Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta de Muvuca de Sementes|Claudio Tavares/ISA
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Veronice Cardoso, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma”, lançadas pelo Instituto Socioambiental (ISA) como parte da celebração dos 30 anos da organização, apresenta exemplos da biodiversidade que são fruto dos saberes e modos de vida de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. As ilustrações são de Catarina Bessell.
Estudo publicado pelo ISA mostrou que esses povos e suas economias são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. O impacto positivo é fundamental para nossos tempos: mitigar os efeitos da emergência climática.
Dar visibilidade aos conhecimentos e culturas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais fortalece seus modos de vida e sua conexão com os territórios.
Essas culturas são patrimônios vivos da cultura brasileira e a relação com a natureza garantiu, continua garantindo e vai garantir a conservação de florestas, rios, mares e os diferentes biomas do país.
Com isso, as associações se fortalecem nos processos de organização e comercialização dos produtos, e se tornam agentes de articulação de suas culturas e da defesa de seus direitos.
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta do Pequi do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
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Francisco de Sousa, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
Para quem compra, cada camiseta traz os saberes de povos e comunidades, bem como suas lutas e resistência para manter suas culturas e territórios, fundamentais para a regulação do clima.
Com as economias da sociobiodiversidade, o futuro pode ser outro. Vista essa camisa!
Camiseta Pequi do Xingu
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Pequi do Xingu, fruto que simboliza a economia do cuidado com as florestas do povo Kisêdjê, em Mato Grosso. A iniciativa de produção de óleo a partir do pequi do Xingu recebeu o Prêmio Equatorial, da ONU, em 2019.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Muvuca de Sementes, técnica que mistura saberes e sementes para o processo de restauração florestal. As sementes são coletadas por povos e comunidades tradicionais para, em seguida, serem semeadas em áreas degradadas e beiras de rio e gerar as florestas do futuro.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Babaçu do Xingu, fruto que movimenta as organizações indígenas e ribeirinhas da região da Terra do Meio, em Altamira, no Pará. A farinha do coco babaçu, produzida a partir de sua entrecasca, é rica em nutrientes e tem começado a fazer parte da merenda escolar na região.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Roça Quilombola, parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido pelo Iphan como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A roça quilombola é símbolo da diversidade agrícola das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste de São Paulo, retratada no filme “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta as Pimentas do Rio Negro, um dos símbolos da diversidade agrícola dos povos indígenas da região, no noroeste do Amazonas. São ao menos 78 variedades de pimentas, que desidratadas e piladas com sal produzem a jiquitaia.
Clara de Assis Andrade, assessora da secretaria executiva do ISA Francisco Cleunilton Moreira de Souza, técnico em administração da loja Floresta no Centro, do ISA Kauê Fillip Ferreira Silva, assistente administrativo do ISA Patrícia Ribeiro Castanha, assistente administrativa da Rede Xingu+ Veronice Cardoso Matos, assistente administrativa da loja Floresta no Centro, do ISA
Fotografia: Claudio Tavares, documentalista do ISA
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Em decisão inédita, Justiça de SP invalida sobreposição do Petar ao Quilombo Bombas e determina sua titulação
Sentença abre novo caminho para resolução dos inúmeros casos de sobreposição de Unidades de Conservação a territórios tradicionais que existem hoje no país
Edmilson Furquim e Elza Ursulino comemoram sentença favorável à sua comunidade. Lideranças do Quilombo Bombas seguem atentos para que Estado cumpra as determinações do Judiciário|Júlio César Almeida/ISA
“Esta, talvez, seja a sentença mais complexa em termos jurídicos e humanos que já tive e terei, em muitos anos - a incumbência de proferir.” É assim que a juíza Hallana Duarte Miranda, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dá abertura às Considerações Iniciais da Fundamentação de uma decisão judicial inédita e histórica no Brasil.
No dia 29 de dezembro de 2023, a juíza determinou ao Estado de São Paulo:
- a invalidade da sobreposição do Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar) ao território do Quilombo Bombas, situado na região do Vale do Ribeira, a sudoeste do estado, no município de Iporanga;
- a devolução ao quilombo do Sistema Areias, uma área histórica e sagrada para os quilombolas, que fora retirada de seu território para incorporar ao perímetro do parque;
- a conclusão definitiva da titulação do quilombo em prazo razoável, sob pena de multa, promovendo a regularização fundiária necessária (os estudos técnicos para titulação foram concluídos no ano de 2002 e segue até hoje sem ações da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – Itesp);
- a apresentação do cronograma de execução e prazo para início da obra da estrada de acesso ao quilombo, que já fora determinada em decisão liminar anterior, proferida em 2015.
As determinações partem de ação proposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal) e o Estado de São Paulo.
Entretanto, o reconhecimento de direitos das comunidades tradicionais não é assim tão óbvia no Brasil. Basta pensar que as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira já habitavam a região havia mais de 300 anos quando o Estado simplesmente ignorou a presença humana na floresta e instituiu uma Unidade de Conservação sobre seus territórios, cerceando aquelas famílias de direitos básicos, como o de ir e vir, já que dificulta a construção de novas estradas, e sufocando seus modos de vida, proibindo até mesmo o cultivo de alimentos para o próprio consumo por meio de suas roças tradicionais.
As injustiças são inúmeras. Um grande reflexo do racismo estrutural, tanto em sua manifestação institucional quanto ambiental, nas palavras do advogado popular e assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Fernando Prioste.
“Infelizmente, a abolição formal e inconclusa da escravidão em 1888 não previu nenhum direito aos quilombolas, e o Estado de São Paulo ainda age como se estivéssemos no século XIX, pois não atua para viabilizar direitos que foram garantidos cem anos após a Lei Áurea, com a Constituição de 1988. Por esta razão, esta decisão judicial é uma medida de reparação histórica.”
De acordo com Prioste, a sentença busca fazer a justiça que, ao longo dos anos, o governo de São Paulo nunca fez por falta de vontade. “A decisão é inédita, justamente, porque abre um novo caminho para resolução, por meio do Judiciário, dos inúmeros casos de sobreposição de Unidades de Conservação a territórios tradicionais que existem hoje no país. Um precedente como este é de extrema importância”, explica.
E além de negar direitos, exaurindo tentativas de conversas e negociações com as comunidades, deixando a ação judicial como último recurso para a busca pela efetivação da cidadania por parte dos quilombolas, o Estado ainda se utiliza de manobras para prolongar os trâmites processuais, distanciando estes cidadãos brasileiros do alcance do básico, do elementar, do constitucional.
Nas palavras da juíza contidas na decisão: “Mais uma vez ressalto: a remessa desmedida de processos, sejam administrativos ou judiciais, de um ente ao outro, somente atrasa a solução do caso e no transitar de 20 (vinte) anos de discussão e mais de 9 (nove) anos de trâmite judicial, uma comunidade espera do Estado a pronta postura de, ainda que para negar o direito, decidir com assertividade”. Eis a materialização do racismo institucional contra o qual lutam os quilombolas e que é objeto desta ação.
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Delimitação física do perímetro do Petar, ocorrida na década de 1980, restringe a autonomia e liberdade da comunidade para suas práticas tradicionais e dificulta a permanência no quilombo.
Conquista quilombola
A comunidade está radiante com a decisão que ela e seus ancestrais aguardam há centenas de anos. Coordenador da Associação de Remanescentes do Quilombo Bombas, Edmilson Furquim de Andrade enumera tragédias e dificuldades que ele vivenciou com sua própria família ou testemunhou com vizinhos e amigos.
São histórias inacreditáveis e inaceitáveis para o Estado mais rico da União: seu neto, aos dois anos de idade, sofreu uma crise respiratória e para chegar ao hospital mais próximo foi necessário colocá-lo no lombo de um burro e enfrentar seis quilômetros de uma trilha que atravessa cursos d’água, afunda lama até os joelhos, atola até mesmo animais, e ainda oferece o perigo de animais peçonhentos. Já o filho adolescente, que amanheceu convulsionando, teve de ser carregado com ajuda de amigos de forma improvisada. Felizmente, ambos conseguiram atendimento médico a tempo.
