Manchetes Socioambientais
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O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli avalia os impactos da maior seca em anos na Amazônia e suas relações com as mudanças climáticas e cobra políticas eficazes para mitigar a situação
Artigo publicado originalmente no portal do Mídia Ninja, em 10/10/2023
Mal haviam cessado os efeitos do “La Niña” e o seu reverso, o “El Niño”, começou a operar, invertendo uma situação de seca do norte da Argentina ao Rio Grande do Sul para a de tempestades e enchentes, enquanto que, na Amazônia e no Nordeste, as enchentes deram lugar a uma estiagem de intensidade histórica.
São fenômenos naturais, decorrentes, respectivamente, do resfriamento e aquecimento excessivo da temperatura das águas do Pacífico Equatorial, que se repetem em intervalos de quatro a sete anos. Foi no contexto de um “El Niño” que ocorreu, em 2010, a maior seca registrada na Região Norte do país. No entanto, os cientistas apontam que, em 2023, os seus efeitos estão sendo agravados pelo aquecimento anormal simultâneo das águas do Atlântico Equatorial, que inibe a formação das chuvas que avançariam pela Amazônia.
A temperatura média dos oceanos nunca esteve tão alta. Setembro foi o mês mais quente da história. Nas últimas semanas, o recorde de temperatura em Manaus (AM) foi batido três vezes. O efeito estufa, causado pelo excessivo acúmulo de gases poluentes na atmosfera, está agravando os impactos dos fenômenos climáticos naturais.
Falta tudo
Com o agravamento da estiagem, rios caudalosos estão se reduzindo à condição de córregos, secando lagos, dificultando a navegação e isolando cidades e comunidades. O estado de emergência foi decretado em 42 municípios amazonenses. Centenas de milhares de pessoas estão sendo afetadas. Falta comida e água potável, doentes estão desassistidos, crianças impedidas de chegar às escolas.
Milhões de peixes estão morrendo praticamente cozidos. As águas do Lago de Tefé (AM) chegaram aos 40 graus, matando 125 botos. Agora, ele secou e já é possível atravessá-lo a pé ou de moto até a cidade vizinha de Alvarães. Comunidades foram destruídas pelo fenômeno das “terras caídas”, desbarrancamento às margens dos rios provocado por erosões. Outras transferem suas casas, com os próprios braços, para locais mais seguros.
Se a situação não se reverter nas próximas semanas, ficará comprometido o escoamento da produção industrial da Zona Franca de Manaus, o que deve afetar os estoques de eletroeletrônicos para as vendas de natal em outras cidades do país.
Porém, os cientistas preveem que a influência deste “El Niño” vai se estender até meados de 2024, determinando um menor volume no próximo período de chuvas, até a próxima estiagem. Assim, é improvável que a natureza recomponha-se em menos de dois anos, prolongando o sofrimento da população. Por exemplo, como ficarão as milhares de pessoas que vivem da pesca e já estão sendo duramente afetadas?
Falta de visão
Os dirigentes políticos dos estados mais afetados pela seca constatam os seus efeitos imediatos e são instados pela população a reagir. Não dispondo de qualquer estratégia para enfrentar a crise climática, tentam responsabilizar o governo federal, usando como mote as condições intrafegáveis da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).
O foco dessa manipulação é o Ministério do Meio Ambiente, que condiciona a inclusão da pavimentação da rodovia no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que define as prioridades de investimentos em infraestrutura, a medidas de controle do desmatamento e de apoio ao desenvolvimento regional sustentável. Mas a estrada está deteriorada há muitos anos e as obras, em trechos já licenciados, estão paradas devido à má gestão de recursos orçamentários.
Além disso, o óbvio: mesmo que as obras fossem imediatamente retomadas, a sua conclusão exigiria mais tempo do que a duração prevista para o atual “El Niño”. Significa que, independentemente do seu mérito, a discussão sobre a BR-319 não cabe na definição de medidas emergenciais para enfrentar a estiagem em curso.
A dissimulação talvez permita aos dirigentes regionais enganar o seu público por mais algum tempo. Mas é uma atitude que passa ao largo dos problemas, das suas causas, do seu enfrentamento, enquanto os seus autores passam recibo de ignorantes e alienados. O negacionismo de conveniência sofre com o impacto da estiagem.
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Oposição e governo votaram juntos a favor dos retrocessos. Emissários do presidente Lula voltam a repetir que “jabutis” contra proteção ambiental serão vetados
Texto atualizado às 19:22 de 26/5/2023
O plenário da Câmara aprovou, na noite de quarta (24), por 364 a 66 votos, sua versão do texto da Medida Provisória (MP) 1.150/2022, com uma série de dispositivos que atacam a proteção da Mata Atlântica, de margens de rios e “zonas de amortecimento” de Unidades de Conservação (UCs), como parques e reservas, em perímetro urbano.
O texto foi analisado pelo Senado, na semana passada, e agora segue à sanção ou veto presidencial. Apenas PSOL, Rede, PDT e PCdoB orientaram votação contra o parecer do deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR). Governo e PT orientaram a favor, junto com partidos da oposição, como o PL.
Segundo o vice-líder governista Rubens Pereira Júnior (PT-BA), a decisão respeita o acordo feito, ainda na primeira votação na Câmara, pelo qual o União Brasil teria se comprometido a não derrubar possíveis vetos do presidente Luís Inácio Lula da Silva às alterações feitas na proposta original. O partido foi o responsável pela inclusão na MP dos principais pontos contrários à conservação ambiental.
“Lula vai vetar a flexibilização da proteção à Mata Atlântica”, garantiu a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), em um tuíte. Também no Twitter, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, divulgou o trecho de uma entrevista em que reafirma o compromisso do governo com a agenda ambiental e informa que defenderá o veto desses pontos junto ao presidente. “Eu sei que há o compromisso do veto” [do presidente Lula]”, reforçou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele já tinha feito a mesma afirmação na passagem da matéria pela Casa.
Pouco depois da MP 1.150, o plenário da Câmara também aprovou o regime de urgência do PL 490/2007, que pretende inviabilizar a demarcação de Terras Indígenas (TIs). No mesmo dia, igualmente com apoio do governo, foi aprovada numa comissão mista, formada por deputados e senadores, outra MP, de número 1.154, com a proposta do governo Lula para a nova estrutura da Esplanada dos Ministérios, com uma série de medidas que esvaziam as pastas do Meio Ambiente e Povos Indígenas.
A série de votações de quarta foi classificada pela sociedade civil como uma tentativa de desmonte das políticas socioambientais comparável à realizada pelo governo Bolsonaro. Quase 800 instituições, entre organizações ambientalistas, movimentos sociais, órgãos de pesquisa e associações privadas, divulgaram uma nota condenando a aprovação das medidas. O ISA assinou o documento.
Recado da Câmara
A retomada do texto anterior da MP 1.150 pode ser considerada um recado duro, espécie de troco, ao Senado da maioria da Câmara ‒ ruralistas, bolsonaristas, "Centrão" e o presidente Arthur Lira (PP-AL) à frente ‒ em meio à relação já difícil das duas casas nos últimos meses.
Na semana passada, por votação simbólica, os senadores haviam “impugnado” os dispositivos da MP que enfraquecem a legislação ambiental, sob a justificativa de serem “jabutis” ou “contrabandos legislativos”. Esse é o jargão usado no Congresso para uma emenda sem relação com o tema original e que entra de surpresa num projeto de conversão em lei de uma Medida Provisória, atropelando o processo legislativo. Desde 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) veda a prática.
Editada ainda pelo governo Bolsonaro, a redação original da MP 1.150 apenas ampliava o prazo para o ingresso dos produtores rurais nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), previstos na Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), que substituiu o antigo Código Florestal de 1965 (saiba mais abaixo e no quadro ao final da reportagem).
Teoricamente, não seria permitido retomar os pontos “impugnados” pelo Senado, mas isso foi ignorado na votação de quarta pela Câmara. Com uma interpretação já contestada em outro caso, Lira rejeitou a “questão de ordem” da deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) para que a decisão dos senadores fosse respeitada.
“Quem tem a condição de dar admissibilidade a qualquer matéria, sobre tema afim ou não, é a mesa diretora da Casa onde ela tramita. Nem a Câmara pode inferir, em matérias que o Senado vota, para dar como ‘matéria estranha’, nem muito menos o Senado [pode fazer o mesmo no caso da Câmara]. Isso já aconteceu o ano passado, e nós refizemos o texto na Câmara. O Senado não tem essa base regimental de analisar a matéria”, alegou o parlamentar.
