Manchetes Socioambientais
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“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
O sócio fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, analisa o novo processo de discussão sobre o "marco temporal" das demarcações no STF
A primeira audiência de “conciliação” sobre o “marco temporal”, promovida pelo ministro Gilmar Mendes, aconteceu na segunda-feira (5), no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro é relator de um pacote com cinco ações judiciais sobre a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que pretende aplicar o “marco temporal” às demarcações, restringindo o direito dos povos indígenas sobre suas terras e sobre o usufruto exclusivo de seus recursos naturais.
Nessa primeira audiência, o ministro abriu o debate sobre o escopo e a agenda do processo, que, a princípio, deve se estender até o final do ano. A primeira etapa estabelecerá regras e dará espaço para o posicionamento prévio das partes que compõem a comissão especial de conciliação: o Congresso, partidos, estados, municípios, Advocacia Geral da União (AGU), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ministérios e organizações indígenas. Também participam, como observadores, membros do Ministério Público Federal (MPF) e os “amigos da Corte” (terceiros que participam dos processos judiciais com o objetivo de apresentar subsídios ao juiz).
Supõe-se que as decisões recentes do STF, que julgou inconstitucional o “marco temporal” e fixou 14 teses basilares sobre as demarcações, não serão revistas. Porém, poderão ser revisitadas para pactuar entre as partes condições de efetividade das decisões tomadas, como por exemplo, os critérios de elegibilidade e os meios para indenizar detentores de títulos legítimos incidentes nas Terras Indígenas (TIs).
É provável que a discussão inclua também outras restrições à incidência de novas demarcações sobre propriedades rurais, como a hipótese de compra de outras áreas para os indígenas – uma forma de compensação pela não demarcação de seus territórios tradicionais. Mas o recurso regular à compra de terras tornaria sem sentido o atual procedimento demarcatório, que se destina a reconhecer esses territórios.
Tudo indica que a “conciliação” incluirá a regulamentação do parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição, que prevê exceções ao direito de usufruto exclusivo dos indígenas aos recursos naturais das suas terras, quando houver “relevante interesse público da União”, o que inclui pesquisa e lavra minerais.
“Pouca terra para muitos indígenas”
As TIs de Roraima e do Amazonas são muito lembradas no debate político que permeia o “marco temporal”. Tal conceito, ausente do processo constituinte, foi suscitado décadas depois, pela primeira vez, no julgamento pelo STF sobre a constitucionalidade da demarcação da TI Raposa-Serra do Sol (RR). E é retórica e equivocadamente associado à TI Yanomami (RR-AM), para sugerir que há “muita terra para pouco índio”.
Porém, os povos indígenas ocupam essas terras desde tempos imemoriais, o que o próprio STF já reconheceu, assim como a legalidade do laudo antropológico que embasou a sua demarcação em extensão integral, descartando a possibilidade da incidência do “marco temporal”. Embora ainda existam demarcações pendentes na Amazônia, nela está concentrada 98% da extensão total das TIs no Brasil. A demanda por demarcações está fora dessa região, na outra metade do país, onde estão 49% da população indígena, e só 2% da extensão das terras.
De acordo com dados do Censo 2022, a Bahia e o Mato Grosso do Sul detém a segunda e a terceira maior população indígena do país vivendo em TIs, em áreas diminutas ou em zonas urbanas. Em primeiro lugar está o Amazonas. Conflitos armados têm sido frequentes no sudeste baiano e no sudoeste sul-mato-grossense. Não por acaso, a primeira audiência de “conciliação” ocorreu sob o signo violência, realizada por jagunços, de uma comunidade Guarani-Kaiowá que tenta retomar uma área indígena já delimitada, mas ocupada por fazendeiros.
Confinamento
O processo de “conciliação” deveria se inspirar na busca de soluções para casos emblemáticos como o do Mato Grosso do Sul, onde vivem 116 mil indígenas, de dez etnias, somando mais de 4% da população do estado. Apesar disso, a extensão total das terras reconhecidas como indígenas não passa de 2,5% da extensão do estado, com parte delas ainda em posse de não indígenas.