Mas o mesmo não aconteceu com idosos e pessoas com dificuldade de mobilidade que não tiveram forças ou recursos para percorrer o caminho até a rodovia para buscar socorro médico. Alguns nem se atreveram a sair de casa; outros faleceram ali mesmo, na travessia, carregados em redes por amigos e familiares. Também não são inéditos os casos de nascimentos de bebês na trilha.
Isso sem contar os acidentes que acometem visitantes ou trabalhadores que não são nativos do quilombo. Como é o caso do professor Pedro, relatado em reportagem do ISA. Ou de enfermeiros, que se arriscaram na tentativa de levar socorro aos moradores do local.
“Essa decisão da Justiça foi muito importante para a comunidade depois de tantos anos de luta e sofrimento. Bombas é uma comunidade que luta desde seu surgimento. Agora, com essa sentença, podemos ter alguma esperança de vitória. Com a estrada, a comunidade vai poder se desenvolver em saúde, educação... vamos poder vender os produtos que produzimos na roça. Até agora, até mesmo o direito de participar das discussões sobre nossas comunidades foi tirado de nós. Como que vai sem estrada?! Ninguém vive o que nós vivemos. Poucos são os que sabem o que nós passamos”, desabafa Edmilson Furquim.
Sobre o método do Estado de apagamento, ferramenta do racismo institucional, a juíza Hallana Duarte Miranda, em sua decisão, recorda que “as populações tradicionais foram consideradas pelo Estado (especialmente dentro das linhas do sistema Colonial que buscava implementar uma só visão de formas de viver), na maior parte do tempo, ‘incapazes’ de decidir seu próprio destino, devendo ser tuteladas e, com o tempo, integradas ao modo ‘civilizado’ de vida. Ou seja, a pretensão de integração das comunidades originárias, portanto, seguia na lógica de que com o tempo haveria absorção completa, com extinção de seus costumes, considerados ‘atrasados’ e até inferiores, como se sua existência fosse limitada (tivesse fim) pelo dever de se tornarem ‘mais desenvolvidos’. A convenção 169 da OIT e a Constituição, que prescreve um capítulo inteiro sobre os Indígenas (art. 231 e ss da CRFB) e que pontua um artigo a respeito dos Quilombolas, traçam novo panorama: é impositivo que o Estado proteja as comunidades tradicionais.”
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Sr. João Fortes há décadas luta por justiça para seu território. Para ele, sentença traz esperança de autonomia e liberdade depois de tantos anos de tentativas de apagamento por parte do Estado|Júlio César Almeida/ISA
Precedente Judicial
Foi com a ideia equivocada de mata “intocada” que a Unidade de Conservação de Proteção Integral se sobrepôs ao território da Comunidade Bombas no ano de 1958 e foi implementada a partir da década de 1980, quando teve seu perímetro delimitado pelo Governo do Estado de São Paulo.
Na avaliação de Edmilson Furquim, a implantação do parque naquele local foi, além de uma arbitrariedade, um reconhecimento de que foram eles, os quilombolas, que conservaram o maior remanescente de Mata Atlântica do país. E sentencia: “se não existisse a comunidade, não sabemos nem se existiria o parque”.
Vercilene Dias, coordenadora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), reitera como esta decisão reforça o argumento político que o movimento das comunidades tradicionais já vem defendendo: “dar proteção àqueles que protegem”. De acordo com ela, esta ação abre um importante debate no Poder Judiciário sobre as outras situações semelhantes que existem no Brasil.
“A sentença é um precedente importantíssimo no campo jurídico sobre algo que a gente já vem tratando há muito tempo: dar proteção a estas comunidades, proteger quem realmente protege. Porque o Estado cria parques e reservas ambientais em cima de territórios tradicionais, de comunidades quilombolas que sempre protegeram aquele espaço, que estão ali há mais de cinco gerações. E depois, muitas vezes, dão estes parques para a iniciativa privada, o que inviabiliza o modo de vida daqueles povos que estão ali, que fizeram o uso sustentável daquele território, que o protegeram, em vez de dar garantias para que estas comunidades continuem protegendo e, para além disso, que tenham autonomia de gestão destes territórios.”
Sobre a desafetação do parque, o coordenador do Programa Vale do Ribeira do ISA, Frederico Viegas, reforça: "A gente não está perdendo uma Unidade de Conservação, esta já é igualada a Unidade de Conservação já que os territórios quilombolas são reconhecidos enquanto Área Protegida e Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira, conforme o Decreto 5.758/2006”.
O presidente do Conselho Diretor do ISA, Márcio Santilli, assevera que “a exclusão do Quilombo Bombas da área do Petar é uma questão de justiça e supera um vício do ato de criação do parque”. Ele acrescenta a importância estratégica de que a gestão ambiental da área seja feita de forma articulada para fortalecer sua conservação, antecipando a já anunciada iniciativa da comunidade de elaboração de um Plano de Gestão Ambiental e Territorial sob estes termos.
Titulação tardia
Ao determinar a conclusão definitiva da titulação do Quilombo Bombas sob pena de multa, a sentença busca garantir o direito à autonomia das comunidades, segundo avaliação do Defensor Público do Estado de São Paulo, Andrew Toshio Hayama, além de caminhar no sentido de reconhecer que as comunidades tradicionais cumprem uma importante função socioambiental.
“São territórios que são ambientalmente protegidos. Em razão disso, essa sobreposição, essa incidência e esse controle sobre estes territórios era algo, do ponto de vista da Defensoria Pública, ilegal, inconvencional e inconstitucional”, assevera.
Rafaela Miranda, assessora jurídica da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone), jovem liderança quilombola, classifica como “excelente” a decisão a partir do ponto em que o direito ao território tradicional se conecta ao que já fora declarado pelo Supremo Tribunal Federal como um direito fundamental de eficácia plena e aplicação imediata, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239.
“O direito ao território cumpre diversas outras funções como espaço de moradia, de sobrevivência, de subsistência, de exercício da cultura e da identidade, além da autodeterminação de um povo e da perpetuação dessa comunidade. Em termo jurídico, o território quilombola é compreendido como aquele necessário para a reprodução cultural, social e econômica do povo quilombola”, afirma Miranda.
A advogada ainda enfatiza que há urgência na titulação dos territórios quilombolas, não só no Vale do Ribeira, mas em todo o país, o que classifica como “fundamental” para a existência das comunidades, a proteção dos territórios e a conservação da biodiversidade. “É por isso que há centenas de anos nós lutamos. Porque sem o território nós continuamos num estado de alerta e insegurança constantes, por razões que vão desde os conflitos fundiários, as invasões, até o etnocídio, a dizimação de um povo.”
Embora haja uma legislação explícita no arcabouço jurídico brasileiro, a regularização fundiária quilombola é marcada por uma morosidade inexplicável no país. A demora no cumprimento do direito constitucional à titulação quilombola é tamanha que, se levado em conta o histórico de inércia nos processos de titulação, chegamos à surpreendente e vergonhosa perspectiva de que, para titular a metade dos quilombos existentes hoje no Brasil, somente aqueles reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares, levaríamos mais de 1000 anos, número que beira o surreal.
“É por isso que a decisão demonstra pra gente um caminho próspero a ser seguido, no cumprimento do dever legal de titulação dos territórios e proteção das comunidades. Devemos planejar e executar esta titulação num prazo razoável, zelando pela garantia integral deste direito. E esta é uma medida que traz algo fundamental de reparação histórica. É sobre o direito de viver dignamente, algo basilar para o Estado com os maiores IDH e PIB do país”, reitera Rafaela Miranda.