“Não é possível que o bioma mais desmatado do país seja tratado dessa forma. Não é possível que aquilo que foi conquistado em 2006 [quando a Lei da Mata Atlântica foi editada] seja desmontado, na calada da noite, por uma Medida Provisória de um governo que estava saindo”, criticou a deputada. Restam apenas 12% da cobertura vegetal original do bioma.
Os senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE), Eliziane Gama (PSD-MA), Otto Alencar (PSD-BA) e Jorge Kajuru (PSB-GO) impetraram, hoje, um mandado de segurança no STF contra os retrocessos ambientais previstos na MP. Já a presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Leila Barros (PDT-DF), afirmou que também pedirá a Lula o veto aos dispositivos.
Melchiona avisou que vai recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e também estuda apresentar uma ação no STF por entender que a obrigatoriedade da exclusão dos “contrabando legislativos” seja uma questão já decidida pela corte.
Texto da Câmara
O que foi classificado como “jabutis” pelos senadores, e agora foi retomado pela Câmara, foram os itens que estabelecem várias permissões diferentes para mais desmatamentos na Mata Atlântica e nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de corpos de água nos perímetros urbanos. Outro ponto assim considerado foi a possibilidade de eliminação das "zonas de amortecimento" de UCs também em perímetro urbano.
Além disso, a redação da Câmara da MP 1.150 prorroga por mais um ano o prazo para a adesão ao PRA. O problema é que esse limite de tempo vale após a convocação dos governos estaduais para essa adesão, mas não foi definido um período determinado para isso acontecer, e apenas seis estados começaram a implantar esses programas. Outro problema apontado pelos ambientalistas é que os produtores rurais não poderão ser punidos por desmatamentos ilegais (realizados até 22 de julho de 2008) antes do fim do prazo da convocação. Por meio do PRA, os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente.
Em resumo, a versão da MP saída da Câmara abre brechas para que a legislação não seja cumprida de fato. Essa é sexta vez que a adesão ao PRA é adiada. A questão se arrasta desde 2012, quando o novo Código Florestal foi aprovado (saiba mais nos quadros ao final da reportagem).
O que muda com a versão da Câmara da MP 1.150/2022?
Mata Atlântica
‒ Hoje, a Lei da Mata Atlântica exige que o desmatamento de vegetação primária (nunca desmatada) e secundária (já desmatada) em estágio avançado de regeneração no bioma só seja feita num local se não for possível fazer isso em outro, com menos impactos, ou seja, sem a chamada "alternativa técnica e locacional. A MP extingue a exigência.
‒ O texto da MP também dispensa o parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação da Mata Atlântica no estágio médio de regeneração em área urbana. Segundo o texto aprovado, nesse caso, o desmatamento dependerá só de uma autorização do órgão ambiental municipal, em geral mais vulnerável à pressão de interesses econômicos e políticos locais.
‒ Permite que órgão municipal autorize o desmatamento e exploração de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração da Mata Atlântica, em áreas urbanas e rurais.
‒ Permite que órgão municipal autorize o parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação secundária, em estágio médio de regeneração da Mata Atlântica. Também retira a necessidade de que a autorização seja prévia.
- ‒ A MP dispensa as obrigações de Estudo de Impacto Ambiental para o desmatamento necessário à implantação e ampliação de "empreendimentos lineares" e da captura, coleta e o transporte de animais silvestres nas áreas desses empreendimentos, também na Mata Atlântica. São considerados "empreendimentos lineares" linhas de transmissão, gasodutos e sistemas de abastecimento público de água localizados na “faixa de domínio e servidão” de ferrovias, estradas, minerodutos e outras linhas de transmissão. Dependendo de um parecer técnico, o mesmo poderá acontecer em condomínios e resorts.
Unidades de Conservação (UCs)
‒ Elimina a "zona de amortecimento" de Unidades de Conservação (UC), como parques e reservas, em perímetro urbano. A "zona de amortecimento" prevê restrições a obras, empreendimentos e atividades econômicas numa faixa limítrofe a essas áreas protegidas com o objetivo de minimizar impactos ambientais sobre elas.
Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/2012)
‒ O texto aprovado na Câmara ampliou flexibilizações sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs) em perímetros urbanos, permitindo que, mesmo em regiões com características rurais mas definidas como urbanas por lei municipal, seja permitido desmatar em faixas inferiores às definidas na regra geral federal. O texto saído da Câmara também suprimiu a necessidade de consultas ao Conselho Estadual do Meio Ambiente sobre alterações feitas na lei municipal sobre esse tema.
‒ Segundo texto aprovado, não será mais necessário compensar desmatamentos fora de APPs provocados por "empreendimentos lineares" na Mata Atlântica. Se o desmatamento acontecer dentro da APP, a compensação fica limitada a uma extensão igual ao desmatamento.
‒ Os produtores rurais passam a ter até um ano após a “notificação” (individual) do órgão ambiental estadual para ingressar no PRA. Não há uma data específica para se fazer isso.
‒ A partir da assinatura do Termo de Compromisso do PRA e durante sua vigência, o produtor rural não poderá ter financiamentos negados por causa das infrações objeto desse termo; na prática, antes isso pode acontecer.
‒ Introduz a obrigatoriedade de validação do CAR e da identificação dos passivos ambientais de cada produtor rural pelo órgão ambiental como condição para adesão ao PRA. O problema é que uma parte ínfima do processo de validação e identificação de irregularidades já foi concluída pelos estados.
‒ A MP também adia o limite de tempo para acesso aos benefícios concedidos por meio da inscrição no CAR, por exemplo redução de APPs conforme as regras da lei e suspensão de sanções. O prazo havia vencido em 31 de dezembro de 2021, mas foi adiado, agora, para até dezembro de 2023, para imóveis maiores de 4 módulos fiscais, ou até dezembro de 2024, para imóveis menores de quatro módulos ou familiares.
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O sócio fundador do ISA analisa a escalada de violência na Amazônia e sua relação com o crime organizado. Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja, em 28/4/2023
Artigo publicado originalmente no site da Mídia Ninja, em 28/4/2023
Na noite do dia 21/4, a sede do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), em Belém (PA), foi invadida e dois dos seus dirigentes, que cumpriam agendas na capital e dormiam ali, foram espancados e assaltados. Os criminosos, provavelmente, agiam a soldo de grileiros de terras, ameaçaram retornar e executar quem estivesse por lá.
Na semana anterior, no Vale do Javari (AM), no outro extremo da Amazônia, uma quadrilha armada invadiu uma aldeia Kanamari, ameaçando um massacre, se os indígenas resistirem à extração ilegal de madeiras e a pesca predatória em seu território, atividades com que o narcotráfico lava dinheiro. Os invasores falavam espanhol. O crime ocorreu na mesma região em que Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados, no ano passado.
Houve, no final de março, pelo menos duas ocorrências de resistência armada a ações do Ibama e da Polícia Federal para retirar garimpeiros da Terra Indígena Yanomami (RR-AM), na fronteira com a Venezuela. Também há presença do crime organizado na extração predatória de ouro e cassiterita na região.
Violência em alta
Alianças e sobreposições do crime organizado com crimes ambientais estão no centro dos estudos de Aiala Colares, professor da Universidade Estadual do Pará, que coordenou uma pesquisa sobre o tema, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O trabalho destaca a interiorização das facções criminosas no Norte do país e a sua chegada a territórios de comunidades tradicionais. O último anuário do Fórum, de 2021, reportou uma queda de 6% nas mortes violentas no Brasil, enquanto na região houve um aumento de 9%.
A atuação do crime organizado na Amazônia não se resume à região da floresta e as suas conexões vão muito além e afetam todas as áreas. Fiéis de uma igreja evangélica de Santana (AP) viveram momentos de pavor na noite do dia 23 de abril, quando membros de uma facção promoveram um ataque à rival dentro do templo, deixando três mortos e cinco feridos, inclusive uma criança de três anos, que levou dois tiros e está em estado grave.
Um dia antes, em Manaus (AM), um policial e outros dois homens foram executados no meio de uma festa, no bairro do Tarumã. A Polícia Militar informou que criminosos invadiram o evento e fuzilaram duas vítimas. O policial que trabalhava como segurança da festa reagiu e foi baleado no rosto.
