Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Para sociedade civil e pesquisadores, proposta não resolve efeitos da estiagem e vai agravar crise hídrica e energética. PL vai direto para Câmara, sem passar no plenário, se não houver recurso em contrário
Texto atualizado em 9/7/2022, às 9:00.
A Comissão de Agricultura do Senado (CRA) aprovou, na manhã desta quinta (7), um projeto que permite suprimir matas de beira de rio para facilitar a construção de barragens, reservatórios, infraestruturas para irrigação e abastecimento de rebanhos.
De autoria do senador ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS), o Projeto de Lei (PL) 1.282/2019 altera o Código Florestal para classificar essas obras como de “utilidade pública e interesse social”, o que reduzirá as restrições ao desmatamento das Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas propriedades rurais (saiba mais no quadro ao final da notícia).
A perda de vegetação nas APPs e a construção indiscriminada de represas colocam em risco outros usos da água, como o abastecimento humano e a geração hidroelétrica. O desmatamento nessas áreas provoca erosão e o assoreamento dos rios, o que pode agravar enchentes e inundações. Para pesquisadores e organizações da sociedade civil, a conversão da proposta em lei vai acirrar a disputa por fontes de água e agravar as crises hídrica e energética que o país vem sofrendo.
O projeto foi aprovado por 8 votos a 1. Apenas Eliziane Gama (Cidadania-MA) foi contra. Os dois requerimentos para realização de audiências públicas apresentados pela oposição, atendendo ao pedido de cientistas e ambientalistas para aprofundar a discussão do tema, foram rejeitados. Na véspera, em conversa com representantes de organizações não governamentais, o relator, Esperidião Amin (PP-SC), sinalizou que poderia aceitar a solicitação, mas não foi o que fez.
Votaram a favor da proposta Heinze, Amin, Kátia Abreu (PP-TO), Luiz Carlos do Carmo (PSC-GO), Roberto Rocha (PTB-MA), Wellington Fagundes (PL-MT) e Fábio Garcia (União Brasil-MT). Nenhum outro parlamentar participou da sessão, além do presidente da comissão, Acir Gurgacz (PDT-RO).
Agora, o PL 1.282 segue direto para a Câmara, a não ser que um recurso seja apresentado para que vá ao plenário do Senado. São necessárias as assinaturas de nove parlamentares para viabilizá-lo. Eliziane Gama deverá apresentar o pedido e, de acordo com sua assessoria, já há subscrições suficientes.
Efeitos da estiagem
Amin justificou que o projeto pretende atenuar os efeitos das estiagens para os produtores rurais e que não teria impacto na geração hidrelétrica, embora seus efeitos possam afetar a disponibilidade de água em geral no país.
“Reincidentemente, a estiagem provoca prejuízos, aflições e desequilíbrios sociais”, afirmou. “Este projeto conseguiu chegar ao razoável equilíbrio entre a preocupação ambiental, que eu tenho também, e a redução da insegurança hídrica em pequenas propriedades”, defendeu.
O senador reconheceu que os períodos de chuva estão cada vez mais irregulares em seu estado, mas não mencionou o alerta recorrente dos cientistas de que fenômenos semelhantes, consequência das mudanças climáticas, estão sendo causados justamente pelo desmatamento, entre outras causas.
No novo relatório apresentado hoje, Amin ainda incluiu a aquicultura como uma das atividades que serão facilitadas pelo projeto, o que poderá trazer mais impactos às APPs e aos mananciais de água.
“Uma lei desse porte, autorizando represamento indiscriminado de rios para irrigação de cultivos de grãos e abastecimento de rebanhos bovinos, seria como furar a caixa d'água do Brasil. Poderia gerar inúmeros conflitos judiciais entre entes da federação, ameaçar o pacto federativo e violar funções dos órgãos de controle", critica Kenzo Jucá, assessor legislativo do ISA.
“O agronegócio usa cerca de 80% do total da água consumida no país, segundo dados oficiais. Esse índice seria ampliado, caso o projeto vire lei. Os 20% restantes do consumo, em média, são para abastecimento urbano e indústria. Vai faltar água para alguém. É obvio”, completa.
No novo parecer apreentado nesta quinta, Amin acrescentou, como condições para autorizar a intervenção nas APPs, a inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Ruaral (CAR), a exigência de licenciamento estadual e da outorga de uso da água, além da conformidade a normas dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (Consemas) e planos de bacia. Jucá avalia, porém, que as salvaguardas não garantem a segurança hídrica para os barramentos.
‘Boiadas’ antiambientais
O PL é mais uma das “boiadas” antiambientais que tiveram tramitação acelerada por decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O termo “boiada” refere-se à expressão usada pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, numa reunião ministerial em maio de 2020, para orientar o governo a aproveitar que a atenção da mídia estava na pandemia para enfraquecer as normas ambientais no país.
Atendendo a um requerimento da oposição, Pacheco decidiu que o projeto passaria nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura. Dias depois, mudou de ideia e remeteu-o apenas ao segundo colegiado, dominado pela bancada ruralista. É o presidente da casa que decide em que instâncias a proposta será apreciada.
A medida vai contra a promessa feita pelo senador a artistas e nove ex-ministros do Meio Ambiente, em março, depois da mobilização do Ato pela Terra, de que projetos com retrocessos ambientais seriam debatidos na “cadência devida” nas “comissões permanentes e temáticas”.
“A proposta, distribuída apenas para a CRA de forma terminativa, deveria necessariamente passar pelo crivo da Comissão de Meio Ambiente, pois pretende alterar o Código Florestal, notadamente com impactos sobre um de seus pilares, as APPs, resguardadas pela Constituição Federal”, argumenta Eliziane Gama.
A aprovação do PL 1.282 na CRA faz parte da corrida de ruralistas e governo para fazer avançar proposições que reduzem controles e restrições ambientais diante das eleições de outubro, do término da legislatura e do possível fim da gestão Bolsonaro. Em ano eleitoral, o tempo de trabalho legislativo é reduzido porque os parlamentares mergulham nas campanhas. O Congresso fica vazio, do recesso, que deve começar no fim da semana que vem, até o fim das eleições. Assim, há pressa para aprovar propostas que possam ser apresentadas como “trunfo” aos eleitores.
No final de 2021, governo e ruralistas já haviam conseguido aprovar a Lei 14.285, que transferiu aos municípios a competência para definir o tamanho das APPs às margens de cursos d’água nas zonas urbanas, permitindo dispensar as diretrizes do Código Florestal e até eliminar essa proteção.
O que é o Código Florestal?
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)
O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isenta parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação. No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova legislação prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.
Área de Preservação Permanente (APP)
De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
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O sócio fundador do ISA Márcio Santilli analisa o quadro de violência na Amazônia à luz do desgoverno do desgoverno de Bolsonaro e de seu discurso vazio sobre a região. Artigo publicado originalmente no portal da Mídia Ninja, em 23/06/2022
A última semana foi fortemente marcada pela catártica dor causada pela confirmação do assassinato de Bruno Pereira e de Dom Phillips, nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Três dos autores do crime estão presos, um deles confessou e outro se entregou à polícia. Fala-se de mandantes ligados ao narcotráfico e há responsabilidades políticas a serem cobradas. A Polícia Federal vacila em aprofundar as investigações, que o presidente Bolsonaro, em plena campanha reeleitoral, quer encerrar.