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Suzana Pedroso é moradora do Quilombo Bombas de Cima e ainda aguarda que a estrada que chegará em Bombas seja estendida até sua moradia, quatro quilômetros adiante. Desenvolvimento seria garantia para permanência da juventude no território|Júlio César Almeida/ISA
Desafios
O caminho a ser percorrido a partir de agora ainda é longo. A decisão da juíza Hallana Duarte Miranda não é definitiva, vez que o Estado de São Paulo ainda pode recorrer.
Embora tenha havido uma decisão liminar no ano de 2015 determinando a construção da estrada de acesso ao quilombo e que até hoje ela não saiu do papel, os desafios a serem enfrentados pela comunidade do Quilombo Bombas são muitos.
Em audiência pública realizada na última quinta-feira (18/1), o Estado informou que fora dado início aos trâmites necessários para a execução da obra. No entanto, o projeto apresentado prevê um pavimento de apenas três metros de largura e coberto por cascalhos. Ou seja, ônibus e caminhões seguirão sem acesso ao quilombo e basta uma chuva para que tudo retroceda.
Enquanto lutam pela construção da estrada, os quilombolas precisam se arriscar em uma trilha íngreme, sinuosa e esburacada, com um trecho de atoleiro que persiste mesmo em épocas secas. Veja a seguir os registros feitos em julho de 2023.
📸 Júlio César Almeida
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Quilombolas de São Paulo formalizam cooperativa para restauração ecológica
Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira reúne coletores para o fornecimento de sementes nativas da Mata Atlântica para recuperação de áreas degradadas e nascentes
Coletores e apoiadores da Rede de Sementes do Vale do Ribeira durante encontro na Casa de Sementes Jucão, no Quilombo Nhunguara, no município de Eldorado (SP)|Frederico Viegas/ISA
Restaurar áreas degradadas de Mata Atlântica, recuperar e proteger nascentes e promover condições para o avanço da biodiversidade. Tudo isso gerando renda e contribuindo para a autonomia das comunidades quilombolas da região do Vale do Ribeira (SP) e para o fortalecimento de seus territórios.
Este é o trabalho da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, que encerra o ano com uma grande conquista: a formalização de uma cooperativa de coletores quilombolas voltada à restauração ecológica de floresta nativa do bioma mais degradado do Brasil.
A Rede de Sementes do Vale do Ribeira teve início em 2017 e, desde então, já comercializou mais de seis toneladas de sementes que foram suficientes para a restauração de cerca de 170 hectares de Mata Atlântica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná, com 100 variedades de espécies nativas. Somente em 2023, foi fornecida 1,14 tonelada, dentro de uma variedade de 81 espécies.
São 60 os coletores que realizam este trabalho de extrativismo em seus territórios. Trabalho este que só é possível porque, habitando a região há mais de 400 anos, eles foram os responsáveis pela manutenção do maior remanescente de Mata Atlântica do país. Ou seja, a maior parte do que resta preservado do bioma está em seus quilombos, o que deveria lhes conferir o reconhecimento de guardiões da floresta em pé.
O ciclo de preservação ambiental, manejo de terra e geração de renda para o bem-viver das comunidades é a base da ocupação territorial secular dos quilombos na região. (Muito embora a preservação que eles mesmos praticaram seja razão para a manifestação violenta de um aparelho estatal racista, que hoje tenta criminalizá-los pela prática de suas roças, as mesmas que proporcionaram a conservação da mata ao longo dos últimos séculos.
E hoje eles coletam as sementes do que conservaram para gerar ainda mais floresta.
“Mas semente gera renda?”
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Maria Tereza Vieira não acreditava que a coleta poderia gerar renda. Hoje, é o Elo da Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira dentro do Quilombo Nhunguara|Claudio Tavares/ISA
Mas se hoje a Rede de Sementes do Vale do Ribeira se estruturou a tal ponto de surgir a necessidade de formalização em uma cooperativa, lá no início este trabalho gerava desconfiança e era até motivo de zombaria entre os mais céticos.
“A gente ria quando o Juliano [Nascimento, assessor técnico do Instituto Socioambiental (ISA), um dos responsáveis por apresentar este modelo de trabalho às comunidades] vinha com essa conversa de coletar semente. Onde já se viu?! A gente viveu uma vida inteira pisando nestas sementes na estrada. Não tinha como aquilo ser sério”, recorda Dona Zélia Morato, liderança do Quilombo André Lopes, localizado em Eldorado, coletora e agora secretária da recém-criada Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira.
Dona Nilza Oliveira, do Quilombo André Lopes, se diverte lembrando que o sentimento era compartilhado por todos. “Eu não sentia firmeza nesse negócio de semente, não. Cheguei a ir nas primeiras rodas de conversa, lá no começo, mas fui até embora. Até um dia em que eu vi a Zélia catando e limpando umas sementes na beira da estrada. Parei para conversar e fiquei ajudando ela. E dali a um tempo ela me chegou com parte do pagamento. Eu nem acreditei que era verdade. Foi daí que peguei gosto.”
Zélia só acreditou que a coleta daquelas sementes poderia mesmo se tornar uma fonte de renda quando visitou a Rede de Sementes do Xingu, uma iniciativa com 16 anos de atuação, estruturada por povos indígenas, agricultores familiares e comunidades urbanas localizadas em territórios da Amazônia e do Cerrado no estado de Mato Grosso. “Eu fui como espiã”, brinca. “Mas ali eu vi a grandeza deste trabalho.”
“Ninguém botou fé nisso. Para mim não daria dinheiro. Eu pisei nessas sementes a vida toda. Como que podia?! Eu fui só por curiosidade. E hoje sou muito feliz. Foi uma coisa muito importante para nós. Além do complemento de renda, ainda aproximou as comunidades. E eu, que sempre tive o sonho de escrever um livro, tive a oportunidade de participar de um livro. Meu nome está lá, contando nossas histórias aqui da comunidade”, relata o senhor João da Mota, do Quilombo Nhunguara, de Eldorado.
Uma Rede de empoderamento
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Dona Zélia Morato, secretária da Cooperativa 📷 Bianca Tozato/ISA
Dona Zélia e Dona Nilza representam a força feminina da cooperativa, vez que mais de 60% de seu quadro é composto por mulheres.
E assim, além de fortalecer a restauração ecológica e a manutenção da floresta em pé, a Rede de Sementes do Vale do Ribeira ainda se torna uma ferramenta de empoderamento das mulheres quilombolas, que têm na coleta a garantia de um complemento de renda para a família ou até fazendo dela sua atividade primeira.
“Hoje, para nós, a Rede é um espetáculo. Ninguém mais quer sair. É uma renda que podemos contar, que ajuda muito. Muitas de nós conseguimos comprar algumas coisas que não conseguiríamos de outra maneira. Eu mesma comprei telhas para minha casa que estava goteirando havia muito tempo. Para mim é um sonho”, reforça Dona Zélia.
“Além da independência financeira, ainda tem uma autonomia, um empoderamento pessoal que é visível desde o início deste trabalho. Elas realizam todas as tarefas. Carregam as sementes. Não precisam pedir que nenhum homem faça isso por elas. E assim elas conquistam sua independência em tantas frentes. E ainda tem a materialização de uma sororidade que é muito bonita de ver. Elas se reúnem para ir para a floresta juntas e se auxiliam nos processos de coleta, limpeza e armazenamento. E, no final, isso se converte em bens para suas famílias”, relata a técnica do ISA, Giovanna Bernardes.
O senhor João Catá, como é conhecido o senhor João da Mota, diz compreender porque as mulheres assumiram a maioria da Rede de Sementes. “As mulheres têm uma visão mais adiante. Nós, homens, somos muito espaçosos. Chegamos em casa e achamos que estamos mais cansados do que elas. Por isso elas encabeçaram esta Rede. Elas tiveram essa força de vontade.” Ele pontua como isso é importante dentro de casa: “o homem ainda gasta o dinheiro errado. Já a mulher sabe do que precisa.”