O Instituto Igarapé publicou uma análise de mais de 300 operações da Polícia Federal, realizadas entre 2016 e 2021, que mostra vínculos de organizações criminosas da Amazônia em 24 estados. Grupos ligados a crimes ambientais - como extração ilegal de madeira, garimpo, desmatamento e grilagem de terras - também atuam em outras frentes criminosas: fraudes, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e pessoas, crimes contra o sistema financeiro e sonegação fiscal.
Em todo o Brasil, o estudo identificou a presença dessas quadrilhas em 254 municípios, com destaque para estados de fora da Amazônia Legal, como São Paulo, Paraná e Goiás. A atuação criminosa não se limita ao território brasileiro: na América do Sul, as operações da PF tiveram desdobramentos na Guiana Francesa, Venezuela, Suriname, Colômbia, Paraguai e Bolívia.
Uma poderosa frente de grilagem de terras e de desmatamento ilegal avança ao longo da Transamazônica, no sul do Amazonas, estado que vem liderando os alertas de desmatamento emitidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), superando Mato Grosso e Pará. O Ibama embargou rebanhos bovinos deslocados para as terras griladas, o que provocou um virtual levante dos prefeitos da região, com apoio de congressistas para pressionar o governo federal, em favor de interesses criminosos.
O conluio entre frentes predatórias e bancadas parlamentares regionais contrasta com a posição assumida por autoridades federais. Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disse que “o Brasil corre o risco de perder a sua soberania sobre a Amazônia para o crime organizado”. Na mesma rota, o presidente do Senado declarou que o “estado paralelo na Amazônia é motivo de alerta e reação”. Mas, em vez de investigá-lo, o Senado instalou uma CPI para criminalizar a atuação das ONGs.
Defesa ineficiente
A postura dos órgãos de segurança diante da criminalidade generalizada na Amazônia é de leniência e dissimulação. O corporativismo prevalece sobre a cooperação. O Exército afirma que a competência para combater ilícitos é das polícias e que as Forças Armadas atuam na defesa das fronteiras e da soberania nacional, com foco nas “ameaças externas”. Porém, não havendo ameaça de guerra com os países vizinhos e sendo transnacional o crime organizado, esse conceito fica defasado.
Além disso, essa não é a divisão de competências estabelecida pela legislação. O artigo 17-A da Lei Complementar 97/1999 diz que "cabe ao Exército Brasileiro, além de outras ações pertinentes, IV - atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo”. Significa que, na faixa de 150 km ao longo de todo arco fronteiriço amazônico, o papel do Exército prepondera, também, no combate a ilícitos.
As estruturas da Polícia Federal e das polícias estaduais são insuficientes para dar cabo da demanda. Desde que o sistema penitenciário amazônico se internacionalizou, com a transferência de chefões do narcotráfico do Sudeste para lá, a barra pesou de vez. De um lado, as polícias sofrem com a cooptação pelo crime organizado; por outro, pelo aumento de agentes mortos em seu combate e a precariedade das condições de trabalho, incluindo a indigência de salários e treinamento.
O estado brasileiro fez grandes investimentos na estrutura de defesa da Amazônia, desde o Projeto Calha Norte ao Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que não dão o retorno esperado. Batalhões de fronteira podem ter efeito dissuasório, ou assistir comunidades locais, mas, dispersos, não têm como enfrentar o crime organizado. E não sabemos a quantas andam os olhos do Sivam, diante da profusão de aeronaves e pistas de pouso clandestinas.
A extensão da Amazônia e do arco fronteiriço é, sim, um grande desafio logístico e operacional para a segurança pública, como para as demais políticas públicas. Mas a questão central é outra: a falta de comando estratégico e de articulação de esforços, com baixo investimento em inteligência, tanto policial quanto militar. Por essa pegada estratégica é que se poderia realocar e reorientar a atuação das grandes estruturas de segurança de que dispomos.
Viver na Amazônia - morar, transitar, trabalhar, conviver - é, sempre, viver perigosamente. Enquanto não houver uma revisão das políticas de defesa para a região que encare os seus reais desafios, presentes e futuros, ela será cada vez mais perigosa.
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O sócio fundador do ISA Márcio Santilli volta a analisar e alertar os riscos do 'boom especulativo' do mercado de carbono ainda não regulamentado no país
Artigo publicado originalmente no site do Mídia Ninja, em 20/4/2023
Verra, a maior empresa do mundo que certifica projetos de carbono para mitigar a mudança climática global, está em pane. O jornal britânico The Guardian, junto com outros veículos de mídia, realizou uma investigação independente que constatou que 90% dos créditos validados pela empresa, relativos a projetos que afirmam reduzir emissões de carbono florestal, não têm “adicionalidade”, ou seja, não ajudam a melhorar a situação do clima.
Não há questionamento com relação a créditos decorrentes de projetos de redução de emissões na área de energia, nem de sequestro de carbono via reflorestamento, mas sim dos que alegam desmatamento evitado, sem evidência de adicionalidade. A empresa suspendeu a certificação de novos projetos que alegam reduzir desmatamentos e iniciou um processo de revisão dos que já haviam sido aprovados antes.
Essa revisão pôs em polvorosa empresas de consultoria que dão apoio técnico para elaborar e monitorar projetos de carbono. Elas têm atuado com grande desenvoltura na disputa por áreas florestadas, envolvendo os seus titulares, inclusive povos indígenas e comunidades tradicionais, em contratos de exclusivida e de longo prazo, que asseguram a elas direitos sobre parte dos créditos gerados, para vendê-los a empresas que queiram compensar as suas emissões de carbono.
Má-fé
O modus operandi de algumas consultorias tem grande semelhança com o de frentes predatórias que exploram minérios, madeiras e outros recursos naturais das florestas públicas. Por exemplo, oferecem dinheiro adiantado às comunidades carentes, a ser devolvido depois, quando da venda dos créditos. Assim, reproduzem a lógica perversa do aviamento, que gera relações de dependência. O dinheiro premia a assinatura de contratos, que lhes reservam 30% dos créditos gerados, mesmo na ausência de qualquer estudo ou projeto técnico prévio, a serem elaborados depois.
Há contratos com comunidades que sequer dispõem de protocolos de consulta ou de planos de gestão dos seus territórios. Há cláusulas que garantem às empresas os mesmos 30% sobre a venda de outros produtos da biodiversidade local. São contratos lesivos, tanto para o clima quanto para as comunidades, com falhas técnicas e relações injustas. A sua proliferação contamina o nascente mercado de carbono no país e concorre, de forma predatória, com quem atua seriamente nele.
O Ministério Público Federal (MPF) está preocupado com essa onda de contratos lesivos e deve tomar providências. Espera-se que a sua 6ª Câmara, que promove a defesa de direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, defina parâmetros e limites para esses contratos através de nota técnica. Se não forem revistos, poderão ser judicializados.
Além da atuação do MPF, é desejável que o governo federal estabeleça uma política para os projetos florestais que evite a degradação do mercado de carbono no país e preserve as florestas federais e as populações que vivem nelas. Como a própria ameaça climática, que é global, a regulamentação do mercado de carbono tem caráter internacional e avança lentamente nas COPs, as conferências das partes no âmbito da ONU. Essas regras vão definir critérios de adicionalidade para que créditos de carbono possam ser emitidos e comercializados.
Outros países, que assumiram há mais tempo metas de redução, já dispõem de legislação própria, que fixa objetivos e incentivos para que as empresas reduzam emissões. Elas podem recorrer ao mercado de créditos para reduzirem custos e prazos ao cumprirem as suas metas. É para este fim – de mitigar as mudanças climáticas – que existe o mercado de carbono. Projetos sem adicionalidade atrasam esse objetivo e não merecem créditos.
No Congresso, tramitam vários projetos de lei que pretendem regulamentar o mercado de carbono. Só que são propostas descoladas das metas brasileiras de redução de emissões, que não definem um regime interno de objetivos para o setor privado, e não garantem adicionalidade climática. Além disso, a Câmara acaba de aprovar uma medida provisória, ainda sujeita à revisão no Senado, que permite que empresas madeireiras que exploram concessões de florestas públicas possam desenvolver projetos de carbono nessas áreas, o que tampouco contribui para mitigar a situação do clima. O Congresso precisa compreender que não adianta criar uma burla legal interna numa questão de âmbito mundial e que interesses de consultores e certificadores não podem ignorar as exigências da emergência climática.