Entre abjetas aberrações proferidas por Bolsonaro, tentando responsabilizar as vítimas pelo próprio assassinato, coube ao ministro da Justiça, Anderson Torres, informar, oficialmente, sobre a localização dos corpos, chamados por ele de “remanescentes humanos”. O malabarismo verbal ministerial deveu-se à circunstância de que Bruno e Dom, depois de mortos, tiveram os seus corpos esquartejados. A extrema brutalidade do crime inspirou a licença poética do ministro.
O que remanesce dessa história cheira muito mal para Torres, Bolsonaro e ideólogos das Forças Armadas, que recorrem à defesa retórica da soberania nacional para atacar os críticos às políticas do governo para a Amazônia, os povos indígenas, os direitos humanos, as mudanças climáticas, etc. O mundo inteiro assistiu um filme de horror em tempo real, num território sem lei, num país desgovernado, com enredo determinado pelo crime organizado.
Defesa de quem?
Durante o período democrático recente, o Brasil fez investimentos consideráveis para aumentar o controle militar sobre as fronteiras. Várias unidades do Exército foram transferidas de outras regiões para a Amazônia e um colar de batalhões foi instalado ao longo da fronteira norte. O Projeto Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), com a instalação de potentes radares em pontos estratégicos, deveria permitir o controle do espaço aéreo regional. A Marinha também teve a sua estrutura reforçada em algumas áreas, inclusive no Alto Solimões.
O artigo 17-A da Lei Complementar nº 97/1999 assim dispõe sobre o exercício o poder de polícia na da faixa de 150 km ao longo das fronteiras nacionais: “Cabe ao Exército Brasileiro, além de outras ações pertinentes, […]: IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, […]”. São atribuições afetas a vários dos casos recentes de violência ocorridos em Rondônia, Roraima e, também, no Vale do Javari.
Por isso causou espanto a nota emitida pelo Comando Militar da Amazônia, logo após o desaparecimento do Bruno e do Dom, dizendo que ainda aguardava “ordens superiores” para reagir ao fato. Pareceu uma forma de dizer que havia alguma ordem para não agir. É a Polícia Federal quem lidera as investigações. Não há inteligência militar suficiente para isso.
A postura do Ministério da Defesa tem gerado críticas e suspeitas de desvio de função. Enquanto se deixa usar em movimentos estranhos que questionam o sistema eleitoral, vai dando sucessivas demonstrações de leniência diante da atuação do narcotráfico, do garimpo predatório e de outras empresas criminosas na Amazônia. O Alto Comando parece não perceber, ou não se importar, com o desgaste que essa situação gera junto aos melhor informados.
Resistência à mudança
O remanescente mais desumano é o próprio Bolsonaro. Ele consegue desumanizar quase um terço da população. Mas, para isso, cristaliza a sua rejeição pelos outros dois terços. Da sua boçalidade, o povo brasileiro poderá se livrar nas eleições de outubro. Esse passo será fundamental para impedir que o país se afunde de vez, multiplicando remanescentes humanos.
Este será apenas o primeiro passo. A violência é resiliente. O crime organizado vai remanescer e tentar manter a soberania conquistada sobre grande parte da Amazônia durante o governo Bolsonaro. O crime está armado e capitalizado. Para reverter essa situação, será preciso estratégia, inteligência e perseverança para cortar as suas conexões internas e internacionais. Enquanto isso, a violência poderá se intensificar ainda mais no curto prazo.
Sob novo governo, com comandos militares renovados, haverá oportunidade para rever a atual estrutura de defesa, que tem sido lenta e pouco efetiva em evitar, ou reagir, aos ilícitos amazônicos. Mas a experiência dos anos recentes demonstra que remanesce, nas Forças Armadas, uma cultura política corporativa completamente desatada dos desafios civilizatórios deste século.
Não é a existência da floresta e a presença dos povos indígenas que abalam a soberania brasileira sobre a Amazônia. Não é crível que governos de países vizinhos ou outros se atrevam a ameaçar nossas fronteiras. O abalo vem da demonstração da incapacidade do país em gerir a região de forma racional, do avanço descontrolado do desmatamento e da mineração predatória, da grilagem de terras públicas e da ação do crime organizado. Além de lesar o país, a predação da Amazônia afeta objetivamente o mundo todo.
O resgate da soberania nacional na Amazônia não precisa de retórica vazia, mas depende da demonstração da capacidade efetiva do país de combater os ilícitos e de privilegiar o desenvolvimento sustentável em detrimento da predação dos recursos naturais. Depende do protagonismo dos povos da floresta, ameaçados e encurralados no atual ciclo de violência. E se completa com o justo reconhecimento internacional.
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Polícia Federal informou que um dos suspeitos confessou ter participado de crimes. Corpos e pertences de vítimas ainda estão sendo periciados e barco será analisado nos próximos dias
Texto atualizado em 17/6/2022, às 8:43.
A Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas confirmou, na noite desta quarta-feira (15/6), em entrevista coletiva em Manaus, que os corpos que seriam do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira foram encontrados perto da comunidade ribeirinha de São Rafael, na região do município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do estado do Amazonas. Os dois estavam desaparecidos desde domingo (5).
De acordo com a PF, Amarildo da Costa, conhecido como “Pelado”, confessou a participação nos assassinatos de ambos. Ainda na quarta, ele foi levado por policiais ao local onde estariam os restos mortais das vítimas.
Outro suspeito já preso é o irmão de Amarildo, Oseney da Costa Oliveira, conhecido como “Dos Santos”. Ele negou a participação nos crimes, mas há “provas em seu desfavor”, segundo o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes. Fontes também confirmou que há um terceiro suspeito em investigação já preso.
O superintendente da PF reforçou que só será possível ter “100% de certeza” sobre a identidade dos cadáveres e sobre como as vítimas foram mortas após a conclusão da perícia. Apesar disso, informou que Amarildo contou que teria sido usada uma arma de fogo. O policial não deu mais detalhes, justificando que as investigações correm sob sigilo.
No início da semana, a PF tinha encontrado documentos de Pereira e objetos pessoais dele e de Dom. Os pertences foram enviados para perícia em Manaus. Os itens estavam próximos à casa de Amarildo, na comunidade de São Rafael, submersos e amarrados a uma árvore, para que não fossem encontrados. O barco em que estavam Phillips e Pereira também teria sido afundado com uso de sacos de terra para que não fosse encontrado. A embarcação ainda não foi encontrada.
Amarildo havia sido preso em flagrante, na terça-feira (7/6), por posse de drogas e de armas, uma delas de uso restrito. Também foram encontrados vestígios de sangue, que estão em análise, no barco do suspeito.