Cooperativa: floresta que gera floresta
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Além das formalizações burocráticas, os coletores da Rede também se dedicaram à formação pessoal para adquirirem ferramentas para a gestão da Cooperativa|Taynara Borges/ISA
Maria Tereza Vieira, liderança do Quilombo Nhunguara, que também conheceu a iniciativa desenvolvida no Xingu, conta que, para além de uma oportunidade de trabalho, enxergou na coleta de sementes algo que se transformou em um propósito para as comunidades. “É claro que a renda ajuda muito, mas não é só essa a nossa finalidade. O que queremos é reflorestar esse mundo afora, levar árvores para onde não tem.”
Participando da oficina para melhoria de gestão da Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, que teve sua última etapa realizada em dezembro, Maria Tereza ainda reforça como estes encontros para esta construção coletiva serviram de aprendizado para além da Rede. “Agora estamos compreendendo como de fato funciona uma cooperativa, a importância do papel de cada um, da harmonia do conjunto. A gente nem imaginava como precisava deste conhecimento. Foi tão importante que vamos levar estes processos para dentro das nossas comunidades, para estruturar melhor nossas associações.”
O técnico do ISA, Juliano Nascimento, explica que a Cooperativa foi formalizada em julho deste ano de 2023 e que agora segue nas tramitações jurídicas e burocráticas necessárias para seu pleno funcionamento. Segundo ele, a expectativa é de que ela esteja apta a funcionar já no início de 2024. Ele também destaca a importância deste trabalho para as comunidades, e como ele está intimamente ligado à sua história e aos acúmulos adquiridos com o passar do tempo.
“É uma renda que vem de um produto da floresta, fruto do extrativismo, que depende muito do conhecimento destas pessoas e prescinde da conservação que foi feita ao longo dos anos nestes territórios. Porque só é possível coletar tanta semente e gerar renda para estas famílias, para os territórios, porque houve esta conservação. E é incrível pensar que muitas destas mulheres não tinham uma fonte de renda antes da coleta de sementes. Então isso só vem a agregar em todos os sentidos.”
Modelo para a sociedade
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“Hoje eu sou muito feliz. Foi uma coisa muito importante pra nós. Além do complemento de renda, ainda aproximou as comunidades”, pontua o Senhor João da Mota, do Quilombo Nhunguara|Taynara Borges/ISA
Coordenador do Programa Vale do Ribeira do ISA, Frederico Viegas reforça como a iniciativa cumpre diversos papéis de extrema importância no âmbito socioambiental.
“Esta estratégia cobre duas pontas muito importantes: fortalece as comunidades quilombolas que mantêm a floresta em pé, que vivem e conservam estas áreas para que seja possível coletar estas sementes; e restaura áreas degradadas passíveis de restauração, levando diversidade para onde não tem. E ainda há a geração de renda para o fortalecimento das comunidades.”
De acordo com Viegas, este é um trabalho que deveria servir como exemplo para toda a sociedade. “A partir de seus modos de vida, estas comunidades apresentam um modelo de sociedade que todos deveríamos almejar. Qual é o futuro que nós queremos? Acredito que seja um futuro em que possamos continuar vivendo sobre a Terra. E esta estratégia toda cumpre este objetivo ao juntar estas pontas, contribuindo para a restauração e manutenção da Mata Atlântica, cumprindo uma função socioambiental tão importante para o país.”
A Rede de Sementes do Vale do Ribeira integra o Redário, uma rede de Redes de Sementes coordenada pelo ISA que soma um total de 24 iniciativas de coleta e distribuição de sementes de quase todos os biomas do Brasil para restauração a partir da muvuca, técnica que simula a própria natureza: a reunião estratégica de plantas com diferentes funções biológicas e ciclos de vida em um único plantio.
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A Rede de Sementes do Vale do Ribeira teve início em 2017 e, desde então, já comercializou mais de seis toneladas de sementes para a restauração de 170 hectares de Mata Atlântica em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná|Bianca Tozato/ISA
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Manifestação cultural quilombola é finalista do Prêmio Governador do Estado de SP
Para lideranças, indicação da “Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira” é reconhecimento tardio, mas importante
Reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2018, o Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) obteve agora o reconhecimento simbólico do Governo do Estado de São Paulo.
O ato de valorização se deu a partir da indicação da Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira para a edição 2023 do Prêmio Governador do Estado de São Paulo, do qual foi finalista na categoria Patrimônio Cultural.
Dona Leonila Pontes, liderança do Quilombo Abobral Margem Esquerda, localizado no município de Eldorado, foi quem representou as 19 comunidades quilombolas que fazem parte do patrimônio reconhecido na cerimônia de premiação, ocorrida na cidade de São Paulo, onde transitou com desconfiança e ceticismo pelos salões do suntuoso Palácio dos Bandeirantes.
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Leonila Pontes e Virgínia da Costa, do Quilombo Abobral Margem Esquerda, e Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA|Taynara Borges/ISA
Às entrevistas que concedeu enquanto única representante da região do Vale do Ribeira entre os finalistas do Prêmio, Leonila explicou com clareza que não acreditava que a Feira sairia com o troféu, levando em consideração as diversas manifestações do racismo institucional que atravessam todas as relações dos aparelhos estatais com as comunidades quilombolas da região.
No entanto, afirmou reconhecer a representatividade do reconhecimento, por parte do Governo de São Paulo, da Feira de Troca de Sementes e Mudas como uma manifestação cultural das comunidades quilombolas e também como estratégia de salvaguarda do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola que reúne conhecimentos que remontam a sua ancestralidade. “Um povo sem cultura é um povo sem história”, afirma Dona Leonila.
Para ela, a ocasião ainda teve uma importância para a região como um todo, que é tão apartada do restante do Estado. “Para mim foi importante porque, pelo menos, tivemos um representante aqui, já que o Vale do Ribeira é tão esquecido. Quando venho a São Paulo por alguma razão e falo que moro ali, ninguém sabe onde é.”
Assessora técnica do Instituto Socioambiental (ISA), Raquel Pasinato também compreende o momento a partir do olhar do reconhecimento. “É um projeto de 15 anos de história construído pelas comunidades quilombolas, comunidades negras rurais de uma região do Estado de São Paulo com um Índice de Desenvolvimento Humano muito baixo, mas que tem essa riqueza de patrimônio cultural e que, finalmente, pela primeira vez, o Governo do Estado consegue reconhecer e valorizar de alguma forma”.
O Prêmio Governador do Estado de São Paulo foi criado ainda nos anos de 1950 com a proposta de valorizar e incentivar a cultura paulista e hoje está sob a tutela da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas.
O que as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira aguardam agora é que este reconhecimento se materialize em políticas públicas, ações afirmativas e em uma máquina estatal que se retire do papel de opressora e assuma sua função de promotora de cidadania.
Há cerca de 30 anos, quilombos da região aguardam por titulações que não avançam mesmo sem impeditivo burocrático. Onde territórios ocupados secularmente são sobrepostos por Unidades de Conservação que dificultam a produção de alimento e a geração de renda para o bem viver das famílias. E, finalmente, onde modos tradicionais de vida são violentamente contestados pela força policial. Tratam-se de ações de apagamento e violência que denotam o racismo institucional que permeia o aparelho estatal brasileiro.
Sobre a Feira
A Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira teve início em 2008 a partir de uma demanda dos agricultores para manutenção das variedades agrícolas que estavam se perdendo em função das restrições da legislação ambiental para a feitura das roças.
Assim, a Feira se tornou um momento para a troca de sementes e para a circulação de espécies entre os territórios, ou seja, uma ferramenta de celebração e manutenção de uma cultura secular.
Mas para além das trocas e da comercialização de produtos, a Feira celebra encontros, reencontros e afetos, trazendo apresentações de manifestações culturais tradicionais das comunidades da região.
A cada ano, um momento é reservado para a discussão, com a sociedade civil organizada e com o poder público, acerca das demandas e necessidades existentes nos territórios, muitas vezes negligenciadas pelo Estado, se tornando também um espaço de luta e resistência.
