prazo que consta é de 30/5/2026. O relator do GT, Rogério Carvalho (PT-SE), também admitiu que, dependendo do ritmo do trabalho, a proposta de legislação pode ser votada até o final de março ou ainda este ano.
Texto atualizado em 27/10/2025 às 11:15.
O Grupo de Trabalho (GT) sobre Mineração em Terras Indígenas criado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), foi instalado na tarde desta terça (21). Foram referendadas as indicações de Rogério Carvalho (PT-SE), como relator, e de Marcos Rogério (PL-RO), como vice-presidente. Também foi aprovado o regulamento interno.
Em seguida, a presidente do colegiado, Tereza Cristina (PP-MS), finalizou os trabalhos. Ela foi igualmente escolhida por Alcolumbre. A próxima reunião está marcada para o dia 4/11.
Carvalho informou que seu objetivo inicial seria fechar uma proposta de legislação até o final do ano e votá-la no final de março. Ele admite, no entanto, que a votação pode acontecer ainda este ano. "A ideia é conseguir terminar o trabalho este ano e poder votar no começo do próximo ano ou ainda este ano", afirmou em entrevista à reportagem do ISA.
“Vai depender do andar dos trabalhos, se tiver muita demanda, muita discussão, isso pode requerer um pouco mais de tempo. É o trabalho que vai definir se vai prorrogar um pouquinho ou se vai antecipar”, disse.
Questionado sobre a oposição do movimento indígena à mineração nas TIs, Carvalho lembrou que a Constituição prevê a regulamentação do assunto pelo Congresso. “Vamos ver como é que a gente contempla todas as posições, a essência de cada posição, para que não haja nenhum tipo de violação aos direitos dos povos originários do Brasil”, defendeu.
O GT é um tipo de colegiado que não está previsto nas normas internas do Congresso. Por causa disso, não tem as mesmas restrições e controles das comissões temáticas e temporárias convencionais. Nos últimos anos, vêm sendo usado pelas cúpulas das duas casas legislativas para evitar o aprofundamento de debates legislativos e uma maior transparência sobre eles.
A instalação do GT acontece pouco mais de sete meses depois de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que exige que o Legislativo regulamente em até dois anos os dispositivos da Constituição que mencionam a exploração econômica dos recursos das TIs.
Plano de trabalho
De acordo com a assessoria da liderança do governo, o plano de trabalho que deverá ser apresentado por Carvalho na próxima sessão vai indicar uma lista de, pelo menos, oito projetos já em tramitação que servirão como base para a discussão. A ideia é ter reuniões semanais, além de seis audiências públicas para ouvir os atores envolvidos e que deverão acontecer quinzenalmente. Carvalho não descarta visitas a comunidades indígenas impactadas pela mineração.
Além do relator, de Cristina e Marcos Rogério, apenas o senador Zequinha Marinho (PL-PA), conhecido como um defensor do garimpo em TIs, esteve na sessão desta terça. Os três parlamentares da oposição sinalizaram qual deve ser o discurso ruralista ao longo dos trabalhos: a legalização da atividade minerária supostamente tiraria as comunidades indígenas da pobreza por meio das compensações pagas pelas empresas.
A justificativa ignora, porém, todos os impactos socioambientais graves que a mineração e o garimpo trazem para essas populações, além dos seus conhecimentos e práticas tradicionais de produção de alimentos e manejo da paisagem, por exemplo, que são capazes de garantir boas condições de vida.
“Por falta de regulamentação, muitos povos originários são hoje impedidos de beneficiar-se de uma riqueza presente no subsolo de suas terras, dentro de um marco legal comprometido com seus direitos e com a proteção ambiental”, afirmou Tereza Cristina, considerada a principal defensora da mineração de grande escala no colegiado e uma das ruralistas mais influentes do Congresso.
“Esse argumento já existe há mais de 525 anos. Há mais de 525 anos eles vêm dizendo que a gente vai ter nossas terras, que vamos receber uma compensação [pelos impactos que sofremos]. Mas há mais de 500 anos a gente vê morte, doença, violência contra nosso povo”, contrapôs Alessandra Korap Munduruku, presidente da Associação Pariri do Povo Munduruku do Médio Tapajós. Ela acompanhou a sessão de abertura do GT.
“Não vai ser agora que vai resolver a mineração nas nossas terras”, complementou. “A gente é contra a mineração”, ressaltou. Alessandra também faz parte da Aliança em Defesa dos Territórios, formada pelos povos Yanomami, Munduruku e Kayapó para lutar contra a atividade mineradora em suas terras.