Linha investigativa
Nos últimos dias, com base em vazamentos vindos da própria PF, veículos da imprensa divulgaram que Amarildo teria esquartejado e enterrado os corpos. Os assassinatos teriam sido cometidos por causa dos registros feitos por Phillips e Pereira sobre a pesca ilegal realizada por invasores na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, a segunda maior do país, com 8,5 milhões de hectares. A polícia suspeita que a atividade era usada para lavar dinheiro do narcotráfico praticado na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Pouco antes de desaparecer, além da documentação da prática dos crimes, Pereira estava fazendo conversas com indígenas, ribeirinhos e autoridades locais para tentar conter a pesca ilegal na região e obrigar alguns dos invasores a aderirem a práticas legais de manejo pesqueiro. Recentemente, o servidor realizou um grande mapeamento das atividades ilícitas na TI Vale do Javari. O material foi entregue a órgãos como o Ministério Público Federal (MPF).
Ele vinha recebendo ameaças há algum tempo por causa disso. De acordo com áudios do próprio Bruno divulgados pelo site G1, os pescadores ilegais vinham inclusive atirando nas equipes de fiscalização da Funai.
Já Dom Phillips era um experiente e reconhecido repórter que colaborou para jornais importantes, como os norte-americanos New York Times e Washington Post e, principalmente, para o britânico The Guardian. Morava há 15 anos no Brasil, tinha conhecimento da Amazônia e estava escrevendo um livro sobre os principais problemas ambientais da região e como solucioná-los.
Univaja confirma crimes
Na coletiva em Manaus, chamou atenção a ausência de mais informações relevantes, de representantes dos povos indígenas da região e do reconhecimento do seu trabalho e dedicação nas buscas aos desaparecidos.
Pouco antes da entrevista com a PF e integrantes dos órgãos oficiais que auxiliam as investigações, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) divulgou uma nota, também confirmando as mortes.
“Hoje, 15/06/22, após 11 dias de buscas, obtivemos a notícia de que os corpos de Pereira e Phillips, nossos parceiros e defensores dos Direitos Humanos, foram encontrados pelos órgãos competentes envolvidos nas buscas”, diz o texto.
“A UNIVAJA compreende que o assassinato de Pereira e Phillips constitui um crime político, pois ambos eram defensores dos Direitos Humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito ao bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados”, continua a nota.
Exoneração na Funai
Pereira foi chefe da coordenação de Povos Isolados da Funai no Vale do Javari. No final de 2019, foi exonerado do cargo de coordenador geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da sede da Funai, em Brasília, após ser responsável por uma ação de repressão ao garimpo ilegal também no Vale do Javari, com a destruição de dezenas de balsas de garimpo.
“Na conjuntura atual de desmonte da política indigenista e de ataques aos direitos indígenas, ele [Bruno] optou por se afastar do órgão [indigenista] e seguir esse trabalho lá no Vale do Javari, como assessor da Univaja, onde vinha participando de uma série de iniciativas voltadas a proteger o território, produzir informações, subsidiar a atuação do estado com informações qualificadas sobre o conjunto de pressões e ameaças que incidem sobre essa terra indígena”, conta Conrado Octávio, geógrafo associado ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
“Era um profissional extremamente dedicado, competente e comprometido com os povos indígenas do Vale do Javari, onde começou a trabalhar em 2010, quando entrou na Funai”, complementa Octávio.
“No Vale do Javari, ele veio desempenhando um papel fundamental nas ações de proteção territorial, de proteção de povos isolados e de recente contato. Enquanto esteve à frente desse trabalho, estendeu essas ações para muitos outros povos e territórios indígenas”, conclui.
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Editorial do ISA sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, que completa 10 dias nesta quarta-feira 15/6
O ISA expressa a sua mais profunda solidariedade aos familiares, amigos e parceiros do indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, cujo desaparecimento no Vale do Javari (AM) completa 10 dias nesta quarta-feira 15/6.
Queremos manifestar a nossa indignação e revolta contra a violência e a impunidade que tomam conta da Amazônia, com a cumplicidade de autoridades e de órgãos oficiais que têm a obrigação de proteger os povos da floresta e os seus apoiadores.
Repudiamos as tentativas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, de transferir às próprias vítimas a responsabilidade pelos crimes hediondos que provavelmente sofreram
Ressaltamos que Bruno e Dom, quando desapareceram, trabalhavam pela proteção e pelo desenvolvimento sustentável da Terra Indígena Vale do Javari, território com a maior presença de povos indígenas isolados de toda a Amazônia e do mundo.
Enfatizamos que a violência que pode ter sido perpetrada contra Bruno e Dom soma-se a dezenas de outras praticadas contra lideranças indígenas, extrativistas, jornalistas e ambientalistas durante o atual mandato presidencial.
Lamentamos, profundamente, a omissão de instituições essenciais do Estado, como a Procuradoria-Geral da República e o Exército, diante de reiteradas evidências do avanço da atuação do crime organizado na Amazônia. Exigimos a continuidade das buscas e investigações quanto ao desaparecimento de Dom e Bruno. Nos colocamos ao lado das organizações e populações indígenas que não medem esforços no apoio aos familiares, na busca dos desaparecidos e das respostas para o caso.
Apelamos para todas as pessoas e organizações comprometidas com o futuro dos povos indígenas e das populações tradicionais, e com a proteção de nossos biomas, para unirmos as nossas forças e levarmos adiante o projeto por uma Amazônia que viva sob a proteção do Estado de Direito e seja verdadeiramente livre e sustentável.
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Indigenista e jornalista desapareceram na região de Atalaia do Norte. Sociedade civil cobra intensificação das buscas. Nota da campanha 'Isolados ou Dizimados'
A campanha "Isolados ou dizimados" encabeçada pelas organizações Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e pelo OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e que conta com o apoio do Instituto Socioambiental, da Survival, OPAN (Operação Amazônia Nativa), e Uma Gota no Oceano, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) manifesta publicamente sua indignação com o descaso e a lentidão do governo brasileiro nos esforços pela busca de Bruno Pereira e Dom Phillips, desaparecidos no último domingo, 5 de junho, na Terra Indígena Vale do Javari.
As invasões no Vale do Javari por garimpeiros, madeireiros, narcotraficantes, pescadores e caçadores são sistêmicas e, apesar de terem sido denunciadas pelas organizações indígenas locais, a negligência do governo em contê-los tem gerado um grave cenário de violência na região. A ausência e omissão do Estado, nesta e em inúmeras outras terras indígenas em todo o país, tem impulsionado e empoderado esses invasores pela certeza da impunidade por seus crimes.
Bruno Pereira, indigenista experiente e aliado da luta pelos direitos indígenas, atuou durante anos do Vale do Javari. Em 2018 assumiu a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) e chefiou importante expedição de contato com os Korubo. Estava colaborando com a organização indígena Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) no planejamento de ações de proteção do território.
Junto ao Bruno estava Dom Phillips, jornalista britânico que escreve para diversos veículos internacionais, dentre eles o Guardian, que visitava a região para entrevistar indígenas como parte de sua pesquisa para a escrita de um livro.
Até o momento, as buscas para encontrá-los não tiveram resultados, o que traz muita apreensão e temor sobre o que possa ter acontecido com eles.
Manifestamos nossa solidariedade às famílias, amigos e colegas de trabalho de Bruno Pereira e de Dom Phillips e aos povos indígenas do Vale do Javari e de todo o país, que têm tido seus territórios e vidas sistematicamente e constantemente ameaçados.