Em 2023, na 14ª edição do evento, os participantes discutiram a criminalização das práticas tradicionais e as dificuldades para obter licenças para cultivos perenes. Confira os registros!
Apresentação do Grupo Cultural Puxirão Bernardo Furquim do Quilombo São Pedro|Claudio Tavares/ISA
Venda de alimentos agroecológicos produzidos por agricultores e agricultoras quilombolas da região|Júlio César Almeida/ISA
Benedito Alves da Silva (Ditão), do quilombo de Ivaporunduva, durante debate na 14ª edição da Feira|Claudio Tavares/ISA
Troca de sementes na Praça Nossa Senhora da Guia, em Eldorado (SP)|Júlio César Almeida/ISA
Apresentação cultural das mulheres da comunidade Cangume, em agosto de 2023|Claudio Tavares/ISA
Apresetação do grupo Grupo Firma o Ponto na 14ª edição da Feira|Claudio Tavares/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Nota de pesar pelo falecimento de Antônio Bispo dos Santos
Do Quilombo Saco-Curtume (PI), se tornou ao longo de sua trajetória um pilar nas frentes de disseminação do conhecimento e da luta quilombola
Antônio Bispo dos Santos, originário do Quilombo Saco-Curtume, em São João do Piauí (PI), se encantou no dia 3 de dezembro|Alexia Melo/Conaq
O Instituto Socioambiental (ISA) se solidariza com seus parceiros da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e lamenta profundamente o falecimento de Antônio Bispo dos Santos, mestre Nêgo Bispo, liderança quilombola e um dos principais intelectuais de nossa era.
Em 2022, Nêgo Bispo ofereceu generosamente suas palavras aos colaboradores do ISA em um evento de formação interna, e deixou sua marca com reverberações fundamentais sobre o pensamento de povos e comunidades tradicionais.
Quilombola do Quilombo Saco-Curtume, em São João do Piauí (PI), ele tornou-se ao longo de sua trajetória um pilar nas frentes de disseminação do conhecimento e da luta quilombola.
Sua retórica marcante reverencia seus mestres e mestras, faz críticas contundentes à colonialidade e deixa um legado de valorização dos quilombos e seus territórios, indissociáveis em sua essência.
Em nota, o Coletivo de Educação da Conaq afirma que aprendeu muito com o pensador. “Continuaremos preservando os saberes orgânicos que ele se dedicou a construir e defendendo uma educação quilombola pautada na vivência dentro do território quilombola.”
E encerra a homenagem com duas de suas frases lapidares:
“Somos o começo, o meio e o começo”. “Precisamos aprender a voltar pra casa.” – Nêgo Bispo.
Assista à homenagem da delegação da Conaq na COP28:
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Minidocumentário quilombola recebe menção honrosa no Festival Velho Chico de Cinema Ambiental, em Penedo (AL)
“Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra”, que revela a potência da economia da sociobiodiversidade no Vale do Ribeira, integrou a programação
Rosana de Almeida, liderança quilombola, representou o filme no Festival Velho Chico de Cinema Ambiental| Taynara Borges/ISA
O filme Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra foi congratulado com menção honrosa em sua exibição durante o 10º Festival Velho Chico de Cinema Ambiental, no Circuito Penedo de Cinema, em Alagoas, neste mês de novembro.
De cunho documental, o média-metragem acompanha o encontro entre quilombolas da porção paulista do Vale do Ribeira e moradores da favela São Remo, na zona Oeste da cidade de São Paulo, no contexto da pandemia da Covid-19, em 2021, tendo como centralidade a produção de alimentos no campo e seu consumo no grande centro urbano.
Exibido em sessão com lotação máxima, o minidocumentário encantou e emocionou o público no recém-inaugurado Cine Penedo pela potência do encontro entre comunidades negras de quilombos e do movimento urbano, num reconhecimento de identidade e resgate de ancestralidade.
Potência da sociobiodiversidade
Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra revela a força da produção nos territórios quilombolas, que plantam, cultivam e colhem uma grande diversidade de alimentos se valendo de conhecimentos ancestrais de respeito e integração com a natureza.
O filme reforça como é possível integrar o manejo da terra com a conservação da floresta em pé.
Habitando o coração da Mata Atlântica, as comunidades quilombolas moram e produzem ali há mais de 400 anos, e assim preservaram a maior porção do que restou deste bioma no Brasil, sendo os verdadeiros guardiões deste precioso remanescente de mata nativa.
Assista ao filme:
Liderança do Quilombo Nhunguara, Rosana de Almeida representou o filme durante o festival e contou como a dificuldade de comercialização dos alimentos durante a pandemia da Covid-19 abriu este novo caminho de contato com as favelas paulistanas.
Rosana também explicou como as comunidades se organizavam na Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira-SP (Cooperquivale) para comercializar seus alimentos nos programas de políticas públicas, principalmente o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que paralisaram as compras durante a pandemia, deixando os produtores sem perspectiva de geração de renda naquele momento.
Foi então que, com o apoio de parceiros, a cooperativa elaborou um plano emergencial de captação de recursos para remunerar as famílias de produtores e distribuir os alimentos que, sem o escoamento, seriam perdidos no campo.
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"Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra" revela a força da produção nos territórios quilombolas do Vale do Ribeira|Taynara Borges/ISA
Assim, entre maio de 2020 e fevereiro de 2022 a Cooperquivale distribuiu cerca de 330 toneladas de alimentos naturais e orgânicos para aproximadamente 45 mil pessoas, entre indígenas, quilombolas, caiçaras e moradores de favelas paulistanas, conforme documentado no filme.
Para Rosana, poder contar esta história num local tão distante da sua comunidade foi uma experiência enriquecedora. De cima do avião, a caminho de Alagoas, sobrevoando áreas de cultivo, ela se intrigou: “Como pode a terra ser tão recortada assim?”.
A monocultura foi outro assombro: “Olha lá! E é tudo uma plantação só!”. Ao taxista ela contou que não mata cobra que não ofereça perigo: “Ela dormia lá no teto de casa até o dia em que foi embora”.
E às margens do Rio São Francisco se encantou com aquela imensidão a perder de vista. Tão distante do Rio Ribeira de Iguape, tão parecido com seu universo cotidiano.
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Rosana de Almeida, do Quilombo Nhunguara, às margens do Rio São Francisco (AL), durante o Circuito Penedo de Cinema| Taynara Borges/ISA
Reconhecimento
Além de ser selecionado para o 10º Festival Velho Chico de Cinema Ambiental, no Circuito Penedo de Cinema, em Alagoas, o minidocumentário “Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra”, distribuído pela Buva Filmes, também integrou a programação do Festival de Cinema Latino-Americano Independente MIRA, de Bonn, na Alemanha. Ambos no mês de novembro.
Agricultores do Quilombo Cangume colhem mandioca na roça. Imagem extraída do filme "Do Quilombo pra Favela"|Manoela Meyer/ISA
Osvaldo dos Santos, do Quilombo Porto Velho, na produção de farinha de mandioca que será destinada à distribuição na zona oeste de São Paulo. Imagem extraída do filme "Do Quilombo pra Favela"|Manoela Meyer/ISA
Coleta de alimentos, no Quilombo Porto Velho, que serão distribuídos em favela de São Paulo. Imagem extraída do filme "Do Quilombo pra Favela"|Manoela Meyer/ISA
Lula Santos, do Projeto Meninas em Campo, distribui cesta de alimentos no Jardim São Remo, em São Paulo. Imagem extraída do filme "Do Quilombo pra Favela"|Manoela Meyer/ISA
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Livro apresenta coletânea comentada de decisões de tribunais brasileiros sobre direito à consulta livre, prévia e informada
Publicação é fruto do esforço coletivo que busca evidenciar e problematizar as lacunas presentes nas decisões judiciais
Arte de Daiara Tukano que ilustra a capa do livro e simboliza a força e a harmonia entre a mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva na defesa dos direitos humanos
Com origem em uma demanda do Instituto Socioambiental (ISA) ao Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado, o livro "Tribunais Brasileiros e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada" é uma resposta à escassez de pesquisas abrangentes sobre o papel crucial das decisões judiciais no estabelecimento de conceitos e na efetivação deste direito nos tribunais federais e superiores no Brasil.