Os outros integrantes do GT são: Eduardo Braga (MDB-AM), Plínio Valério (PSDB-AM), Mecias de Jesus (Republicanos-RR), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Efraim Filho (União-PB), Weverton (PDT-MA) e Cid Gomes (PSB-CE).
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Julgamento é suspenso por pedido de “vistas” do ministro Flávio Dino, que tem 90 dias para devolver o caso ao plenário do STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou, na quarta-feira (8), pela constitucionalidade da Medida Provisória (MP) que reduziu o Parque Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará, para que possa ser construída a ferrovia “Ferrogrão”, entre Sinop (MT) e Itaituba (PA). O projeto tem cerca de 977 km de extensão.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto de Moraes, mas sugeriu que a Corte autorize o governo federal a ampliar a unidade de conservação (UC) por meio de um decreto como uma compensação. Moraes disse que vai incorporar a sugestão. Os outros nove ministros ainda precisam votar.
Depois do voto de Barroso, o julgamento foi suspenso por um pedido de “vistas” (mais tempo para análise do processo) do ministro Flávio Dino. Ele tem 90 dias para devolver a ação ao plenário, mas cabe ao presidente do STF, Edson Fachin, marcar a data da retomada da análise do caso.
O julgamento começou na semana passada, com a leitura do relatório e as sustentações orais das partes. O ISA é amicus curiae – quem pede para participar do processo para fornecer informações e fazer esclarecimentos técnicos ou jurídicos.
Moraes é relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553, apresentada pelo PSOL em 2020, contra a MP 758/2016, que propôs desafetar, ou seja, retirar a proteção legal de um corredor de 862 hectares do parque do Jamanxim. A medida previu ainda alterar o perímetro de mais duas UCs e criar outra na mesma região. No final das contas, havia um ganho de pouco mais de 51 mil hectares em áreas protegidas.
Acontece que, ao analisar a MP, convertendo-a na Lei 13.452/2017, o Congresso excluiu essa compensação. E de acordo com a própria jurisprudência da Corte, não é possível alterar UCs via MP.
Moraes argumentou que o texto original da medida não reduzia o parque e que uma lei aprovada pelo Congresso pode fazê-lo, segundo a Constituição. “Não havia vício de inconstitucionalidade formal na MP”, disse. “A lei, sim, retirou essa área de compensação. Só que a lei, do ponto de vista da inconstitucionalidade formal, nós admitimos que ela pode fazer isso, desde que de forma justificada”, prosseguiu.
Barroso defendeu que a ampliação do parque do Jamanxim pelo governo poderia ficar entre 862 hectares e no máximo os pouco mais de 51 mil hectares previstos inicialmente na MP.
‘Prejuízo ambiental’
Apesar de insistir que o julgamento trata apenas da desafetação, Moraes reproduziu os argumentos de organizações de grandes proprietários rurais e dos governos estaduais, centrados nos supostos benefícios da ferrovia, como a geração de empregos e a atração de investimentos. Ele defendeu que a obra trará impactos socioambientais insignificantes, repetindo que a área desafetada é ínfima – em torno de 0,054% do parque.
“Não se visualiza prejuízo ambiental relevante nessa área”, afirmou. “Todos os estudos demonstram que o empreendimento vai de fato gerar um desenvolvimento sustentável na região”, complementou.
Ele ressaltou que a aprovação da legislação não implicou o fim das exigências do licenciamento ambiental do projeto. E admitiu que, se a licença não aprovar a proposta de traçado atual previsto na desafetação, seria necessária outra lei para autorizar uma nova desafetação.
O ministro justificou ainda que a construção da ferrovia teria impacto positivo na redução das emissões de gases de efeito estufa em função da redução da demanda de transporte por caminhões.
O magistrado ignorou, porém, o efeito indutor desse tipo de empreendimento sobre o desmatamento, a grilagem de terras e outras atividades predatórias, sobretudo na Amazônia. Na mesma direção, minimizou as possíveis consequências negativas para as terras indígenas (TIs), sob a justificativa de que o traçado da Ferrogrão não corta nenhuma delas.
É consenso entre pesquisadores, no entanto, que os impactos de obras dessa magnitude têm alcance muito maior do que sua área de abrangência imediata. Eles podem, portanto, alcançar regiões não tão próximas.