Atuação dos estados
Em novembro de 2021, houve um avanço importante em uma COP realizada em Glasgow, Escócia. Embora parcial, foi suficiente para aquecer o mercado de carbono e ensejou, no Brasil, iniciativas promissoras mas, também, esse surto mais recente de contratos lesivos e desprovidos de projetos. Havia, então, um presidente negacionista e um governo oportunista nas negociações internacionais, que se interessava apenas no eventual acesso de grandes proprietários rurais aos recursos do mercado.
Com a chegada de Joe Biden à presidência, os EUA retornaram ao Acordo de Paris e, com o Reino Unido e a Noruega, lançaram um fundo denominado LEAF, para financiar projetos “jurisdicionais” – nacionais ou subnacionais – de carbono florestal. Diante da omissão federal, governos de estados da Amazônia ocuparam esse vazio e passaram a negociar diretamente com os doadores e a elaborar projetos próprios. Alguns estados, apesar do desmatamento em alta, já acessam recursos de pré-investimento para formular projetos. Mas a onda de contratos lesivos atropela esse processo e subtrai estoques significativos da governabilidade pelos estados.
Os critérios do LEAF são bem mais razoáveis do que os projetos pontuais e não adicionais do mercado voluntário, ao abordar a redução de emissões em escala de estado e condicionar a emissão futura de créditos de carbono a reduções efetivas e comprovadas. Mas os projetos em construção pelos estados têm contabilizado os estoques de carbono das terras federais, sem terem legitimidade para geri-los. O protagonismo dos estados é mais do que desejável, mas os seus projetos devem ser compatíveis entre si e respeitar o papel imprescindível da União na gestão das florestas federais.
Governo Lula
Com a eleição do Lula e a volta da Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, será retomado o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM) – principal fator de emissões do Brasil. Uma versão atualizada dele já está disponível para consulta pública. A questão climática está colocada como prioridade pelo presidente, que compareceu à COP realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, antes mesmo da sua posse.
Porém, o novo governo deparou-se com o cenário confuso do mercado de carbono. Para aproveitar as oportunidades desse setor, ele terá que estabelecer normas que definam a titularidade sobre os estoques florestais, os critérios que garantam a adicionalidade para projetos e que saneiem o mercado, rejeitando contratos lesivos e projetos não adicionais.
O impacto da crise climática já afeta todas as regiões do país, com secas e enchentes mais agudas, provocando mortes e destruição. Perdas agrícolas, menor geração de energia hídrica, crises no abastecimento de água nas cidades serão crescentes. Se não formos capazes de aproveitar as oportunidades, só nos restará o amargo sabor da tragédia.
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Proposta também enfraquece Código Florestal. Artifício para prorrogar prazo de regularização ambiental estimula desmatamento e impunidade, segundo sociedade civil
Com informações do Observatório do Clima (OC) e Observatório do Código Florestal (OCF). Atualizado às 19:15 de 6/4/2023
O plenário da Câmara aprovou, no final da tarde desta quinta (30), duas Medidas Provisórias (MPs), ainda do governo Bolsonaro, com retrocessos socioambientais considerados importantes por organizações da sociedade civil.
Ambas seguem agora para o Senado. Se forem alteradas, voltam a ser analisadas pelos deputados.
A MP 1.150/2022 abre brecha para mais desmatamentos no pouco que restou (12%) do bioma mais ameaçado do país: a Mata Atlântica. Nesse caso, a proposta foi feita por meio de um “jabuti”, ou seja, uma emenda sem relação com o tema principal da MP - o Código Florestal (Lei 12.651/2012). A ideia, de alterar a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) no caso, partiu do União Brasil e o líder do partido, Elmar Nascimento (BA), bateu o pé para inclui-la na redação aprovada.
O texto final também prorroga por mais um ano o limite de tempo para os produtores rurais aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal. Por meio dele, os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente.
O agravante é que o prazo vale após a convocação dos governos estaduais para essa adesão, mas não foi definido um tempo determinado para essa convocação e apenas seis estados começaram a implantar os PRAs. Aí há outro detalhe que faz toda a diferença: os produtores rurais não poderão ser punidos por desmatamentos ilegais (realizados até 22 julho de 2008) antes do fim do prazo da convocação.
Em resumo, a MP abre brechas para que a legislação não seja cumprida de fato. Essa é sexta vez que a adesão ao PRA é adiada. A questão se arrasta desde 2012, quando o novo Código Florestal foi aprovado (saiba mais nos quadros ao final da reportagem).
A lei aprovada há 11 anos perdoou 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente. De acordo com ela, 21 milhões ainda precisam ser reflorestados. O Brasil tem mais de 16 milhões de hectares de vegetação nativa de Reserva Legal e mais de três milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que precisam ser recuperados.
Desmatamento e impunidade
De acordo com os ambientalistas, a MP estimula o desmatamento e a impunidade, no momento em que o país luta para retomar as políticas ambientais e climáticas e, por meio delas, sua credibilidade internacional, após o desmonte generalizado promovido pela gestão de Jair Bolsonaro
"A redação aprovada está cheia de ‘contrabandos legislativos’. Com isso, além de incorrer em inconstitucionalidade, propõe um desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para as unidades de conservação e, inclusive, para áreas de risco às margens de rios”, alerta Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA.
“Em meio a tantas tragédias, como a que vemos no Acre e vimos no litoral de São Paulo, a Câmara se volta contra a população e o meio ambiente para beneficiar meia dúzia de interesses privados", completa.
"A Câmara dos deputados acaba de aprovar o maior jabuti da história em uma MP. Sob o pretexto de ampliar o prazo do CAR e do PRA, esfacelou a Lei da Mata Atlântica, adicionando uma emenda de plenário, a meu ver, inconstitucional”, reforça a diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.
“Essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera. Favorece e amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do clima, da água e da biodiversidade. O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade, neste momento de emergência climática. Vamos pedir que o presidente Lula vete a MP", informa.
Negociações tensas
A MP 1.150 foi aprovada com voto favorável do governo e da maioria dos partidos, inclusive a federação PT/PCdoB/PV. Apenas PDT, PSB e a federação PSOL/Rede votaram contra.
Ao final de tensas negociações ao longo da semana, as lideranças do governo e do PT acabaram cedendo às alterações propostas pelo relator, o ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Sérgio Sousa (MDB-PR). O texto original da MP apenas prorrogava o prazo de ingresso no PRA por 180 dias.
Foi feito um acordo pelo qual pelo menos o União Brasil não tentará derrubar eventuais vetos do presidente Luís Inácio Lula da Silva às alterações feitas na proposta original. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participou do entendimento. O Palácio do Planalto não se comprometeu com vetos. Segundo um deputado petista, o governo também precisou ceder em favor da tentativa de consolidar uma base parlamentar coesa.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), conta que ainda não há uma posição do governo sobre o assunto. Ele acredita, no entanto, que é grande a chance de vetos do “jabuti” que alterou a proteção à Mata Atlântica por ser uma proposta “absurda”. “Agora, nós precisamos trabalhar internamente dentro do governo para vetar esses jabutis”, comenta.
“A prorrogação do prazo para adesão ao PRA é uma questão de justiça e de lógica. Trata-se de uma questão de justiça, pois não se pode punir o agricultor pela mora estatal em implementar o Programa de Regularização Ambiental. Trata-se de uma questão de lógica, pois não é possível aderir àquilo que não existe”, apontou Sousa em seu relatório.
Ameaça a comunidades indígenas e tradicionais
A outra MP (1.151/2022) aprovada no plenário da Câmara muda as regras das concessões florestais, abrindo a possibilidade de exploração de outros bens e serviços ambientais, além da madeira, inclusive em áreas protegidas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais. Só PDT e a federação PSOL/Rede votaram contra.
De acordo com a redação final, as concessões poderão gerar créditos de carbono e utilizar o patrimônio genético de plantas e animais, por exemplo. Também poderão prever o manejo de fauna e a pesca.
Mauricio Guetta lembra que áreas ocupadas por comunidades tradicionais não podem ser concedidas para exploração econômica de terceiros. Ele teme ainda que a MP coloque em risco o acesso aos recursos naturais e as atividades de subsistência dessas comunidades.
Guetta acrescenta que, como ficou, a MP dá ao concessionário a possibilidade de lucrar com créditos de carbono em áreas públicas sem qualquer adicionalidade, isto é, sem ações de sequestro efetivo de carbono. Ele defende ainda que parte dos recursos obtidos sejam destinados às áreas protegidas, às políticas de conservação em geral e às populações indígenas e tradicionais que teriam seus territórios explorados.