Campanha Isolados ou Dizimados
10 de junho de 2022
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Monitoramento da Rede Xingu+ aponta desmatamento de mais de 19 mil hectares no mês de abril
O desmatamento voltou a ganhar força em 2022 no Rio Xingu (PA-MT). O mês de abril registrou a maior taxa desde setembro do ano passado, com mais de 19 mil hectares destruídos por toda a bacia. Grosso modo, pode-se considerar 1 hectare como um campo de futebol.
Em comparação a março, o salto é de 81%. Os dados são do Sirad X, sistema de monitoramento remoto da Rede Xingu+, em relatório mensal de desmatamento (acesse o relatório).
O fim das chuvas abre a temporada de desmatamento na região. Assim, grileiros, ladrões de madeira e invasores voltaram a assolar os territórios protegidos e dar continuidade ao alto padrão de desmatamento que se mantém há quatro anos, desde quando a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência com seus discursos anti-indígena e antidemarcação ganharam destaque. (Leia mais: Xingu sob Bolsonaro)
Entre as Terras Indígenas (TI), a Kayapó (PA) registrou mais de 180 hectares desmatados em abril. Já a TI Parabubure (MT) assusta ao ser a segunda TI mais desmatada no mês de abril, com aumento de mais de 4.000% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Os municípios de Altamira (PA) e São Félix do Xingu (PA) ocupam o primeiro e o segundo lugares entre os mais desmatados no mês de abril. Altamira ultrapassou a marca de 8 mil hectares. Já São Félix do Xingu passou dos 3 mil hectares destruídos. Ambos os municípios registraram altas de desmatamento de 204% e 253%, respectivamente, em comparação ao mês de março.
Como se não bastasse, a grande atividade pecuária em São Félix do Xingu contribuiu para o grave cenário de aumento de emissão de gases de efeito estufa. O município concentra o maior rebanho do país, com mais de dois milhões de cabeças e ocupa o posto de maior emissor de gases do Brasil.
Quebra da conectividade do Corredor Xingu
Entre as áreas protegidas, a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu foi a mais destruída, com pouco mais de 6 mil hectares devastados. Sozinha, ela representa 84% do desmatamento nas Unidades de Conservação (UCs) do Xingu. A APA Triunfo do Xingu é historicamente a UC mais desmatada da região em consequência da grande movimentação de grileiros. Os mesmos desmatam para se apossar das terras da unidade.
Ainda entre as áreas protegidas, com aumento de 1.875% em comparação ao mês de março, a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio foi a segunda mais desmatada. E pela primeira vez, desde o início do monitoramento, a Floresta Estadual (Fes) do Iriri registrou desmatamento no mês de abril.
“Este ano o desmatamento começou mais cedo na Fes do Iriri. Historicamente, no monitoramento do Sirad X, que começou em 2018, a temporada de desmatamento começa no mês de maio, mas este ano 453 hectares foram desmatados em abril”, diz Ricardo Abad, analista de geoprocessamento do Observatório de Olho no Xingu. Esta é a maior taxa de desmatamento no território desde maio do ano passado.
O crescente desmatamento nas UCs pressiona os territórios vizinhos e coloca em risco a conectividade do corredor de áreas protegidas do Xingu, que hoje é a última barreira que protege a Amazônia Oriental do desmatamento. São 26 milhões de hectares de florestas protegidas cuja fragmentação pode empobrecer a floresta, afetando milhares de espécies que dependem de sua conexão, fragilizando ainda mais sua capacidade de resistir às mudanças ao seu redor.
Estima-se que 20% da cobertura original da Amazônia já tenha sido desmatada, aproximando a floresta do “ponto de não retorno”, isto é, o momento em que a degradação alcançará um limite após o qual a floresta não conseguirá mais existir como a conhecemos hoje, dando espaço para uma vegetação mais seca, esparsa e vulnerável, sem capacidade para continuar exercendo sua função de provedora de chuva, essencial para toda a América do Sul. A destruição do Corredor Xingu pode acelerar esse processo. Sua proteção, portanto, é fundamental para a garantia da floresta, seus povos e do clima no planeta.
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Portaria publicada, hoje (10), determina tempo insuficiente para proteger o território de indígenas isolados em Roraima
Hoje (10), foi publicada portaria que renova a restrição de uso da Terra Indígena (TI) Pirititi, no sul de Roraima, por apenas seis meses. Esse tempo é insuficiente para garantir os processos de retirada de invasores, enquanto isso, madeireiros e grileiros continuam avançando sob o território dos indígenas isolados da área.
Conforme relatório divulgado, ontem (9), pelo ISA, o desmatamento acumulado no território já atingiu 2.240 hectares e representa mais de 1 milhão de árvores derrubadas. O número toma como base a série histórica dos dados do sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que calcula a taxa de desmatamento oficial da Amazônia, complementados pelo sistema Sirad na TI Pirititi, a partir de abril de 2020 (acesse o relatório completo).
Isolados ou Dizimados
A campanha “#IsoladosOuDizimados” alerta para o risco que quatro povos indígenas isolados de quatro áreas diferentes no país correm, caso o governo federal não tome providências legais para a proteção desses territórios.
Até dezembro de 2022, as TIs Pirititi (RR), Jacareúba-Katawixi (AM), Piripikura (MT) e Ituna-Itatá (PA) estarão desprotegidas, pois os dispositivos que garantem sua sobrevivência, as Portarias de Restrição de Uso, vão vencer.
A campanha tem o objetivo de recolher assinaturas através de uma petição para pressionar a Funai a renovar as portarias e avançar com os processos de demarcação definitiva dos territórios. Acesse a petição
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Nos últimos dois anos, 121 mil árvores foram derrubadas no território, expondo graves conflitos em curso e o aumento da ameaça aos indígenas isolados
Nesta quinta (9), vence mais uma vez a portaria de restrição de uso que garante a proteção dos isolados da Terra Indígena (TI) Pirititi (RR). Publicada há exatamente seis meses, a última portaria comprovou que esse tempo é insuficiente para garantir a proteção efetiva, uma vez que o avanço de madeireiros e grileiros continua a todo vapor rumo ao interior da área.
A situação é apresentada em relatório técnico do ISA, que confirma que as invasões e desmatamentos aumentaram nos momentos mais críticos da pandemia e seguem avançando exponencialmente. O problema coincide com o período que antecede o término da vigência das portarias, é fruto da ausência de operações de fiscalização e da expectativa e especulação dos invasores sobre a não renovação desse tipo de norma, mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Dados oficiais de desmatamento na Amazônia divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, até julho de 2021, foram desmatados 502,4 hectares no interior da TI, o que equivale a cerca de 300 mil árvores derrubadas.
As imagens de alta resolução do satélite Planet mostram diversas áreas abertas ilegalmente, localizadas muito próximo aos limites do território indígena. O desmatamento detectado sugere a abertura de uma estrada vicinal ilegal que já destruiu aproximadamente 72 hectares de floresta e avança em direção ao interior da TI.