O traçado da ferrovia atravessa a região de interflúvio dos rios Xingu e Tapajós, entre o norte de Mato Grosso e o sudoeste do Pará, onde há grande quantidade de UCs e TIs. Chega a passar a apenas quatro quilômetros da TI Praia do Mangue, em Itaituba, como lembrou o próprio Moraes.
Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) de fevereiro apontou falhas na Análise Socioeconômica de Custo e Benefício (ACB) da obra, como desvios metodológicos, que comprometem o suposto resultado positivo do projeto. O levantamento lista omissões de externalidades importantes, ausência das análises de risco, erros nos cálculos de custos e benefícios e na definição do escopo da análise.
Um parecer técnico assinado pelo ISA, o Observatório do Clima (OC) e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também aponta falhas na avaliação dos impactos cumulativos e na projeção de desmatamento presentes no Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Ferrogrão.
“Um dos principais argumentos do parecer é de que existe uma lacuna na avaliação de impactos relacionados ao projeto Ferrogrão que não será suprida no licenciamento ambiental”, informa a assessora técnica do ISA Mariel Nakane.
“Essa avaliação é imprescindível para a identificação das terras indígenas afetadas pelos impactos cumulativos das obras previstas para a região, como a hidrovia do Rio Tapajós e a expansão dos portos e rodovias acessórias que ocorrerão com a Ferrogrão”, conclui.
'Solução heterodoxa'
O advogado Melillo Dinis do Nascimento, que representa o Instituto Kabu no caso, criticou o voto de Moraes após a sessão, classificando-o de uma “solução heterodoxa”. O Instituto Kabu é uma organização do povo indígena Kayapó, das TIs Baú e Menkragnoti, já impactadas pela BR-163, e que também serão afetadas pela Ferrogrão.
“Eu avalio que há um desconhecimento da realidade, porque [a obra] não precisa passar dentro de uma aldeia, não precisa deslocar a aldeia de um povo indígena [para que os impactos sejam sentidos]”, explicou Nascimento.
“Na verdade, o que se discute é o aumento da pressão que já é muito grande em todo o corredor logístico, que se sobrepõe indevidamente a um corredor de sociobiodiversidade do interflúvio Xingu-Tapajós. E que acaba afetando diretamente a vida desses povos. Não só dos povos indígenas mas de outras comunidades que estão ali, de extrativistas, de cooperativas, de ribeirinhos”, complementou.
Ao justificar o pedido de “vistas”, Dino mencionou que os estudos da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, na mesma região do Pará, indicaram inicialmente que os impactos socioambientais seriam pouco significativos, mas que a realidade mostrou-se bem diferente.
“A Volta Grande do Xingu secou. Não passa canoa, não passa ninguém”, mencionou. “Não tem peixe, não tem caça”, explicou. Ele é o relator de uma ação que determinou que os povos indígenas afetados pela usina recebam uma participação financeira do empreendimento como compensação por seus impactos.
Dino disse que o voto de Moraes vai numa “direção profundamente razoável”, mas ressalvou que se sentia “inseguro” diante dessas questões para proferir o seu. Daí o pedido de vistas.
Unidades de conservação em risco
“Se o voto do ministro Alexandre de Moraes prevalecer, todas as unidades de conservação estarão sob maior risco de ter seus territórios diminuídos ou de ser integralmente suprimidas", alerta o advogado do ISA Fernando Prioste.
Em 2018, o STF decidiu que não seria possível alterar áreas protegidas, a exemplo de UCs, por meio de MP. A decisão se baseou no texto expresso da Constituição, que exige que isso só pode ocorrer por meio de lei.
“Naquela oportunidade, o STF entendeu ser impossível alterar UCs via MP, mesmo que seja convertida em lei, pois a Constituição exige que se observe todo o processo de tramitação de uma lei, e que o rito de tramitação de medida provisória não bastaria”, acrescenta.
Há significativas diferenças entre a tramitação de um projeto de lei e uma MP, que tem um rito simplificado, com prazo curto e determinado para sua aprovação pelo Congresso.
“Apenas pela tramitação regular de um projeto de lei seria possível viabilizar meios e tempo necessários para o amplo debate que deve ser feito para alteração de UCs”, prossegue Prioste.
Para ele, caso prevaleça o entendimento de Alexandre de Moraes, qualquer UC poderia ser alterada por MP, bastando que ela proponha algum tipo de compensação. O advogado adverte, no entanto, que, como o voto do ministro não obriga que a lei de conversão de MP preveja algum mecanismo de compensação pela desafetação da UC, na prática elas acabariam por ser alteradas sem essa compensação.