A comercialização de créditos de carbono permite que empresas, instituições ou pessoas compensem as emissões de gases de efeito estufa, resultantes de empreendimentos e atividades econômicas, pela aquisição de créditos gerados por projetos de redução dessas emissões ou da captura de carbono da atmosfera. Uma iniciativa para restringir os poluentes de uma indústria, o reflorestamento ou a conservação de uma área com vegetação nativa são exemplos desse tipo de projeto.
O que mais muda com a MP 1.150/2022?
- Hoje, a Lei da Mata Atlântica exige que o desmatamento de vegetação primária (nunca desmatada) e secundária (já desmatada) em estágio avançado de regeneração no bioma só pode ser feito se não houver uma "alternativa técnica e locacional". A MP extingue a exigência.
- O texto da MP também dispensa o parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação da Mata Atlântica no estágio médio de regeneração em área urbana. Segundo o texto aprovado, nesse caso, o desmatamento dependerá só de uma autorização do órgão ambiental municipal.
- Permite que órgão municipal autorize o desmatamento e exploração de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração da Mata Atlântica, em áreas urbanas e rurais.
- Permite que órgão municipal autorize o parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação secundária, em estágio médio de regeneração da Mata Atlântica. Também retira a necessidade de que a autorização seja prévia.
- Se a MP for aprovada, não será mais necessário compensar desmatamentos fora de Áreas de Preservação Permanente (APP) provocados por "empreendimentos lineares" na Mata Atlântica. Se o desmatamento acontecer dentro da APP, a compensação fica limitada a uma extensão igual ao desmatamento. São considerados "empreendimentos lineares" condomínios e resorts, além de linhas de transmissão, gasodutos e sistemas de abastecimento público de água localizados na faixa de domínio e servidão de ferrovias, estradas, minerodutos e outras linhas de transmissão.
- A MP dispensa a obrigação de Estudo de Impacto Ambiental para o desmatamento necessário à implantação e ampliação de "empreendimentos lineares" e a captura, coleta e o transporte de animais silvestres nas áreas desses empreendimentos também na Mata Atlântica.
- Permite que o órgão ambiental defina a "zona de amortecimento" de Unidades de Conservação em área urbana.
- A MP também adia o limite de tempo para acesso aos benefícios concedidos por meio da inscrição no CAR, por exemplo redução de APPs conforme as regras da lei e suspensão de sanções. O prazo havia vencido em 31 de dezembro de 2021, mas foi adiado, agora, para até dezembro de 2023, para imóveis maiores de 4 módulos fiscais, ou até dezembro de 2024, para imóveis menores de quatro módulos ou familiares.
O que é o Código Florestal?
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)
O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isentou parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 22 de julho de 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação.
No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova lei prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas, de acordo com o tamanho do imóvel. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.
Área de Preservação Permanente (APP)
De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
Reserva Legal (RL)
Segundo a legislação, é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural que deve ser obrigatoriamente preservada. O percentual da RL em relação à extensão do imóvel varia de acordo com a região: 80% na Amazônia; 35% em trechos de Cerrado dentro da Amazônia; 20% no restante do país. Essas áreas têm a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e preservar a biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Criado pela nova lei, o CAR é um registro eletrônico obrigatório e autodeclaratório que tem a finalidade de integrar as informações ambientais de todos os imóveis rurais: a situação das APPs, RLs, “áreas consolidadas” e remanescentes de vegetação nativa. Compõe uma base nacional de dados para o monitoramento, controle e combate ao desmatamento e planejamento da recuperação ambiental.
Cada estado é responsável por criar seu sistema de cadastro, promover seu funcionamento, analisar e validar seus dados. Alguns estados têm programas próprios, enquanto outros preferem usar o módulo disponibilizado pelo governo federal. A gestão federal também é responsável por orientar e apoiar a implementação dos sistemas de cada estado.
Programa de Regularização Ambiental (PRA)
Conjunto de regras e ações a serem cumpridas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA. Cada estado precisa regulamentar, implementar e desenvolver seu PRA.
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Políticas de infraestrutura não podem mais desconsiderar seus impactos socioambientais e as demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais, defende em artigo o sócio fundador do ISA Márcio Santilli
Artigo publicado originalmente no site do Mídia Ninja, em 16/3/2023
O presidente Lula reuniu-se, na semana passada, com os ministros da área econômica e de infraestrutura para discutir a retomada do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que abrange o conjunto das obras de infraestrutura pretendidas pelo governo federal e acordadas com governadores e prefeitos. Esse programa foi constituído em seu governo anterior e coordenado por Dilma Rousseff, que o liderou como ministra e o continuou como presidente.
O PAC foi importante para articular interesses federativos, melhorar as condições de transporte, prover água e energia e catalisar investimentos públicos e privados para fomentar a economia. Porém, não faltaram polêmicas sobre desvio de recursos e impactos socioambientais relevantes. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, é um dos exemplos.
Não há dúvida de que o Brasil precisa de um programa de investimentos em obras públicas. Esse é o setor que pode reagir mais rápido ao marasmo econômico, gerando empregos e renda para os desempregados e os submetidos a condições aviltantes de trabalho. Além disso, se os investimentos focarem em projetos estruturantes, poderão superar gargalos logísticos, reduzindo custos.
Lula pediu aos ministros para inventarem um novo nome para o novo PAC. Aquele, já havia substituído o Avança Brasil e, décadas depois, o Brasil está pior do que antes. “Amansa Brasil” pode ser uma boa ideia…
Erros do passado
Além do nome, um novo fluxo de investimentos em infraestrutura deve considerar os efeitos de cada grande obra nas dinâmicas regionais de ocupação do território. Não se trata apenas de produzirmos bons Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (Eia-Rima) ou de componentes dos projetos atinentes ao licenciamento ambiental, especialmente quando se trata de áreas remotas, sujeitas a grandes transformações a partir da implantação dos empreendimentos.
Foi o caso da pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), a partir do primeiro governo Lula. Marina Silva, que também era, então, a sua ministra do Meio Ambiente, apoiou um processo intenso de discussão entre organizações da sociedade civil para formular e executar o Plano BR-163 Sustentável, que foi, no entanto, insuficiente para evitar que a economia predatória ‒ grilagem de terras públicas, garimpo, extração ilegal de madeira e de outros recursos florestais ‒ viesse a dominar a política e a ocupação da região.
É importante mencionar esse caso porque o projeto para a implantação da Ferrogrão, ferrovia sobreposta à BR-163, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), certamente estará entre os itens do novo pacote de infraestrutura. E porque esta seria a oportunidade para corrigir erros e articular iniciativas que alterem a dinâmica regional na direção do desenvolvimento sustentável.
Outro projeto que está na mesa é o da pavimentação da BR-319, entre Porto Velho e Manaus. Em comum com a BR-163, ela corta a Amazônia de sul para norte, mas atravessa o coração da floresta. Se ao longo do eixo da BR-319 repetir-se o mesmo padrão predatório de ocupação do território, a floresta será fracionada para sempre, com consequências socioambientais de grande escala. Estamos falando de projetos determinantes para o futuro da Amazônia, num contexto de emergência climática.
Economia da floresta
Seria uma boa novidade incluir no novo pacote um componente voltado para pequenas obras de infraestrutura que facilitem as atividades econômicas sustentáveis que já são desenvolvidas pelos povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e quilombolas. Ancoradouros, depósitos de mercadorias, trilhas de escoamento e de turismo comunitário, escolas, postos de saúde, núcleos de cultura. Mão de obra, alimentação e materiais poderiam ser providos no local.
Como se trata de muitas pequenas obras numa mesma região, elas deveriam ser contratadas em bloco e projetadas a partir de consultas e de levantamentos, por trechos de rios ou sub-bacias, vicinais ou trechos de rodovias, levando-se em conta os municípios e as associações civis existentes. Pode-se recorrer a mutirões e frentes de trabalho, balsas ou batalhões de serviços.
A economia da floresta também precisa de energia e, na sua maior parte, desenvolve-se em regiões que estão fora do sistema elétrico nacional. Além de poluente, o óleo diesel chega de forma trabalhosa e custosa. A geração de energias limpas e a disponibilidade de motores e outros equipamentos movidos por elas daria grande impulso à produção florestal, à renda, à saúde e à qualidade de vida das comunidades.