O sobrevoo realizado na área, em janeiro de 2022, pelo ISA comprova que clareiras podem ser vistos a olho nu e a destruição da floresta avança de forma avassaladora para o interior do território indígena rumo à região habitada pelos isolados.
O desmatamento acumulado no interior desse território já atingiu 2.240 hectares, mais de um milhão de árvores derrubadas. Essa soma toma como base a série histórica dos dados do sistema Prodes do Inpe (que computa a taxa oficial de desmatamento na Amazônia) complementados pelo sistema Sirad na TI Pirititi, a partir de abril de 2020.
Os registros de desmatamento coincidem com o período que antecede o vencimento da portaria de restrição de uso, que pode abrir caminho a uma invasão ainda mais ostensiva. Como explica Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA:
"Quando o período de vigência da portaria está terminando, ocorre o aumento das invasões nesses territórios, como evidência da expectativa dos invasores de que a demarcação dessas terras não avance. Agregado a isso, a abertura de estradas, vicinais ilegais sem controle dos órgãos socioambientais, facilita o escoamento de madeira saqueada dentro da Terra Indígena."
Invasores se sobrepõem à terra dos isolados
Outra pressão que a TI Pirititi sofre é com o registro irregular de imóveis por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Atualmente, há 40 cadastros inseridos de forma irregular no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Estes registros estão classificados como “ativos” e cobrem uma área que representa 54 % do total da TI.
De acordo com Oviedo, a medida necessária para salvaguardar as vidas dos povos indígenas isolados é a intervenção urgente. Para isso, complementa, permanecem indispensáveis operações de fiscalização para combater a abertura de ramais ilegais e evitar a entrada de novos invasores na TI Pirititi, além de medidas emergenciais para a efetivação dos trabalhos do Grupo Técnico (Portaria 481/2022 de 24.02.2022), constituído para realizar os estudos necessários para a conclusão da demarcação do território. A ausência destas medidas podem provocar o genocídio dos indígenas isolados da TI Pirititi, finaliza o pesquisador.
Pirititi na mira do Linhão
Em Roraima, um estado que protagoniza diferentes conflitos fundiários relacionados à presença de garimpeiros e outros invasores em territórios indígenas, há outros vetores de pressão: a iminência da construção, no sul do estado, do Linhão de Tucuruí. A linha de transmissão pode ser implementada ao longo do eixo da BR-174, que corta a TI Waimiri-Atroari em 125 km e impacta a zona de amortecimento da TI Pirititi.
A obra consiste na construção de torres gigantescas a uma distância segura em relação à estrada, implicando novos desmatamentos ao longo de todo o trecho rodoviário e dificultando a conexão entre as partes do território separadas pela estrada e todos os processos ecológicos envolvidos.
A TI Pirititi faz limite e tem alta conectividade com a TI Waimiri-Atroari, localizada no município de Rorainópolis. Segundo a Funai, essa TI tem um registro “confirmado”, que comprova a existência de um povo indígena em isolamento e, desde 2012, a TI tem uma portaria de restrição, renovada seguidas vezes, que garante a proteção do território.
Contudo, esse mecanismo que protege a TI Pirititi caduca hoje (9) e, até o momento, a Funai não se pronunciou se vai garantir o direito ao território para esses indígenas. A omissão do órgão e o projeto do Linhão podem aumentar as tensões e invasões ao território.
Nas terras indígenas monitoradas pela "Campanha Isolados ou dizimados", a Funai tem demorado a publicar restrições de uso, aumentando a insegurança territorial e com isso proporcionado avanço das invasões, ou em alguns casos, só publicando a portaria de restrição mediante determinação judicial, como foi o caso com a TI Ituna Itatá (PA) (acesse a petição e saiba mais).
Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) em que expediu recomendações para proteger o povo indígena isolado Pirititi, visando a demarcação da TI e a determinação de ações de combate às infrações ambientais.
Em fevereiro deste ano, a Funai publicou a portaria que instituiu o Grupo Técnico para elaboração de relatório de estudos para qualificar a identificação da TI Pirititi. Conforme a norma, o relatório deve ser entregue até julho de 2022 e garantir o início do processo demarcatório. A portaria também previa a realização de trabalhos de campo com período de 30 dias. Até agora, nenhuma viagem dos componentes que compõem o GT foi realizada.
A ação relata que a existência dos Pirititi é ameaçada pelo avanço de madeireiros e grileiros. Em 2018, o Ibama promoveu a maior apreensão de madeira ilegal da história de Roraima (7.387 toras, equivalentes a 15.000 m³), na região dos Pirititi. E nos últimos dois anos, o sistema de monitoramento independente do ISA, o Sirad, vem detectando invasões e pequenos desmatamentos na TI.
Apesar das evidências de invasões e desmatamentos, os procedimentos para formalização da demarcação jamais foram iniciados. Devido à demora em regularizar a área, a ACP pede a realização da demarcação num prazo de três anos.
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Menos tempo de trabalho legislativo gera ofensiva em várias frentes no Congresso. Projetos podem ser votados em plena semana do Dia do Meio Ambiente (5)
Em ano eleitoral, ruralistas e governo lançaram uma corrida para mudar o novo Código Florestal no Congresso, 10 anos após a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) impor uma reforma radical na legislação. A norma completou uma década em 25/5.
Alguns projetos que pretendem alterar a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/2012) estão sendo votados nesta semana ‒ quando se comemorou o Dia do Meio Ambiente, no domingo (5). A expectativa é que as pressões aumentem até o recesso parlamentar, de 18 a 31/7, e após as eleições, no final do ano.
Em articulação com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a FPA pretende votar um pacote de propostas que alega ser favorável à conservação. Ambientalistas e oposição, porém, alertam tratar-se de uma inversão de narrativa, ao estilo bolsonarista. Na verdade, os projetos vão em direção contrária: pretendem anistiar desmatamentos ilegais, permitir intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs), flexibilizar regras do reflorestamento e dos prazos da regularização ambiental.
Nesta quarta (8), na Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara, foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 6.017/2019, que desobriga o registro em cartório da Cota de Reserva Ambiental (CRA), título que atesta que uma área de um imóvel rural tem cobertura vegetal natural e pode ser usada para compensar a falta de vegetação em outra propriedade. O projeto segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se for aprovado, vai à sanção presidencial, a não ser que um requerimento o leve ao plenário da Câmara, porque já passou pelo Senado e tramita em caráter terminativo. Nesse regime de tramitação, após passar por comissões, o projeto segue direto para a outra casa legislativa, sem ser analisado pelo plenário da casa onde está tramitando.
Nesta quinta de manhã (9), está na pauta da Comissão de Agricultura (CRA) do Senado o PL 1.282/2019, que permite desmatar APPs para viabilizar obras de reservatórios e irrigação. Nas últimas semanas, também aumentou a pressão para o colegiado apreciar o PL 2.374/2020, que anistia milhões de hectares desmatados ilegalmente em Reservas Legais (RLs) entre 2008 e 2012. Ambos tramitam em caráter terminativo.