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Belém sedia primeiro Encontro Nacional de Comunicação Indígena, com mais de 100 comunicadores de 62 povos, fortalecendo protagonismo na COP30
Nos anos 1980, em plena redemocratização, os povos indígenas se articularam nacionalmente para inscrever na Constituição de 1988 os direitos territoriais e culturais que até hoje asseguram sua existência. Quase quatro décadas depois, uma nova articulação histórica ganha corpo: não mais nos corredores de Brasília, mas nos fluxos de informação que moldam a opinião pública e o debate climático global. A comunicação se tornou o novo território em disputa.
Entre 28 e 31 de agosto, mais de 100 comunicadores de 62 povos indígenas de todo o Brasil se reuniram na Casa Maraká, em Belém do Pará, para o primeiro Encontro Nacional de Comunicação Indígena (ENCI). O evento foi realizado pela Mídia Indígena e pelo Ministério dos Povos Indígenas. Também teve participações da Colômbia, Panamá e Guatemmala e marcou um momento histórico de articulação coletiva, formação e troca de experiências, preparando a atuação dos comunicadores para a COP30, a conferência internacional sobre mudanças climáticas que ocorrerá na capital paraense, de 10 a 21 de novembro. O objetivo é garantir que os povos indígenas sejam protagonistas nas discussões climáticas globais, ampliando suas vozes e reforçando suas narrativas no debate público.
“É um marco histórico tanto para a comunicação quanto para o movimento indígena”, avalia Erisvan Guajajara, jornalista e um dos coordenadores da Mídia Indígena, rede de comunicação indígena que promoveu o encontro.
“No Brasil somos mais de 305 povos, cada um com sua especificidade. A comunicação se uniu aqui com 62 povos, algo inédito. Conseguimos ouvir todos nos grupos de discussão e entender como pensam. São mentes que pensam o futuro, apostam em uma comunicação que não se vende, que sai do território para o mundo e acredita que a revolução precisa partir de quem protege o território: ribeirinhos, quilombolas, ativistas, pessoas que acreditam num mundo de bem viver para todos.”
O encontro impulsionou a mobilização de um coletivo nacional de comunicação coordenado pela Mídia Indígena, que celebra dez anos de atuação. A chamada pública da organização no Instagram recebeu mais de 1.200 inscrições, e a partir desse engajamento os organizadores estruturaram um grupo de articulação dividido por biomas e por gênero, garantindo a representatividade das diversas vozes indígenas. A iniciativa busca consolidar uma rede que construa a comunicação a partir das bases do movimento indígena, valorizando lideranças locais e os contextos específicos de cada povo, projetando as lutas indígenas para além das fronteiras nacionais, em um momento em que o planeta discute sua sobrevivência diante da crise climática.
“A sociedade ainda precisa se aproximar mais da pauta indígena. E os povos indígenas têm essa missão de dialogar com a sociedade, de mostrar como nós juntos podemos fortalecer e garantir o futuro do planeta, para garantir um planeta verde, um planeta de ar puro para todos. A gente luta por nós, pelos nossos ancestrais e pelas futuras gerações”, destaca Erisvan.
Protagonismo, diálogo e resistência
Nesse contexto, o evento evidenciou a comunicação indígena como um espaço estratégico de protagonismo, diálogo e resistência. Para os participantes, não se trata apenas de relatar acontecimentos, mas de construir narrativas que ampliem vozes, fortaleçam alianças e aproximem diferentes públicos da pauta indígena.
“Nós, comunicadores indígenas, estamos cada vez mais na disputa das tecnologias, combatendo o racismo com os celulares em nossas mãos e produzindo conteúdos de todas as formas possíveis”, afirma o influenciador indígena Gilmar Mendes Guajajara, do povo Guajajara (MA). Ele tem mais de 520 mil seguidores só no Instagram. “Estamos chegando às casas de centenas de pessoas e conquistando, a cada dia, mais aliados que acreditam que nossos territórios precisam ser protegidos e que nossos direitos devem ser garantidos”.
Para a fotógrafa e criadora de conteúdo Mapei Kokaproti, do povo Gavião (PA), o encontro também foi uma experiência de conexão e aprendizado: “Foi um momento histórico estar com nossos parentes de outros povos e regiões. Atuar na comunicação indígena como mulher é muito importante para levar a nossa voz, que por muitos anos lutamos para ser ouvida”. Ela complementa: “Eu acho muito importante poder denunciar, falar o que está acontecendo, não só sobre o meu território, mas estar junto com os outros comunicadores e compartilhar esses conhecimentos, conhecendo pessoas novas e percebendo que a realidade do meu povo não é a mesma do outro parente, mas que a nossa luta é a mesma”.