A publicação é composta por coletâneas de decisões relativas ao direito de consulta livre, prévia e informada obtida junto aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) de todas as regiões do país, bem como em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além da coletânea de decisões, o livro traz um texto analítico por tribunal, onde especialistas avaliam a atuação dos tribunais no tema.
Assim, cada capítulo, elaborado por um grupo dedicado de autores e autoras, mergulha em análises específicas, desde metodologias de pesquisa até discussões aprofundadas sobre jurisprudência socioambiental, racismo estrutural, efetividade do direito de consulta à luz da Convenção n.o 169 da OIT, entre outros temas fundamentais para a compreensão desse direito no contexto do sistema jurídico da justiça federal no Brasil.
Assessora jurídica e coordenadora do Programa Xingu do ISA, Biviany Rojas conta que a arte de capa foi cedida pela artista Daiara Tukano e simboliza a força e a harmonia entre uma mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva e a união na defesa dos direitos humanos socioambientais.
“Este livro não apenas desvela o intrincado contexto das decisões judiciais relacionadas ao direito à consulta prévia, mas também aponta caminhos para promover decisões judiciais que contribuam com um futuro mais inclusivo e respeitoso aos direitos dos povos indígenas e as comunidades tradicionais”, ressalta a advogada.
Fernando Prioste, assessor jurídico do ISA, reforça que “sua importância transcende o campo jurídico, colocando em pauta um debate fundamental para o futuro da sociedade brasileira, instigando reflexões sobre diversidade, justiça socioambiental, participação social e garantia de direitos para as próximas gerações”.
A publicação desta obra não marca um ponto final, mas sim um convite para a continuidade desse diálogo, da busca por uma justiça mais ampla e inclusiva, em que a diversidade seja não apenas reconhecida, mas celebrada e protegida em todos os âmbitos da vida nacional.
Acesse agora a versão digital do livro sobre a jurisprudência brasileira no direito de consulta a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: clique aqui.
Direito em risco
Recriado em agosto pelo Governo Lula, o Programa de Aceleração do Crescimento (“Novo PAC”) foi apresentado com um conjunto de medidas consideradas necessárias para o crescimento econômico do Brasil.
Entre as propostas apresentadas no documento está o “aperfeiçoamento do marco regulatório do licenciamento ambiental”. Ou seja, o Governo quer mudar a forma de fazer o licenciamento ambiental. Entre essas medidas está a proposta de regulamentação do direito de consulta livre, prévia e informada.
A regulamentação da Consulta já existe em alguns estados, e em alguns órgãos do Governo Federal, como no caso do INCRA para quilombolas. Mas até agora não existe uma regulamentação nacional que se aplique igualmente para todos os casos. É justamente por isso que o Governo Federal disse que vai fazer a regulamentação do direito de consulta.
As experiências da Bolívia, Venezuela, Colômbia e Equado ensinaram que a regulamentação do direito à consulta prévia é feita através de decisões políticas que, na maioria dos casos, não garantem direitos a povos indígenas e povos e comunidades tradicionais..
Confira os principais riscos de uma possível regulamentação do direito de consulta:
1. Risco de retirar das comunidades tradicionais o direito à consulta;
Essa restrição poderia acontecer:
(I) Pelo reconhecimento de que apenas indígenas e quilombolas deveriam ser consultados, excluindo-se as comunidades tradicionais de todo o Brasil;
(ii) Pelo estabelecimento de critérios que impeçam ou limitem o direito de consulta, como fazer diferenças entre área diretamente afetada e área indiretamente afetadas nos casos de licenciamento de empreendimentos;
(iii) Pela desconsideração das várias formas de representação que cada povo indígenas, comunidade quilombola ou outras tradicionais tem;
2. Risco de alteração da responsabilidade de quem pode e deve conduzir o processo de consulta;
Este risco está relacionado com o fato do Governo poder:
(i) Colocar a responsabilidade pela realização da consulta a órgãos públicos que não são os responsáveis pela decisão que será tomada pelo Governo;
(ii) permitir que empresas privadas com interesses nos empreendimentos possam realizar os procedimento de consulta, indo contra o estabelecido pela Convenção 169 da OIT;
3. Risco de limitar as medidas e ações que devem ser objeto de Consulta;
Essa restrição poderia acontecer:
(i) Caso sejam criadas regras em que a consultas só devem ocorrer nos casos de empreendimentos de infraestrutura e mineração, excluindo outras decisões importantes, como projetos de lei e políticas públicas direcionadas a comunidades tradicionais e povos indígenas.
(ii) Pela definição de uma única consulta sobre um empreendimento que tem várias fases de licenciamento ambiental e de decisões de governo. Como, por exemplo, determinar que a consulta sobre empreendimentos ocorra uma única vez no licenciamento ambiental, ignorando as etapas de planejamento, ou vice-versa;
4. Risco de padronização ou generalização dos procedimentos de Consulta;
Esse risco pode acontecer:
(i) Pelo descumprimento dos Protocolos Autônomos de Consulta, substituídos pela regulamentação geral que se aplicaria de forma igual a todos os povos e comunidades;
(ii) Por imposição de prazos rígidos para a realização do processo de consulta, incompatíveis com os tempos necessários para a realização do procedimento por cada povo e comunidade tradicional;
5. Risco do Governo não considerar a decisão tomada no processo de consulta;
Esse risco poderia acontecer:
(i) Se não for respeitada a necessidade de que a tomada de decisão do Governo deve levar em consideração, obrigatoriamente, os resultados do processo de consulta;
(ii) Se o Governo alterar decisões sem considerar os processos de consulta, desrespeitando sua eficácia.
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Comunidades quilombolas de São Paulo são atingidas por cheia do Rio Ribeira de Iguape
Margem do rio em Eldorado e Iporanga sobe além do nível de extravasamento e deixa moradores desalojados, plantações alagadas, territórios ilhados e estradas intransitáveis. População lida com extremos climáticos cada vez mais constantes
No Quilombo Porto Velho, em Iporanga (SP), Rio Ribeira de Iguape atinge bananais e ameaça produção da comunidade|Osvaldo dos Santos/Quilombo Porto Velho
Municípios da região paulista do Vale do Ribeira estão em estado de atenção em razão das intensas e contínuas chuvas que vêm ocorrendo desde o estado do Paraná e têm provocado o rápido aumento da vazão do Rio Ribeira de Iguape, que vem sofrendo extravasamentos.
Além de bairros e estradas, as comunidades quilombolas de Eldorado e Iporanga já sofrem com alagamentos. Em locais mais críticos, casas foram atingidas e a população precisou se retirar para abrigos em busca de proteção.
No município de Ribeira, a Prefeitura decretou estado de emergência no último domingo em razão de alagamentos e de vias interditadas por deslizamento de terra. Iporanga, Eldorado, Itaóca e Apiaí já apresentam trechos intransitáveis e preocupam a população.
Em Iporanga, comunidades quilombolas estão ilhadas, sem acesso a estradas ou a balsas, impedidas de circular em razão das fortes correntezas. No Quilombo Ivaporunduva, famílias retiraram às pressas seus pertences de casa para se alojarem no Centro Comunitário. “Precisamos levar essas pessoas para um lugar com segurança para que não tenham nenhum dano em suas vidas”, relata o chefe da Brigada Quilombola, Gilson de França Furquim, morador da comunidade.