Outros PLs podem ser incluídos na pauta de votações até o fim do ano, dependendo da pressão nos bastidores e da correlação de forças em cada instância. Considerando a gravidade do conteúdo, movimentações na tramitação nas últimas semanas e informações de bastidores, o ISA listou algumas propostas que merecem atenção (veja quadro ao final da reportagem).
Eleições e tramitação acelerada
Após 2012, foram feitas mais alterações na Lei 12.651, mas as eleições de outubro, o término da legislatura e o possível fim da gestão Bolsonaro turbinaram uma ofensiva contra a norma no parlamento. Em ano eleitoral, o tempo de trabalho legislativo é reduzido porque os parlamentares mergulham nas campanhas. O Legislativo fica vazio no segundo semestre até o fim das eleições. Assim, há pressa para aprovar propostas que possam ser apresentadas como “trunfo” aos eleitores.
“O que percebemos é que existe um esforço concentrado da bancada ruralista para aproveitar o que podem ser os últimos meses do atual governo”, aponta a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “No Senado, montamos trincheiras de resistência, mas não sei até quando vamos conseguir resistir, pois não param de chegar matérias novas aprovadas pela Câmara”, completa.
Com a pressão sobre as cúpulas e as comissões das duas casas legislativas, a tramitação dos projetos foi acelerada, muitas vezes levando-os diretamente ao plenário sem passar pelos colegiados especializados em cada tema ou em caráter terminativo. As manobras foram facilitadas pelo regime de votações remotas e trâmite mais rápido da pandemia.
PLs com conteúdo semelhante também vêm sendo pautados em diferentes instâncias e de última hora, sem nenhum debate ou publicidade, para driblar a resistência da oposição e da sociedade civil.
“Com a perspectiva do Lula ganhar as eleições, eles [ruralistas] querem avançar nos retrocessos para tornar um pouco mais difícil depois retomar [a legislação original]”, complementa o deputado Nilto Tatto (PT-SP). Ele avalia que alguns projetos certamente serão questionados na Justiça, se forem convertidos em lei. “O próprio Supremo já tomou uma decisão de que não pode haver retrocessos na política socioambiental. De qualquer forma, há, sim, risco muito grande [de PLs serem aprovados até o fim do ano]”, aposta.
Pressão sobre projetos
Se Arthur Lira trabalha em sintonia fina com ruralistas e bolsonaristas, as pressões sobre Rodrigo Pacheco, que tem atuação um pouco mais independente, também parecem ter resultado. Atendendo a um requerimento, ele decidiu que o PL 1.282/2019 passaria nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado. Dias depois, mudou de ideia e remeteu-o apenas ao segundo colegiado, dominado pela bancada da agropecuária. São os presidentes das duas casas que decidem em que instâncias um projeto será apreciado.
Pacheco também remeteu apenas à CRA o "PL do Veneno" (nº 1.459/2022), que desregulamenta o uso e a venda de agrotóxicos. Se for aprovado, segue para o plenário.
Ambas as medidas vão contra a promessa feita pelo parlamentar a artistas e nove ex-ministros do Meio Ambiente, em março, depois da mobilização do Ato pela Terra, de que projetos com retrocessos ambientais seriam debatidos na “cadência devida” nas “comissões permanentes e temáticas”. Na segunda (6), os ex-ministros enviaram uma nova carta ao presidente do Senado cobrando o cumprimento do acordo.
Em maio, a Climate Policy Initiative (CPI, Iniciativa de Política Climática), vinculada à PUC-RJ, lançou um “barômetro” para avaliar os projetos em tramitação sobre o Código Florestal. Do total de 115 propostas, 13 foram classificadas como nocivas ao meio ambiente em grau médio ou elevado. O restante teria grau mais baixo ou impacto insignificante. Em 2020, um levantamento preliminar havia identificado 56 propostas, chamando atenção para sete com retrocessos relevantes.
A gerente de pesquisa da CPI, Cristina Leme, ressalva que, considerando a metodologia da análise, não é possível dizer que houve um aumento do número de proposições nos últimos meses, mas reconhece que o esforço para mudar a legislação continua crescendo. “A pressão pela alteração só aumenta”, salienta.
Sinalização para desmatar
Pesquisadores e ambientalistas concordam que a reforma do antigo Código Florestal, de 1965, foi um dos fatores que fomentou a retomada do ritmo do desmatamento na Amazônia. O fato foi reconhecido até pelo ministro Luiz Fux, relator das ações sobre a nova legislação julgadas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre 2004 e 2012, a destruição da floresta caiu de 27,8 mil km2 para 4,6 mil km2, uma redução de 83%. Depois da mudança da lei, as taxas voltaram a crescer gradualmente, até explodirem no governo Bolsonaro, chegando a 13 mil km2 no ano passado, o maior índice em 14 anos, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
As anistias a desmatamentos e a redução das restrições ambientais teriam sinalizado aos infratores que a lei poderia continuar sendo descumprida e mais benesses viriam no futuro. As novas propostas legislativas e o discurso em sua defesa agravaram o problema. Também é consenso que o desmonte das políticas ambientais promovido pela gestão Bolsonaro levou a situação ao paroxismo.
“É uma lógica que convida você a desmatar porque, amanhã, a lei vai mudar de novo e você vai ser anistiado. Então você cria uma leniência. A regra é a leniência. Muitas das propostas que tramitam hoje de mudança do Código Florestal tem a ver com isso”, avalia a especialista em Biodiversidade do ISA Nurit Bensusan. “A ideia é sempre essa: diminuir a quantidade de área que deve ser preservada”, lamenta.
“Tem um sentimento de impunidade que está no ar. Eu acho que impunidade, flexibilização e falta de fiscalização ‒ tudo isso faz com que cada um faça o que quer, tente tirar proveito individual, independentemente da lei, o quanto puder”, analisa Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
“A taxa de desmatamento está estourando. E vai continuar nesse compasso. Se a gente continuar com um governo com a mesma proposta, de constante flexibilização, isso vai potencializar enormemente [a taxa]. A gente vai bater recorde de desmatamento ano após ano”, adverte. Para o cientista, reverter a situação exige uma mudança política de 180º no sentido de reerguer as políticas e órgãos ambientais.
“Há 10 anos, a avaliação era que havia se inserido uma anistia dentro da lei florestal. Hoje, podemos dizer que, na verdade, a anistia é que virou regra e se sobrepôs à legislação. Então, estamos na iminência de não ter lei florestal no Brasil, por causa dessas diversas anistias e das novas propostas de mudança nas normas”, aposta Kenzo Jucá, assessor parlamentar do ISA.
'Lei ruim'
“Não acho que isso [as alterações na legislação] vai virar, vamos dizer assim, incentivo para não cumprir a lei agora. O pior é tu não poder fazer as coisas ou, às vezes, nem poder cumprir a própria lei, porque ela está muito ruim. Então, o meu papel como legislador é tentar corrigir isso”, contrapõe o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), integrante da FPA e o autor do PL 399/2022, que facilita intervenções em APPs.
Ele acredita que o aumento da demanda pela produção agrícola e a diversidade ambiental do país, que exigiria normas específicas por região, implicam uma “necessidade permanente de atualização” da legislação. “O ser humano, no meu ponto de vista, nesse aspecto, tem que ser sempre prioridade. Por isso que a gente vai ter que ir fazendo as adaptações devidas, para que isso tudo possa suprir a demanda do ser humano”, conclui.