Yakawilu Yudjá Juruna, integrante da Rede de Comunicadores Xingu+, acrescenta: “A comunicação chegou para nos ajudar a ampliar nosso conhecimento, levar nossas denúncias e mostrar para os não indígenas que podemos estar onde quisermos. O encontro foi maravilhoso; a fala da [deputada federal] Célia Xakriabá me abriu caminhos. Minha expectativa para a COP é que possamos ter voz de fato, aparecer e levar nossas demandas para dentro desses espaços.”
Eixos
Durante quatro dias, a programação foi estruturada em cinco eixos: memória e identidade da comunicação indígena; formação política e técnica de comunicadores; articulação de uma rede nacional; estratégias para a COP30; e criação de campanhas de impacto para dialogar com a sociedade.
As mesas reuniram lideranças como Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Célia Xakriabá, deputada federal; Sineia Wapichana, enviada especial para a COP30; e Kleber Karipuna, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), além de organizações como o Instituto Socioambiental (ISA), WWF-Brasil, Greenpeace e Avaaz. A programação incluiu oficinas de produção audiovisual, técnicas de entrevista, preservação de memória, exibição de filmes indígenas e laboratórios criativos de campanhas.
Para Cristian Wariu, do povo Xavante (MT), o encontro representou uma mudança de perspectiva: “Já nos encontrávamos em vários eventos do movimento indígena, mas sempre cobrindo o que acontecia. Agora fomos colocados de fato como protagonistas para discutir como comunicar sobre povos indígenas. Isso é muito importante porque a diversidade dos nossos povos só pode ser mostrada se houver muitos comunicadores, não um só. O encontro também serviu para mobilizar todos esses atores e já pensar estratégias conjuntas para a COP. Nossa expectativa é chegar muito bem organizados, estruturados e preparados para fazer com que esse momento seja ainda mais histórico”.
Essa preparação coletiva se materializou na construção de um plano de comunicação para a COP30, que orientará como os comunicadores indígenas produzirão e articularão conteúdos durante a conferência do clima. A iniciativa vai além da cobertura jornalística: busca garantir que os povos indígenas estejam no centro das discussões climáticas, não apenas como observadores, mas como protagonistas das decisões que moldam o futuro do planeta.
Casa Maraká
O encontro aconteceu na Casa Maraká, um espaço que já é símbolo da comunicação indígena em Belém. O casarão, com mais de 100 anos, foi construído por portugueses e agora é ocupado pelos povos indígenas. “Aqui era uma casa colonial e a gente reformulou tudo para transformá-la na cara dos povos indígenas, na Casa Maraká. É um espaço que reflete nossa identidade e nossas lutas”, explica Erisvan Guajajara.
A Casa Maraká funcionará como um centro de comunicação popular e indígena, reunindo redação, salas de produção audiovisual, galeria de arte com curadoria de artistas indígenas e auditório com capacidade para mais de 400 pessoas. Durante a COP30, a ministra Sonia Guajajara terá um espaço de reuniões e conversas, e o local será palco de debates, oficinas e ações de mobilização. “Através da Casa Maraká, a gente vai se somar também a coletivos não indígenas, para pensar junto e comunicar para todo mundo”, reforça Erisvan.
O objetivo é que a Casa se torne um espaço permanente de formação e articulação para comunicadores indígenas e populares de todo o país. Equipado com tecnologia e recursos, o centro permitirá organizar campanhas e protagonizar narrativas que dialoguem com a sociedade de forma segura e estratégica. Durante o encontro, o Ministério das Comunicações fez uma doação de 30 computadores, garantindo que os comunicadores tenham ferramentas adequadas para suas atividades.
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Iniciativa inédita estreia na UnB e conecta territórios à cobertura colaborativa da maior conferência do clima do mundo
Nesta sexta-feira (01/08), das 14h às 17h, será lançada oficialmente a Rádio Nacional dos Povos, uma iniciativa inédita que une comunicação indígena e quilombola, justiça climática e cobertura jornalística popular rumo à COP30. A estreia terá transmissão ao vivo e participação do público no Espaço Cora Coralina, no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB). A celebração contará com atrações culturais, vozes de diversos territórios do Brasil e um dabucuri, ritual de partilha indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas, com comidas tradicionais como mujeca, quinhampira, beiju e pimenta.