A Reserva Indígena de Dourados foi constituída com 3,5 mil hectares, no entorno do posto indígena ali instalado, em 1925, para reassentar comunidades indígenas transferidas das suas terras tradicionais, liberadas para a colonização. Um século depois, a população indígena da área passa de 15 mil pessoas e as antigas aldeias transformaram-se em bairros alcançados pela expansão urbana.
A própria definição constitucional de TI supõe modos extensivos de ocupação. Mas, ali, os indígenas sobrevivem numa dramática correlação de cerca de 4 pessoas por hectare, enquanto o módulo rural (extensão mínima estimada para a sobrevivência de uma família de agricultores) na região de Dourados é de 30 hectares.
É evidente que a situação dessas reservas, que concentram a maior parte da população indígena do estado, resulta numa fonte permanente de conflitos. Pode-se entender a opção de muitas famílias por retornar aos seus territórios tradicionais, mesmo sabendo que a sua retomada exigirá sangue, suor e lágrimas.
Disponibilidade de terra
A demarcação de TIs no Mato Grosso do Sul, assim como em outras áreas críticas, está virtualmente paralisada há mais de dez anos. Nesse tempo, os conflitos só cresceram, assim como o número de vítimas, de suicídios, de doenças evitáveis etc. O sentido prático do conceito de “marco temporal” é dificultar e paralisar as demarcações, uma barreira jurídica para impedir sua conclusão, e uma usina de conflitos.
Se a “conciliação” promovida pelo STF pretende resolver conflitos, precisa focar na disponibilização de terras para compensar e reassentar terceiros ocupantes de territórios em demarcação. Ou, ainda, para facilitar a conexão entre as terras e as comunidades, abrir espaço para novas aldeias e para parte da crescente população indígena, sobretudo em regiões críticas.
Algumas das teses relativas ao pagamento de indenizações e à compra de terras, já aprovadas pelo STF no julgamento da inconstitucionalidade do “marco temporal”, caminham nessa direção, mas carecem de efetividade. Os representantes do Congresso, do Executivo e do setor rural que participam dessa conciliação deveriam pactuar a destinação de orçamento, a emissão de títulos, a estruturação dos órgãos envolvidos e a adoção de políticas que garantam essa efetividade.
Qualquer processo administrativo pode ser aperfeiçoado, ou adaptado a novas circunstâncias, e o reconhecimento oficial de TIs não foge à regra. A edição do Decreto 1.775/1996, que regulamenta as demarcações, é um exemplo disso. A adoção da indenização a portadores de títulos legítimos, por si só, exigirá novos critérios e instrumentos.
Perda de foco
Não cabe rever as decisões já tomadas pelo STF. Agora, o objetivo é promover acordos entre as partes e dar condições para que o processo demarcatório avance e se conclua, promovendo a reparação aos terceiros de boa-fé afetados por ele. O escopo dessa “conciliação” não deveria ir além do escopo da lei que está em questão.
O ministro relator sugeriu a possibilidade de tratar, no âmbito dessa mesma comissão de “conciliação”, de outros casos específicos de demarcação envolvidos em processos que tramitam no STF. No entanto, além do risco de dispersão, não faz sentido mobilizar todas as instituições que a integram para discutir situações específicas e locais, sendo que partes diretamente envolvidas não estão incluídas. Se o STF entende que esses casos também exigem conciliações, deveria promovê-las por meio de comissões específicas.
Propôs-se, também, a regulamentação dos parágrafos 3º e 6º do artigo 231 da Constituição, que tratam da pesquisa e lavra de minérios e de exceções ao usufruto exclusivo dos indígenas aos recursos naturais das suas terras, derivados do “relevante interesse público” da União. Há uma sobreposição parcial, pois a mineração nessas terras só é admitida no interesse nacional.
Embora o ministro Gilmar Mendes também seja relator de uma ação, movida pelo PP, requerendo que o STF supra a omissão do Congresso e promova a regulamentação do artigo 231, e o seu mérito também afete direitos territoriais dos povos indígenas, não parece pertinente ao mesmo processo. Avaliar a constitucionalidade de uma lei é atribuição regular do STF, mas suprir a omissão de um poder envolve outros cuidados, instituições e questões técnicas bem distintas.