A reportagem entrou em contato com o presidente da FPA, deputado Sérgio de Souza (MDB-PR), mas ele disse, por meio de sua assessoria, que não daria entrevista porque o ISA não pode ser considerado um meio de comunicação e tem “viés” ideológico. A assessoria do líder do governo no Senado informou que o cargo segue vago e nenhum vice-líder poderia falar. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), não retornou o pedido de entrevista. Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente informaram que não se manifestariam.
APPs sob ataque
Um dos alvos principais das propostas ruralistas são as APPs. Conforme a lei, elas devem ser mantidas às margens de nascentes e demais corpos de água, em encostas, topos de morros e outras áreas sensíveis. São fundamentais para manter os mananciais de água, atenuar os efeitos das cheias e evitar deslizamentos, entre outros (leia mais no quadro ao final da reportagem).
A ofensiva no Congresso contra a legislação ambiental segue, apesar disso, depois das crises hídricas dos últimos anos e, entre o fim do ano passado e início deste, da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas e Pernambuco sofrerem os impactos das maiores chuvas das últimas décadas. Nos últimos seis meses, pelo menos 405 pessoas morreram nos cinco estados em função das inundações e deslizamentos de terra, segundo a Folha de São Paulo.
“A tendência mesmo é aumentarem as consequências dos extremos climáticos, num cenário de intensificação das mudanças climáticas, quer dizer, enchentes, inundações, assoreamento de rios, deslizamentos”, aponta Metzger.
No final de 2021, governo e FPA já haviam conseguido aprovar a Lei 14.285, que transferiu aos municípios a competência para definir o tamanho das APPs às margens de cursos d’água nas zonas urbanas, permitindo dispensar as diretrizes do Código Florestal e até eliminar essa proteção.
A norma é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.146 no STF, movida por partidos de oposição e apoiada por organizações da sociedade civil, como o ISA. Eles pedem que seja declarada inconstitucionalidade da lei e sua suspensão imediata até que o mérito seja julgado.
De acordo com reportagem da Agência Pública, a aprovação da nova legislação foi influenciada pelo lobby da construção civil e das imobiliárias para abrir novas áreas a desmatamentos e ocupações.
Principais ameaças ao Código Florestal no Congresso
Senado
PL 1.282/2019
Autor: senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) (foto)
Relator: senador Esperidião Amin (PP-SC)
Em pauta na Comissão de Agricultura (CRA) do Senado, em regime terminativo; se aprovado vai à Câmara.
Permite desmatar APPs para a construção de reservatórios e obras de irrigação. A perda de vegetação nessas áreas pode colocar em risco outros usos da água, como o abastecimento humano e a pesca, provocar assoreamento e erosão etc. Heinze não respondeu ao pedido de entrevista. Foto: Geraldo Magela / Agência Senado
PL 2.374/2020
Autor: senador Irajá Abreu (PSD-TO) (foto)
Relator: senador Telmário Mota (PROS-RR)
Aguarda votação na Comissão de Agricultura (CRA) do Senado, em regime terminativo; se aprovado vai à Câmara.
Anistia desmatamentos ilegais em Reserva Legal (RL) realizados entre 2008 e 2012, permitindo a regularização ambiental dessas áreas. Nesses quatro anos, foram desmatados 13,8 milhões de hectares em todo país, uma área maior que Pernambuco. Parte significativa disso seria anistiada, se o projeto for aprovado. Irajá não respondeu ao pedido de entrevista. Foto: Waldemir Barreto / Agência Senado
Câmara dos Deputados
PL 6.017/2019
Autor: senador Wellington Fagundes (PR-MT) (foto)
Relator: deputado José Mário Schreiner (MDB-GO)
Em pauta na Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara; depois segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado.
Retira a obrigatoriedade de averbação (registro em cartório) da Cota de Reserva Ambiental (CRA), título que atesta que uma área de um imóvel rural tem cobertura vegetal natural e pode ser usada para compensar a falta de vegetação em outra propriedade. Enfraquece os controles sobre a CRA, dificultando averiguar sua localização, dimensão e condição ambiental e facilitando fraudes. Fagundes não retornou o pedido de entrevista. Foto: Pedro França / Agência Senado
PL 399/2022
Autor: Deputado Jerônimo Goergen (foto)
Relator: indefinido
Aguarda designação de relator na Comissão de Agricultura da Câmara (CAPADR), depois segue para a CMA e a CCJ da Câmara, em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado
Facilita intervenções e desmatamento nas APPs ao dar a obras e áreas destinadas à irrigação o caráter de “utilidade pública e interesse social”. A perda de vegetação nessas áreas pode colocar em risco outros usos da água, como o abastecimento humano e a pesca, provocar assoreamento e erosão etc.
Goergen nega que a aprovação da proposta irá estimular o desmatamento e argumenta que a regulamentação da norma poderá adaptá-la a cada região do país, impedindo excessos e irregularidades. “Não estamos dizendo ‘faça de qualquer jeito’. O que estamos dizendo é o seguinte: se ali é uma área onde vai ter que atender a demanda do ser humano, para a produção de alimentos, aquilo é uma prioridade”, defende. “A nossa legislação atual é uma legislação que impõe uma série de barreiras que são inexplicáveis no meu ponto de vista, dada a importância econômica, social e alimentar que o agronegócio tem no país hoje. Armazenar água é uma extrema necessidade no Brasil”, argumenta. Foto: Cleia Viana / Agência Câmara
PL 36/2021
Autor: deputado Zé Vitor (PL-MG) (foto)
Relator: deputado Neri Geller (PP-MT)
Foi aprovado na CAPADR, tramita na CMADS em regime de urgência e depois segue para a CCJ da Câmara, em caráter terminativo; se aprovado vai ao Senado.
Prevê que o prazo de inscrição do CAR, que permite a adesão ao PRA e que venceu em 31 de dezembro de 2020, seja estendido até 31 de dezembro de 2022 para a “pequena propriedade e a posse rural familiar”. A Lei Florestal tem dez anos de vigência, mas é baixíssimo o índice de sua implementação. Já houve diversas prorrogações dos prazos, o que estimula o descumprimento da lei.
Zé Vitor alega que os pequenos produtores rurais não conseguiram fazer seu CAR a tempo por desinformação e falta de apoio do governo. Por causa disso, considera que o ideal era que o prazo para esses proprietários e posseiros fosse indeterminado. Ele considera que o prejuízo ambiental de exclui-los do CAR e do PRA é maior do que eventuais prejuízos da alteração de prazos. “Pelo perfil das pessoas que não se inscreveram [no CAR], são produtores aparentemente de menor grau de instrução ou com dificuldade de acesso à informação”, afirma. “Eles precisam participar desse programa para que a gente tenha uma noção exata de onde eles estão, o que estão fazendo, para que se possa garantir também e cobrar que eles se regularizem”, justifica. Foto: Pablo Valadares / Agência Câmara
PL 311/2022
Autor: deputado Darci de Matos (PSD-SC) (foto)
Relator: deputado Nelson Barbudo (PL-MT)
Tramita na CMADS da Câmara; depois segue para a CCJ, em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado.