Para ouvir, basta acessar o link www.radionacionaldospovos.com.br ou baixar o aplicativo. A proposta da Rádio é colocar no centro da conversa sobre o clima as vozes e experiências de povos que resistem há gerações aos impactos da destruição ambiental em seus territórios. Com uma linha editorial centrada em justiça climática, soberania da informação e saberes ancestrais, a Rádio Nacional dos Povos surge como uma ferramenta potente de comunicação colaborativa no caminho até a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA), em novembro.
Na programação de estreia, serão apresentados dados preliminares de uma pesquisa inédita encomendada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) ao MESPT/UnB. O estudo investiga as múltiplas formas de violência enfrentadas por mulheres indígenas no Brasil e representa um avanço fundamental na produção de dados próprios, construídos a partir dos territórios e das vivências dessas mulheres.
Apib e Conaq
A estreia será conduzida por comunicadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com a produtora Vem de Áudio. O episódio de abertura terá a participação especial da cantora e ativista Brisa Flow, que conversa sobre maternidade, arte e ancestralidade no quadro Mães em Movimento, apresentado pela comunicadora indígena Sâmela Sateré Mawé. A programação se encerra com um show da cantora.
Para Nathalia Purificação, jornalista quilombola, assessora da Conaq e apresentadora da Rádio, a iniciativa carrega não só um compromisso político, mas também uma herança afetiva e ancestral. “Sou neta de Iaiá, uma mulher de 106 anos que me ensinou a falar com o mundo sem perder a raiz. Prometi a ela que me formaria jornalista e que ela ainda iria me ouvir na rádio. Fazer parte da Rádio Nacional dos Povos é honrar esse legado e ecoar o que Nego Bispo chama de pensamento confluente: a comunicação que nasce da vida e volta pra ela.”
A Rádio integra uma frente estratégica de mobilização para a COP30, conectando comunicadores populares, lideranças de base, juventudes e pesquisadores em um esforço coletivo para disputar narrativas sobre clima, território, biodiversidade e justiça. “A gente já invadiu o streaming, chegou na TV e agora tá botando no ar a nossa própria rádio”, afirma Tukumã Pataxó, um dos apresentadores e coordenador de comunicação da Apib. “Direto de Brasília, vamos fazer ecoar as vozes dos territórios, do jeito que a gente é, com coragem, alegria e verdade”.
A Rádio Nacional dos Povos nasce no contexto da Escola de Rádio e Clima, disciplina inédita do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT/UnB). Durante dez encontros, mais de 20 professores indígenas, quilombolas e outros convidados compartilharam saberes sobre comunicação comunitária e justiça climática. A experiência culminou em um programa de rádio ao vivo feito pelos próprios alunos, conectando teoria e prática, universidade e território.
“A Rádio Nacional dos Povos nasce onde o conhecimento acadêmico encontra os saberes dos territórios. Ao aterrissar no MESPT, ela reafirma o compromisso da universidade com a escuta, com a justiça climática e com a força da comunicação popular como ferramenta de transformação”, destaca a professora Mônica Nogueira, docente do CDS/UnB e cofundadora do MESPT.
“A Rádio é um grito de socorro para nossos sonhos, para nossas vidas, para nossa luta. Um grito de socorro pelo futuro do planeta e das vidas que nele existem”, afirma o apresentador Yago Kaingang.
Programação colaborativa
A Rádio Nacional dos Povos está com chamada aberta para compor sua programação colaborativa. Coletivos de comunicação, comunicadoras e comunicadores populares, artistas, lideranças e organizações de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais podem enviar áudios, músicas, podcasts, spots e outros materiais que expressem a força dos territórios, das culturas e das lutas populares. Para participar, basta preencher o formulário disponível no site.
Serviço
O quê: Estreia da Rádio Nacional dos Povos
Quando: Sexta-feira (01/08), das 14h às 17h
Onde: Espaço Cora Coralina – CDS/UnB – Brasília (DF)
Atrações: Programa ao vivo com comunicadores indígenas e quilombolas, show de Brisa Flow, entrevistas, música e convidados especiais
Alimentação: Dabucuri com mujeca, quinhampira, beiju, pimenta, açaí, sucos e outras comidas típicas
Como ouvir: www.radionacionaldospovos.com.br
Participação: Presencial ou via grupo de WhatsApp e Instagram (@radiodospovos)
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