Liderança do Quilombo Ivaporunduva, Benedito Alves da Silva, conhecido como Ditão, relata que quatro famílias do território tiveram que deixar suas casas durante a madrugada e foram socorridas de barco pelos vizinhos. Ele ainda ressalta que o acesso por terra à comunidade está inviabilizado, e que muitos perderam plantações, especialmente de feijão.
Em Eldorado, rio está três metros acima do nível normal
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Bairros mais baixos do município de Eldorado enfrentam alagamentos com a cheia do Rio Ribeira de Iguape. Previsão é de que o nível suba ainda mais|Frederico Viegas/ISA
Situado no chamado Baixo Ribeira, o município de Eldorado redobra sua atenção. O curso do rio que banha a cidade soma as vazões das chuvas. Por isso, na manhã desta segunda-feira (30/10) a Prefeitura emitiu um comunicado em que informava que ainda era esperado um aumento do nível do Rio Ribeira de Iguape no município, e que ele poderia atingir até 10,3 metros.
A situação é preocupante porque o ponto de extravasamento - a medida a partir da qual o rio transborda - do Rio Ribeira de Iguape em Eldorado é a partir de seis metros. Até o início da tarde desta segunda-feira, o rio já registrava a marca de nove metros, de acordo com o monitoramento do Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (Saisp). Assim, a população que habita as regiões mais próximas das margens do rio ou outras localidades mais baixas estão atentas à possibilidade de enchentes.
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Rio Ribeira de Iguape está três metros acima da capacidade no município de Eldorado (SP) | Captura de tela do Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (Saisp) às 13h30 de segunda-feira (30.10.2023)
O agricultor Cícero Honório dos Santos, liderança do Quilombo Sapatu, relata que passou a noite entre domingo e segunda em vigília, monitorando a velocidade da subida do rio próximo à sua casa. “Eu tenho um filho de dois anos e sete meses. Então a gente fica preocupado. Estou vigiando há mais de 24 horas. A água chegou até a área, mas não entrou em casa. Mais 30 centímetros ela entrava. De manhã ela abaixou cerca de uns 15 centímetros, mas como deve voltar a subir, desocupei parte da casa como prevenção.”
Cícero ainda conta que as plantações de toda a comunidade foram atingidas, em maioria plantações de mandioca, feijão, pupunha e banana. E que embora eles estejam se protegendo em razão da cheia, as perdas materiais estão ocorrendo. As bananas, por exemplo, podem ficar impróprias para o comércio ou, a depender do tempo que fiquem submersas, os bananais podem morrer, perdendo toda a plantação.
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Cícero Honório dos Santos, liderança do Quilombo Sapatu, passou a madrugada monitorando a subida do rio, que ficou próximo de entrar em casa|Cícero dos Santos/Quilombo Sapatu
Lorrayne Silva é estagiária de advocacia no Instituto Socioambiental (ISA) no Vale do Ribeira. Ela relata que na sua comunidade, o Quilombo André Lopes, estão todos muito apreensivos, “considerando que a cheia tende a aumentar sempre pela noite e/ou madrugada”. Segundo ela, se o rio realmente superar os 10 metros, como consta no informe da Prefeitura de Eldorado, na sua comunidade todos serão atingidos. “No André Lopes, a partir de 9,5 metros já desabriga”, alerta.
Assessora técnica do Programa Vale do Ribeira, do ISA, Raquel Pasinato reforça o receio da população da região em relação às cheias do Rio Ribeira de Iguape. “As enchentes de grande proporção, em que o Ribeira sobe a ponto de inundar cidades e territórios margeados, são muito temidas pela população e acontecem de tempos em tempos, segundo contam os moradores locais. Tivemos em 1997 e 2011 as últimas maiores”, recorda.
Pasinato enfatiza como, nos últimos anos, os moradores do Vale do Ribeira têm enfrentado as consequências dos extremos climáticos e como eles impactam mais severamente aqueles em condições mais frágeis para enfrentá-los.
“A época de muita chuva, o risco de chover nas cabeceiras é maior no verão, mas a enchente de 2011, por exemplo, aconteceu em agosto. Então há a probabilidade de a desregulação climática estar mesmo mudando o volume de chuvas e suas épocas. E isso é um ponto de atenção para que os municípios que estão na Bacia do Ribeira de Iguape, e já têm um histórico destas enchentes maiores, comecem a se preparar para acolher a população, mas, principalmente, para melhorar as condições de matas ciliares do Ribeira que têm boa parte de suas margens ocupadas por plantios de monoculturas de banana em grande escala, por exemplo.”
Embora o tempo tenha estiado na manhã desta segunda-feira (30), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alerta amarelo para a região até terça-feira (31) em razão da previsão de tempestades. De acordo com o monitoramento do órgão, o volume total de chuvas pode chegar aos 50 milímetros (mm) em 24 horas, com ventos de até 60 km/h e queda de granizo.
Cheia do Rio Ribeira de Iguape atinge ginásio poliesportivo de Eldorado|Frederico Viegas/ISA
Margem do rio se aproxima da via no município|Frederico Viegas/ISA
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Professor se acidenta em trilha para lecionar no Quilombo Bombas, em São Paulo
Pedro Ernesto Santos e seus colegas levam até cinco horas para chegar a escolas; Justiça determinou construção de estrada em 2015
Professor Pedro Ernesto caiu em prantos depois de sofrer um acidente no caminho de volta da escola em que trabalha. A trilha é o único acesso para chegar ao Quilombo Bombas|Reprodução de vídeo
Vídeo gravado no dia 30 de setembro mostra o professor Pedro Ernesto Santos, geógrafo, caído numa trilha lamacenta no caminho de volta da escola em que leciona, no município paulista de Iporanga, na região do Vale do Ribeira. Ele está aos prantos. Pedro é professor da rede estadual de ensino e dá aulas de Geografia para crianças e adolescentes em dois núcleos de uma escola rural mista.
🚨Revoltante o descaso com o Quilombo Bombas, no Vale do Ribeira (SP)!
Viralizou o vídeo de Pedro Santos em prantos, após uma queda, numa trilha muito sinuosa e cheia de barro. O professor leva 10 horas para ir e voltar da escola que fica na comunidade!
Os núcleos se encontram nos territórios de Remanescentes dos Quilombos Bombas de Baixo e Bombas de Cima, onde só se chega a pé, caminhando por uma trilha de subidas e descidas íngremes que percorrem trechos de Mata Atlântica densa, com solo encharcado e escorregadio, atravessando riachos e pontes precárias.
Para chegar até Bombas de Baixo, Pedro, os demais professores, os moradores do Quilombo, agentes de saúde e qualquer pessoa que queira ir à comunidade têm de caminhar seis quilômetros que, nas condições normais para a região, levam cerca de três horas para serem finalizados. Já até Bombas de Cima são mais quatro quilômetros, ou seja, mais duas horas de uma dura caminhada.
Felizmente, Pedro não sofreu um grave acidente. Depois da queda, ele retornou à trilha para lecionar para as crianças já na terça-feira (03/10), mesmo com dores.
“Bati o joelho lá com força. Senti muita dor. Inchou bastante. No fim de semana tomei uma injeção e medicação forte para ajudar. E vou subir mesmo com um pouco de dor ainda. A gente precisa voltar. Não dá para deixar as crianças sem o ensino, sem a matéria”, relatou ao ISA.
Em razão da dificuldade do trajeto, Pedro passa vários dias na comunidade, pernoitando na escola, de onde retorna na sexta-feira à noite ou aos sábados, a depender da situação do tempo, e sempre na companhia de outros colegas. “Não dá para andar sozinho neste caminho, principalmente fora de horário. Sem contar os riscos que sempre encontramos de cobras e o cansaço da trilha solitária”, desabafa.
A estrada que liga os territórios ao acesso à Rodovia Antônio Honório da Silva é causa ganha na Justiça, mas nunca saiu do papel. “É uma situação crítica essa da estrada. A Fundação tem ganhado a comunidade na canseira para não sair essa estrada”, reclama o professor sobre decisão judicial proferida em 2015 determinando à Fundação para a Conservação e a Produção Florestal, jurisdicionada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), sua construção.