Prevê que o Código Florestal prevaleça sobre a Lei da Mata Atlântica. Se o projeto for aprovado, as restrições ambientais em todo o bioma serão reduzidas, facilitando o desmatamento e a perda de biodiversidade. A Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado do Brasil: restam apenas 12% de sua cobertura vegetal original. Cerca de 145 milhões de pessoas vivem na região abrangida pelo bioma em 17 estados. Esses mais de 70% da população brasileira e grande parte de nossas cidades dependem desses ecossistemas para seu abastecimento de água e regulação climática. A destruição da floresta coloca em risco esses e outros serviços ambientais já comprometidos. Matos não retornou o pedido de entrevista. Foto: Michel Jesus / Agência Câmara
O que é o Código Florestal?
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)
O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isenta parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação.
No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova lei prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.
Área de Preservação Permanente (APP)
De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
Reserva Legal (RL)
Segundo a legislação, é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural que deve ser obrigatoriamente preservada. O percentual da RL em relação à extensão do imóvel varia de acordo com a região: 80% na Amazônia; 35% no Cerrado dentro da Amazônia; 20% no restante do país. Essas áreas têm a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e preservar a biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Criado pela nova lei, o CAR é um registro eletrônico obrigatório, gratuito e autodeclaratório que tem a finalidade de integrar as informações ambientais de todos os imóveis rurais: a situação das APPs, RLs, “áreas consolidadas” e remanescentes de vegetação nativa. Compõe uma base nacional de dados para o monitoramento, controle e combate ao desmatamento e planejamento da recuperação ambiental.
Cada estado é responsável por criar seu sistema de cadastro, promover seu funcionamento, analisar e validar seus dados. Alguns estados têm programas próprios, enquanto outros preferem usar o módulo disponibilizado pelo governo federal. A gestão federal também é responsável por orientar e apoiar a implementação dos sistemas de cada estado.
Programa de Regularização Ambiental (PRA)
Também previsto pelo novo Código Florestal, compreende o conjunto de regras e ações a serem cumpridas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA. Cada estado precisa regulamentar, implementar e desenvolver seu PRA.
Saiba mais: Monitor da Implementação do Código Florestal (CPI)
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Decisão da Justiça de Altamira suspendeu licenciamento do projeto de exploração de ouro na Volta Grande do Xingu, no Pará, com base na falta de estudos e de consulta a comunidades ribeirinhas da região
A mineradora canadense Belo Sun, que pretende instalar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, na Volta Grande do Xingu (PA), região já impactada pela hidrelétrica de Belo Monte, sofreu nova derrota na justiça esta semana: o licenciamento ambiental do empreendimento foi novamente suspenso, desta vez em julgamento de 1ª instância da Justiça Estadual em Altamira.
A decisão se refere a uma Ação Civil Pública (ACP) movida pela Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), que apontou a ilegalidade do licenciamento pela ausência de estudos sobre os impactos socioambientais que podem afetar as comunidades ribeirinhas da região e pela ausência de consulta livre, prévia e informada a essas populações.
Na decisão liminar proferida, na última terça-feira (24), o juiz Antônio Fernando de Carvalho Vilar determinou a “suspensão dos efeitos do licenciamento ambiental n° 2012/5028 e 2015/5340, da empresa Belo Sun Mineração Ltda, que tramita na Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), até que seja realizado estudo socioambiental dos povos ribeirinhos, na distância mínima de 10 km do empreendimento, nas duas margens do rio Xingu, bem como a consulta prévia, livre e informada e o consentimento dos povos ribeirinhos, pelo Estado do Pará, conforme previsto no artigo 6°, da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).”
Ainda segundo o juiz, a consulta prévia “deve se apresentar como um permanente canal de diálogo com as populações tradicionais atingidas por grandes empreendimentos como o dos autos", devendo ser "ampla e pautada na boa-fé, facultando aos atingidos consentir ou não com a implementação do empreendimento, estar presente nas tomadas de decisões e que suas manifestações e interesses sejam levados em consideração por parte da autoridade estatal".
Além disso, a decisão fixou multa diária de R$ 100 mil, para o caso de descumprimento, sem prejuízo de eventual responsabilização criminal dos envolvidos, e determinou a realização de inspeção judicial e perícia antropológica.
Outras ações
Esta é a segunda ação que atualmente mantém suspenso o licenciamento de Belo Sun. Em 25/4, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) manteve outra decisão, de 2017, em ACP movida pelo Ministério Público Federal, até que a empresa apresentasse os estudos de impacto ambiental sobre os povos indígenas e fosse feita a consulta livre, prévia e informada dessas populações da Volta Grande, de acordo com a Convenção 169 da OIT.
As ameaças de impactos graves sobre as comunidades no entorno do projeto geraram ainda outras ações, que seguem tramitando na Justiça. Uma pede a anulação do Contrato de Concessão de Uso n.º 1.224/2021, firmado entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Belo Sun, pelo qual o INCRA passou para a mineradora 21 lotes do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, em troca de participação do órgão público nos lucros das atividades minerárias. A outra ação, contra a União e o Incra, exige a regularização fundiária e a titulação das propriedades das mais de 200 famílias da Vila Ressaca, local onde Belo Sun pretende se instalar (leia mais).
Falhas estruturais
Conforme vídeo publicado pelo ISA (veja abaixo), o projeto da mineradora tem graves falhas estruturais e os estudos dos impactos ambientais realizados pela empresa desconsideram tanto possíveis impactos sísmicos na barragem de rejeitos que seria construída quanto os impactos cumulativos que ela causaria junto com a barragem da usina de Belo Monte.
Parecer do especialista em Geologia e Mineração Steven H. Emerman diz que pelo menos nove milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos podem atingir o Rio Xingu e percorrer mais de 40 quilômetros em duas horas, provocando danos irreversíveis. Esses rejeitos conteriam metais altamente nocivos, como cianeto, arsênico e mercúrio, podendo causar um “ecocídio” do rio Xingu pelo empreendimento. O termo é uma expressão que pode ser usada para fazer referência a qualquer destruição em larga escala do meio ambiente ou à sobre-exploração de recursos naturais não renováveis.
Além disso, Belo Sun fica a somente dez quilômetros da principal barragem no Rio Xingu, construída para a hidrelétrica de Belo Monte. A exploração da mineradora prevê explosões 24 horas por dia para arrancar ouro da terra, durante no mínimo 12 anos.
Aliança Volta Grande do Xingu
Esta comunicação é uma iniciativa da Aliança Volta Grande do Xingu, composta por organizações e movimentos sociais do Brasil e do mundo. A Aliança apoia a defesa da vida e da dignidade na região da Volta Grande do Xingu e sua permanente proteção contra projetos de infraestrutura como a hidrelétrica Belo Monte e a mina de Belo Sun. Compõem a Aliança: AIDA, Amazon Watch, Earthworks, International Rivers, Instituto Socioambiental — ISA, Mining Watch, Movimento Xingu Vivo para Sempre e Rede Xingu+.
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