A maior disponibilidade de pontos de internet, via satélite, é essencial para agilizar negócios, compras, pagamentos e para prover, à distância, educação, formação técnica e assistência à saúde. Também facilita a gestão de sistemas de cantinas para garantir a todos o acesso, menos custoso, a bens de consumo básico.
Se o país pode investir na abertura de corredores de exportação através da Amazônia, na geração de energia e de outros insumos demandados por outras regiões, deve investir para evitar e mitigar os seus impactos e não deve ignorar eventuais efeitos perversos da ocupação do território e a qualidade e sustentabilidade do desenvolvimento regional.
Deve investir, sobretudo, na infraestrutura necessária para que os povos da floresta possam prover as suas necessidades e participar do desenvolvimento, conservando as florestas em pé. Em tempos de emergência climática, essas populações, os seus serviços e produtos são preciosos, não apenas para os seus projetos de futuro, mas para proverem saberes e serviços ambientais para o desenvolvimento das demais regiões do país.
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Segundo documento encaminhado ao órgão internacional, a administração federal estimula o desmatamento e viola direitos de comunidades indígenas e tradicionais
Na última terça (15), o governo Bolsonaro foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) por estimular uma crise ambiental e violar os direitos humanos, em geral, e de populações indígenas e tradicionais, em particular, no país.
De acordo com a denúncia (texto em inglês), o aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia e no Cerrado está fazendo aumentar a violência contra essas comunidades, agrava as mudanças climáticas, ameaça a biodiversidade, a alimentação, a saúde e o acesso à água no Brasil e em outras nações.
Assinam o documento encaminhado ao órgão internacional o ISA, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Conectas Direitos Humanos, o Observatório do Clima e o WWF-Brasil.
O texto foi entregue a cinco relatores especiais da ONU responsáveis pelo acompanhamento de temas relacionados a meio ambiente, direitos indígenas, mudanças climáticas, alimentação, água potável e saneamento, desenvolvimento, moradia, além da coordenadora do grupo de trabalho sobre direitos humanos e empresas. Embora os relatores não possam obrigar o governo brasileiro a agir, eles podem fazer recomendações, o que pode implicar pressão e desgaste políticos.
A multiplicidade de temas reflete a abrangência da denúncia, que cobre os impactos do desmatamento sobre os direitos dos povos indígenas e demais habitantes locais, da população mais ampla no Brasil e na América Latina e das pessoas ao redor do globo.
De acordo com as organizações responsáveis, para garantir o direito a um meio ambiente saudável, a destruição de ecossistemas naturais deve parar imediatamente e os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais precisam ser respeitados. O documento também pede ao governo brasileiro tenha a "maior ambição possível" na sua proposta de corte de emissões de gases de efeito estufa apresentada à ONU, a chamada NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, em português).
A denúncia é mais uma da série com acusações semelhantes e já apresentadas, nos últimos quase quatro anos, a vários órgãos e instâncias internacionais, a exemplo da própria ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Retomada de políticas ambientais
Ainda segundo o texto divulgado na terça, além de impedir a aprovação de qualquer projeto de lei que estimule ou que facilite o desmatamento, será necessário implementar um plano para combater e prevenir o desmatamento, retomar as ações do Ibama e a implementação das políticas de gestão dos territórios indígenas, reativar o Fundo Amazônia e restabelecer o orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
“A retomada e o aperfeiçoamento das políticas socioambientais do Brasil, destroçadas pelo governo Bolsonaro, são medidas que interessam diretamente não apenas à população brasileira, mas ao mundo inteiro”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “A Amazônia e os demais biomas exercem papel fundamental no combate à emergência climática. É preciso agir agora, ou será tarde demais”, alerta.
"O governo Bolsonaro violou a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos", reforça Eloy Terena, advogado indígena e coordenador jurídico da Apib. “Os povos indígenas são defensores ambientais. Quando defendemos nossas terras e nossos direitos, estamos defendendo a vida em todo o planeta. Se uma terra indígena é invadida, desmatada, se algum povo indígena é ameaçado ou é alvo de violência, o planeta todo sofre os impactos”, ressalta.
Ponto de 'não retorno'
Os índices de desmatamento da Amazônia, no Brasil, estão próximos a 20%. As taxas de desmatamento sob a gestão Bolsonaro estão em seu nível mais alto em 15 anos.
A denúncia destaca que a Amazônia, maior floresta tropical do planeta, está cada vez mais perto de seu ponto de “não retorno”, situação na qual não conseguiria mais se regenerar. Calculado pelos cientistas justamente entre 20% e 25% de perda da vegetação nativa, esse é o ponto a partir do qual a floresta amazônica perde a capacidade de manter sua composição original e se transforma em um ecossistema mais degradado e menos resiliente.
Além da perda de biodiversidade, essa mudança afeta os serviços ecossistêmicos da floresta, como, por exemplo, os rios voadores, que têm papel-chave no regime de chuvas em todo o Brasil. A liberação de carbono, se esse ponto for alcançado, coloca a meta climática de 1,5 graus do Acordo de Paris fora de alcance.
Esses ataques à floresta e aos povos que vivem nela representam, portanto, riscos reais para a vida da população da América do Sul e do mundo em geral. A Amazônia é fundamental para a natureza global, pois 10% das espécies do mundo são encontradas lá, e também para o clima, sendo responsável pelo regime de chuvas de toda América do Sul, além da regulação do clima global.
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Análise revela que municípios com presença de garimpo têm condições de vida ainda piores que a média amazônica, já mais baixa que a nacional por razões históricas
Nos últimos anos, pesquisas e reportagens vêm mostrando exaustivamente como o garimpo contamina cursos d' água e fontes de alimentação, amplia o desmatamento, a disseminação de doenças, o consumo de drogas e álcool, a criminalidade e a violência. Os impactos são mais diretos para os povos indígenas, mas abrangem outras populações e áreas da Amazônia.
Agora, um estudo do ISA comprova que a exploração mineral predatória não só não promove o desenvolvimento como derruba os indicadores sociais onde ocorre na região. A ideia de que a atividade traz progresso, portanto, é um mito.
O levantamento aponta que o Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo é de apenas 52,4, menor do que a média para a Amazônia, de 54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3. O IPS médio dos municípios garimpeiros é 4% menor que a média amazônica e 20% menor que a média nacional.
O IPS amazônico é menor do que o nacional por fatores estruturais históricos e estruturais, como baixo desenvolvimento econômico, ausência de políticas públicas, gargalos de logística e transporte diante de grandes distâncias, entre outros.
O IPS é um indicador internacional que combina três dimensões - “necessidades básicas de sobrevivência”, “fundamentos do bem-estar” e “oportunidades” - por meio de uma série de indicadores sociais e ambientais, provenientes de bases de dados internacionais, além de pesquisas de percepção, com objetivo de identificar o cenário, os desafios e as possibilidades de progresso social dos países (saiba mais no quadro no final da notícia).
Segundo Antonio Oviedo, assessor do ISA e um dos autores do estudo, além da redução do progresso social, o garimpo provoca várias outras mazelas socioambientais, o que gera gastos públicos desnecessários e problemas quase irreversíveis para as comunidades afetadas.
“O avanço da área degradada pelo garimpo, além de ampliar os impactos ambientais e reduzir as condições para o progresso social, gera enormes gastos públicos como, por exemplo, despesas para o sistema de saúde, segurança pública, assistência social e fiscalização ambiental”, enfatiza o pesquisador.
Situação nos estados e municípios
Para se ter uma ideia da situação, os municípios de Roraima com presença de garimpo tem um IPS médio 7% mais baixo que o da Amazônia e 20% menor que o do Brasil. No Pará, os municípios garimpeiros têm um IPS médio 5% menor que o da Amazônia e 18% menor que o nacional.
Entre 2014 e 2021, o IPS dos municípios do Pará e de Roraima com garimpo em Terras Indígenas caiu de 51,81 para 50,90, uma queda de 2%. Já nos municípios sem áreas degradadas pela atividade foi registrado um pequeno aumento de 1%, com o índice subindo de 52,35 para 52,97.
Dados de outras pesquisas reforçam a gravidade do problema. Três municípios da lista dos dez com menores IPS afetados pelo garimpo estão na relação dos 30 municípios mais violentos do país, segundo o Anuário Brasileiro de Violência Pública 2022. Jacareacanga (PA) está em 2º lugar, com um índice de 199,2 mortes violentas intencionais (MVI) por 100 mil habitantes. Cumaru do Norte (PA) está na 16ª posição, com 113,2 MVIs/100 mil, e Bannach (PA) está na 30ª posição, com 101,8 MVIs/100 mil.