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Imagens mostram o trajeto encarado semanalmente pelos professores para chegar às salas de aula no Quilombo Bombas|Acervo pessoal/Pedro Ernesto
Você pode acompanhar o histórico do processo que envolve a construção desta estrada na série “O Caminho pro Quilombo”, que apresenta uma linha do tempo das tramitações burocráticas e relatos dos membros das comunidades, como o de Edmilson Furquim de Andrade, coordenador da Associação de Remanescentes do Quilombo Bombas, que relata a sensação de descaso do poder público com o bem viver dos quilombolas.
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Aos 69 anos, João Fortes, morador do Quilombo Bombas, em trajeto da trilha de acesso à cidade de Iporanga (SP). Registro do especial O Caminho pro Quilombo|Júlio César Almeida/ISA
Recentemente, no mês de julho, a titular da Semil, Natália Resende, esteve na trilha para conhecer de perto a realidade das comunidades e, na ocasião, firmou o compromisso de entrega da estrada. Desde então, a Fundação Florestal realizou uma primeira ação emergencial com o patrolamento de parte do caminho, o que, de acordo com o professor, em nada resolveu. “Fizeram uma melhoria, mas foi péssimo. Não dá para andar. Sem condição nenhuma. É muito barro.”
Depois disso, no último dia 22 de setembro, a entidade abriu licitação para contratação de prestadora de serviço para compactar e revestir com britas o primeiro trecho da estrada, Pregão Eletrônico que segue aberto até o dia 5 de outubro e cuja entrega está estimada ainda para o ano de 2023.
Quanto à construção de fato da estrada, conforme a recomendação judicial, a Fundação Florestal publicou, no início de agosto, Chamamento Público para doação de serviços de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima), necessários para obra de infraestrutura dentro de uma Unidade de Conservação, vez que o Quilombo Bombas teve seu território sobreposto ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), demarcado na década de 1980. Internamente, a garantia é de que o EIA/Rima já está em fase de elaboração.
“E os professores estão querendo desistir por conta dessa dificuldade de chegar até a escola. Muitos estão desanimados, procurando outra coisa para fazer. Na época chuvosa é sem condição de fazer essa trilha. Vira um lamaçal danado”, ressalta o professor Pedro Ernesto, deixando claro que a falta de cuidado do Estado pode colocar em xeque o bem viver da nova geração de famílias que resistem e protegem a Mata Atlântica há cerca de 400 anos.
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Mais de 230 extrativistas e organizações da Amazônia realizam Semana da Sociobiodiversidade, em Brasília
Populações tradicionais, apoiadores e parceiros debaterão políticas públicas de proteção dos territórios extrativistas e de desenvolvimento das economias e produtos da sociobiodiversidade
A partir desta quinta-feira, dia 31 de agosto, até o dia 06 de setembro, Brasília receberá a Semana da Sociobiodiversidade 2023, um dos mais importantes eventos do país voltado às atividades extrativistas de povos e comunidades tradicionais, unindo coletivos de organizações das cadeias da borracha, do pirarucu e da castanha-da-amazônia. O evento ocorrerá na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). A programação completa está disponível no site www.semanadasociobio.com.br.
Mais de 230 pessoas, entre castanheiros, seringueiros e manejadores de pirarucu, além de apoiadores e parceiros, estarão reunidos para uma série de debates sobre políticas públicas socioambientais, com foco na garantia de direitos e qualidade de vida dos povos da floresta, e inserção de produtos em mercados. Será realizada ainda uma agenda no Congresso Nacional e mesas de diálogos com representantes do poder público sobre o desenvolvimento das cadeias de valor da sociobiodiversidade.
O objetivo é pensar soluções que conciliam o desenvolvimento econômico com a conservação da biodiversidade, reconhecendo a importância fundamental dos conhecimentos e modo de vida dos povos tradicionais, além da interdependência entre a conservação dos ecossistemas, a equidade social e a responsabilidade ambiental.
Tema
A Semana da Sociobiodiversidade deste ano debate o tema "Fortalecendo Economias Sustentáveis, Pessoas, Culturas e Gerações", para fomentar a articulação técnico-política interna entre essas cadeias, além de fortalecer o entendimento dessas produções como fruto de culturas ancestrais de manejo sustentável da floresta.
O encontro também servirá para unificar a atuação política desses povos, com o objetivo de incidir em políticas públicas que fortaleçam o reconhecimento dessas cadeias como serviços ambientais de grande importância para a manutenção do clima no planeta, bem como a floresta viva.
A semana reunirá lideranças extrativistas de estados como Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, entre outros.
“Para nós, é muito importante essa integração entre os representantes da sociobiodiversidade amazônica, pois eles são os verdadeiros protagonistas dessas economias e vão apresentar as demandas e desafios de cada uma das cadeias de valor que compõem a Amazônia", afirma Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Programação
A programação da Semana da Sociobiodiversidade será dividida em dois momentos: de 31/08 a 03/09 haverá o Momento Setorial, onde os coletivos poderão dialogar e construir, em conjunto, ações específicas para as cadeias de valor. Já nos dias seguintes, de 04 a 06/09, o evento terá uma Agenda Política relacionada à sociobiodiversidade e para dialogar com as autoridades no Congresso Nacional, e no Executivo Federal.
As atividades incluem mesas-redondas, painéis, plenárias, debates e encontros políticos entre extrativistas e organizações. Além disso, no dia 4 de setembro, haverá uma sessão solene na Câmara dos Deputados, em homenagem ao Dia da Amazônia, celebrado anualmente em 5/09.
“A programação foi pensada de forma estratégica para atender a construção de uma agenda política benéfica às cadeias de valor e também para trabalhar individualmente cada um desses coletivos que atuam com produtos da sociobiodiversidade”, explica Jéssica Souza, analista socioambiental do Memorial Chico Mendes (MCM) e assistente técnica da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc).
Feira da Sociobiodiversidade
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No sábado (02), o evento contará também com uma feira, momento especial em que diferentes produtos, oriundos das comunidades extrativistas, serão comercializados e apreciados. Essa iniciativa visa evidenciar a riqueza e a diversidade dos produtos da sociobiodiversidade, fundamentais para a segurança alimentar, a saúde, a cultura e o sustento das comunidades tradicionais.
Além de ser uma experiência gastronômica e cultural, a Feira dos Produtos da Sociobiodiversidade também visa sensibilizar a sociedade sobre a importância de apoiar as economias da sociobiodiversidade, valorizando os produtos e incentivando o consumo consciente e sustentável.
A feira será um verdadeiro mercado da sociobiodiversidade, onde os visitantes poderão conhecer e adquirir uma ampla variedade de produtos do comércio justo e orgânico da Amazônia. Serão oferecidos e comercializados produtos como castanhas-da-amazônia, óleos essenciais, artesanatos feitos com matéria-prima da floresta, peças de moda sustentável, alimentos orgânicos e degustação de pescados de pirarucu.
Juventude
A Juventude Extrativista tem protagonismo durante a Semana da Sociobiodiversidade. Será realizada uma plenária com o objetivo de incentivar a formação e conscientização dos jovens na construção de políticas destinadas aos territórios onde existem economias florestais, especialmente, aos de usufruto, moradia e manejo das comunidades extrativistas.
A realização do evento é do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Memorial Chico Mendes, Comitê Chico Mendes, Coletivo da Castanha, Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Coletivo do Pirarucu, Gosto da Amazônia, Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), WWF-Brasil, Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Instituto Socioambiental (ISA). Além disso, tem o apoio e parceria de mais de 25 instituições socioambientais que atuam em defesa dos povos da floresta amazônica.
Semana da Sociobiodiversidade
Período: de 31/08 a 06/09
Horário: das 8h30 às 18h
Local: Sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Endereço: SMPW Q1 - Núcleo Bandeirantes, Brasília - DF
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