A presença dos três municípios no ranking faz parte de um contexto: a violência letal na Região Norte é 38% superior àquela das demais regiões do país. Ao contrário do resto do Brasil, as mortes violentas estão crescendo na região, conforme a mesma publicação (saiba mais).
Seis milhões de pessoas afetadas
O garimpo afeta pelo menos 216 municípios e uma população estimada de 6 milhões de pessoas na Amazônia Legal, ainda de acordo com o levantamento do ISA. Todos os estados da região têm garimpo, exceto o Acre. Em 2020, o Pará estava em primeiro lugar em termos de área degradada pela atividade, com 86,8 mil hectares, seguido pelo Mato Grosso, com 29,5 mil hectares, Rondônia, com 6,5 mil hectares, e Roraima, com 480 hectares.
Mais de 90% da área de garimpo no território nacional está na Amazônia Legal. A extensão total explorada pela atividade na região saltou de 10,1 mil hectares para 124,2 mil hectares, entre 1985 e 2020, um aumento de 1.127% ou mais de 10 vezes, de acordo com o MapBiomas. O número de árvores abatidas pode chegar a pelo menos 71,4 milhões. Um hectare corresponde mais ou menos a um campo de futebol.
Um total de 10,8 mil hectares degradados pelo garimpo estão em Terras Indígenas, o que representa 8,7% da área degradada pelo garimpo na Amazônia Legal, segundo o MapBiomas. As Terras Indígenas mais afetadas são: Kayapó (PA, 7.988,9 hectares), Mundurucu (PA, 1.765,2 hectares), Yanomami (AM-RR, 550,6 hectares), Sawré Muybu (PA, 213 hectares) e Sararé (MT, 135,7 hectares). A Constituição não permite o garimpo nas Terras Indígenas.
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, o aumento da área degradada pelo garimpo em Jacareacanga (PA) foi de 269%. Mais de 98% da extensão do município é sobreposto à Terra Indígena Mundurucu e, no mesmo período, foram devastados 2,2 mil hectares nessa área protegida (saiba mais).
Entre 2020 e 2021, o garimpo ilegal avançou 46% na Terra Indígena Yanomami (RR-AM). Entre 2019 e 2020, já havia sido registrado um salto de 30%. De 2016 a 2020, o garimpo cresceu nada menos que 3.350% na área. Em dezembro de 2021, mais de 3,2 mil hectares já haviam sido devastados pela atividade no território (saiba mais).
Impactos socioambientais
As florestas nas regiões impactadas pelo garimpo são degradadas e já sofreram uma redução de 23% em sua área entre 1985 e 2020, o que representa uma perda de mais de 141 milhões de árvores adultas, ainda segundo o levantamento do ISA. No mesmo período, foi registrado um aumento de 1.235% nas classes de uso antrópico terra (agricultura, pecuária, urbano, mineração). Vale lembrar que a redução das florestas na Amazônia pode levar a uma redução de 25% das chuvas no Brasil.
Além disso, o garimpo impacta diretamente os rios na Amazônia Legal, comprometendo o fornecimento de água potável para a população local e nacional. Em 36 anos de dados do MapBiomas, é possível identificar um grande avanço da degradação pelo garimpo sobre os recursos hídricos. Em 1985, foram detectados 229 km de rios impactados, e em 2020 esse número saltou para 2,6 mil, um aumento de 1037%.
No início deste ano, a mudança de cor do rio Tapajós chamou atenção internacional: da cor verde esmeralda, as águas do rio localizado em Alter do Chão, no Pará, transformaram-se em barrentas e opacas. Após laudo da Polícia Federal (PF), concluiu-se que a mudança de cor foi provocada pelo garimpo e pelo desmatamento na região.
O material coletado pelos peritos comprovou que o aumento drástico na quantidade de sedimento nas águas teve origem no Mato Grosso, em rios que desaguam no Tapajós. A estimativa da PF é que os garimpeiros tenham despejado cerca de 7 milhões de toneladas de rejeitos no Tapajós e, ainda, os investigadores alertam para o risco da presença de produtos químicos no rio, como mercúrio e cianeto, geralmente usados por garimpeiros no processo de extração de minérios e altamente tóxicos para saúde humana.
Como é composto o IPS
O IPS é um indicador que combina três dimensões e uma série de indicadores sociais e ambientais, a partir de bases de dados internacionais e pesquisas de percepção.
Para chegar aos resultados do estudo, foi realizado o cruzamento entre os dados do IPS 2021, produzidos pelo Projeto Amazônia 2030, e da ocorrência de garimpo nos municípios da Amazônia Legal, disponíveis pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
Por que é importante deter o garimpo?
- - Além de provocar impactos ambientais graves, o avanço da área degradada pelo garimpo gera enormes gastos públicos desnecessários, por exemplo, em despesas e sobrecarga no sistema de saúde, segurança pública, assistência social e fiscalização ambiental.
- A Amazônia guarda 25% das reservas de carbono acima do solo das florestas do mundo. Se esse carbono for liberado para a atmosfera, poderia tornar o aquecimento global ainda mais catastrófico, com consequências devastadoras, por exemplo, para a agricultura e a geração de energia. O fim da floresta pode levar a uma redução de 25% das chuvas no Brasil, conforme um estudo da Universidade de Princeton (EUA).
- - O mercado pede cada vez mais o fim da mineração ilegal. Há uma enorme pressão vinda dos mercados, dos investidores e iniciativas para excluírem do comércio exterior os produtos “contaminados” pelo garimpo.
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Publicação será lançada em Brasília e São Paulo, simultaneamente, na próxima sexta (7), às 19h. São 23 artigos de pesquisadores e especialistas de organizações a sociedade civil
Entre pesquisadores, ambientalistas, sociedade civil e grande imprensa, é consenso que o governo Bolsonaro é o pior para o meio ambiente e para os povos tradicionais no Brasil desde a redemocratização.
O impacto nas Unidades de Conservação (UCs) é evidente. Entre 2018 e 2021, o desmatamento nas UCs da Amazônia subiu de 76 mil hectares para 140 mil hectares, um acréscimo de 45%, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre 2019 e 2021, período da atual administração com dados já consolidados, a taxa bateu três recordes sucessivos, todos acima de 100 mil hectares, acompanhando a alta das taxas gerais de destruição da floresta no mesmo período. Um hectare corresponde a mais ou menos um campo de futebol.
Na próxima sexta-feira (7), às 19h, o ISA lança o livro “Como proteger quando a regra é destruir”, que avalia a situação atual, perspectivas e desafios do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUCs), considerando o contexto de desmonte da política ambiental promovido pela gestão Bolsonaro.
A publicação é organizada por Nurit Bensusan e Antonio Oviedo, ambos assessores do ISA, e editada pela editora Mil Folhas, do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). O lançamento será feito simultaneamente em São Paulo e Brasília, com debates com a participação de alguns dos autores dos artigos do livro (mais informações ao final do texto).
Em 23 artigos de pesquisadores e técnicos de organizações a sociedade civil, o livro analisa o papel das UCs na proteção da floresta; o panorama de ameaças a elas, como a grilagem de terras e o garimpo ilegal; estratégias de monitoramento; a situação das comunidades tradicionais e a importância de seus conhecimentos para a conservação e o equilíbrio climático; as áreas protegidas marinhas, entre outros.
“Enquanto insistirmos em transformar esse planeta convidativo em um mundo hostil para nós mesmos, não haverá futuro, nem país. É essencial recuperar estratégias e possibilidades de proteger a biodiversidade e os modos de vida de povos e comunidades que garantem a persistência dessa biodiversidade”, aponta Bensusan. “Mas não basta recuperar as políticas e instituições, temos que fazer mais, temos que reinventar a conservação para além da visão tecnocrática e colonial”, completa.
Esperança
“Nunca tivemos tantas invasões de áreas protegidas, tantas propostas de mudança nas normas e leis visando fragilizar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação; nunca antes tantos tomadores de decisão se posicionaram de forma aviltosa contra a conservação da natureza; nunca se registraram tantos atentados contra bens públicos relacionados à conservação ambiental no Brasil”, denuncia a assessora do ISA Adriana Ramos na apresentação da obra.
“Ainda assim, é nas áreas protegidas que residem as maiores esperanças do país quanto à proteção do patrimônio natural e ao cumprimento de compromissos e acordos internacionais visando à conservação da biodiversidade e o
enfrentamento das mudanças climáticas”, continua.
Serviço
Como proteger quando a regra é destruir
Lançamento simultâneo em São Paulo e Brasília
Sexta, 07/10 - 19h
Locais
São Paulo
Floresta no Centro, Galeria Metrópole, 2º mezanino, Centro
Debate com Antonio Oviedo (ISA), Sueli Ângelo Furlan (USP), Cláudio Maretti (USP) e Mariana Napolitano (WWF-Brasil)
Brasília
Memorial Darcy Ribeiro , campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB), Asa Norte, Plano Piloto.
Debate com Nurit Bensusan (ISA), Mauricio Guetta (ISA) e Ana Paula Prates (Instituto Talanoa)
O livro poderá ser comprado em:
Loja virtual do ISA | @socioambiental
Livraria Virtual do IEB e Editora Mil Folhas
Loja do ISA, Floresta no Centro, Centro de São Paulo
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB); CLN 211 – Bloco B, sala 101-102, Asa Norte, Brasília
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Organizações da sociedade civil, entre elas o ISA, protocolaram um pedido, na última sexta-feira (19), para entrar como amici curiae (“amigos da corte”) da ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a declaração de inconstitucionalidade da lei que permite a redução e até a eliminação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas margens de rios em cidades. O amici curiae é uma instituição ou pessoa que fornece informações e auxilia as partes em um processo judicial
A nova legislação é considerada por especialistas como o mais grave retrocesso ambiental no atual governo. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi protocolada, em abril, pelo PSB, PSOL, PT e Rede. Além de alegar que a norma viola a Constituição, a ADI pede medida cautelar para suspender imediatamente seus efeitos.
Votado pelo Congresso no ano passado, o Projeto de Lei (PL) que originou a Lei n.º 14.285/2021, conhecida como “Lei das APPs Urbanas”, tramitou em tempo recorde: foi aprovado sem audiências públicas, sem passar em comissões e em votações expressas nos plenários da Câmara e do Senado. A norma foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no apagar das luzes de 2021, em 29 de dezembro.
Com a lei, cada um dos 5.570 municípios brasileiros fica autorizado a reduzir ou mesmo eliminar as APPs hídricas dentro do perímetro urbano, possibilitando o desmatamento e a instalação de imóveis e empreendimentos de impacto nessas áreas sensíveis. A medida altera o Código Florestal, que determina uma faixa de 30 a 500 metros para as áreas de proteção que não foram desmatadas antes de 2008, dependendo da largura do curso d’água, em todo país.
Em fevereiro, a Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal manifestou-se contra as alterações. O colegiado entendeu como inconstitucional a permissão para que municípios reduzam a proteção estabelecida pela legislação federal.
De acordo com o Código Florestal, as APPs são áreas essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico, prestando serviços ambientais como a preservação dos recursos hídricos, da biodiversidade e a manutenção dos solos, garantindo a estabilidade do solo e prevenindo catástrofes com enxurradas e deslizamentos de terra, como a que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, em junho.
Na ação, o ISA, Observatório do Clima, SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica e a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) afirmam que, entre os efeitos mais nocivos da lei, estão a autorização para novos desmatamentos e a instalação de novas ocupações e atividades poluentes de alto impacto ambiental nas margens de rios, sem qualquer estudo técnico.
Antes, apenas excepcionalmente atividades econômicas poderiam ser instaladas nessas áreas, sob justificativa de “utilidade pública, interesse social ou baixo impacto”. Agora, com a nova lei, qualquer empreendimento ou ocupação pode ser realizada nas margens de rios, desde loteamentos de casas até indústrias poluentes. A norma libera até mesmo atividades proibidas pelo próprio STF, como as de tratamento de lixo, que podem gerar contaminação dos rios.
Municípios já reduzem APPS
“Os rios e a biodiversidade não conhecem fronteiras municipais. Os desmatamentos e os consequentes danos cometidos por um município serão sentidos em outros municípios, estados e até países”, afirma Maurício Guetta, assessor jurídico do ISA. “Deixar que cada um dos 5.570 municípios desrespeite o piso mínimo federal e defina suas margens de proteção a rios, inclusive com a possibilidade de simplesmente eliminá-las, configura uma das mais graves ameaças ao equilíbrio ecológico”.
Vários municípios já começaram a reduzir ou eliminar APPs de cursos d’água. Menos de dois meses depois da edição da nova legislação federal e sem qualquer processo de avaliação técnica, Tiradentes do Sul (RS) aprovou uma lei municipal que prevê faixas marginais de 2,5 metros.
Trata-se de uma proteção insignificante para manter as funções dessa vegetação, como explica João de Deus Medeiros, coordenador-geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica. "Ter uma faixa ripária de 2,5 metros ou nenhuma faria pouca diferença, já que as funções remetidas a essa faixa ripária, com uma extensão tão reduzida, teriam um comprometimento completo de sua eficácia”.
Para ele, essa é a razão maior para defender a manutenção de um parâmetro mínimo nacional, como estabelece o Código Florestal. “Sabemos que nos municípios há muita pressão e interesses para ocupação dessas áreas, notadamente em virtude da especulação imobiliária típica das áreas urbanas. Remeter aos municípios a competência plena nessa matéria poderá gerar prejuízos socioambientais sérios”, ressalta.
Na contramão do mundo e da comunidade científica, a Lei das APPs Urbanas também contribui para o agravamento da crise climática nas cidades. “Nesse momento em que os efeitos de eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas globais se expressam em diversos municípios, deixando prejuízos de toda ordem para a coletividade, sejam pelas inundações e deslizamentos de encostas, seja pelas estiagens prolongadas que afetam a segurança hídrica de milhões de pessoas, a manutenção dessa lei reflete uma grande irresponsabilidade; configura um atentado à segurança e sustentabilidade das zonas urbanas”, explica Medeiros.
A petição das organizações da sociedade civil argumenta que o setor que mais emite gases causadores da emergência climática é o de “mudança do uso da terra”, com 46% do total, o que está diretamente ligado ao desmatamento. “Diante desse quadro, a abertura de faixas marginais de preservação permanente para novos desmatamentos atenta contra a necessidade de redução das emissões de gases causadores das mudanças do clima”, diz.
84% das APPs urbanas preservadas
A petição também analisa a questão hídrica no país. De acordo com estudo do MapBiomas, em pouco mais de três décadas o país perdeu mais de três milhões de hectares de superfície coberta por água, área maior do que o estado de Alagoas, ou seis vezes maior do que o Distrito Federal. O problema tem relação direta com o desmatamento das APPs.
“O estado de Mato Grosso do Sul, no Pantanal, perdeu 57% de suas águas no período. Na Amazônia, bioma qualificado como patrimônio nacional, o Rio Negro perdeu 22% de sua superfície de água. Já o Rio São Francisco, um dos mais relevantes do país, perdeu cerca de 50% de sua superfície de água nas últimas três décadas”, diz o pedido feito na ADI.
A análise inédita das áreas ainda preservadas num raio de até 30 metros das faixas marginais de rios em perímetros urbanos produzida pelo MapBiomas foi feita para contribuir com o julgamento da ADI e incorporada à manifestação das ONGs. Em 2020, essas áreas ainda intactas representavam 84% do total. “O que significa que grande parte das faixas marginais de rios em áreas urbanas está preservada, podendo ser destruída caso prevaleçam os efeitos da Lei”, argumenta a petição.
O estudo analisou ainda 17 municípios da Amazônia Legal e da Bacia do Paraná, regiões de alta relevância para o equilíbrio ecológico nacional. Nesses municípios, 82% das faixas ciliares de 30 metros estão cobertas por vegetação. “O atual cenário hídrico brasileiro, de rápida perda de capacidade hídrica e de seguidas e crescentes crises de abastecimento público, intensifica a necessidade de proteção efetiva das APPs para a garantia de água para as presentes e futuras gerações”, argumentam as organizações ambientalistas.
A escassez hídrica também traz impactos econômicos que vão além da crise de abastecimento para as residências. A redução de vazão nos rios afeta o transporte de commodities e o suprimento de alimentos. A agricultura irrigada sofre com altas nos custos e perdas de produção. No setor elétrico, o aumento de custos em 2021 foi generalizado não apenas na conta de energia, mas em todos os setores produtivos.
“De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico, os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, que geram 70% da energia do país, operavam em 2021 com a mais baixa capacidade da história”, completa o texto do amici curiae.
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