O conceito de “marco temporal” foi canibalizado pela polarização política do país e usado, de forma equivocada, como mote para conflitos entre os três poderes. O nível do contencioso determinou o formato dessa “conciliação”. Apesar de polêmica, a mineração em TIs tem previsão constitucional e não tem o mesmo grau de disputa instalado. Não faz sentido contaminar esse debate com o desgaste do outro.
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O sócio fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, analisa as movimentações políticas em Brasília para tentar restringir os direitos indígenas
Artigo publicado original no site do Mídia Ninja, em 19/7/2024
Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, pautou a PEC 48/2023, que pretende alterar o artigo 231 da Constituição para limitar o direito à demarcação das terras aos povos indígenas que estivessem nelas na data da sua promulgação, em 5 de outubro de 1988. Com o chamado “marco temporal”, ficariam destituídos do direito à terra todos os grupos que foram expulsos, ou transferidos à força, antes ou durante a ditadura.
O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), candidato à presidência do Senado, pautou a PEC para se aproximar da bancada de extrema direita, mas acatou uma sugestão do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), para aguardar os resultados do processo de “conciliação” sobre os direitos territoriais indígenas, promovido pelo STF, por meio do ministro Gilmar Mendes, relator de um pacote de ações judiciais sobre a Lei 14701/23, promulgada pelo Congresso para restringir aqueles direitos.
A intenção da PEC é pressionar o STF a rever decisão anterior, que considerou inconstitucional a fixação do “marco temporal”. Porém, formalmente, a PEC implica o reconhecimento implícito de que esse marco não consta da Constituição, o que contradiz a postura anterior do Congresso de considerá-lo constitucional.
Incoerências
Na discussão na CCJ, o primeiro signatário da PEC, senador Dr. Hiran (PP-RR), defendeu a sua aprovação imediata como uma questão de soberania nacional, citando a demarcação da Terra Indígena Yanomami em área contínua equivalente à extensão de Portugal. No entanto, o caso nada tem a ver com o tal marco temporal, pois os Yanomami vivem nesse território desde sempre.
O relator da PEC, senador Espiridião Amin (PP-SC), tentou minimizar a contradição alegando que o verbo na expressão constitucional “terras tradicionalmente ocupadas” está no presente do indicativo, o que excluiria do direito territorial os indígenas que foram expulsos ou transferidos à força das suas terras. A Constituição não prevê a existência de indígenas sem terra, mas o relator, assim como a própria PEC, nada disse a respeito.
A única linha de coerência entre os defensores da PEC é o desejo de atualizar o esbulho colonial das terras indígenas, que chega ao extremo de ameaçar os demais poderes e a própria Constituição. Eles apontam a incoerência do STF, que teria forjado a tese do “marco temporal” em julgamento sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR). Mas não reconhecem a sua própria incoerência ao afetar direitos reconhecidos aos indígenas pelos também congressistas, na Assembleia Nacional Constituinte.
Ambiguidades
Ao sugerir o adiamento da votação da PEC na CCJ, Wagner informou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vai indicá-lo entre os três representantes do Senado que vão compor o grupo convocado por Gilmar Mendes para promover a conciliação. Disse que está disposto a “dar a cara para bater, por ambos os lados”, sinalizando que apoiará posições mediadas, não necessariamente favoráveis aos indígenas. O seu governo, na Bahia, não promoveu soluções efetivas para conflitos entre fazendeiros e o povo indígena Pataxó.
A ambiguidade tem sido a marca desse processo. Ao ser nomeado relator das ações no STF, Mendes disse que via algumas inconstitucionalidades na lei aprovada pelo Congresso, mas não suspendeu a sua vigência, nem mesmo do artigo que trata do “marco temporal”, já definido como inconstitucional em julgamento anterior. Outros ministros parecem inclinados a fazer concessões aos interesses contrariados com a demarcação de terras indígenas, esperando que se reduzam as demandas e as pressões sobre o tribunal.
A ambiguidade também frequenta alguns ministérios do governo federal. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD-MT), que também é senador, chegou a se licenciar do cargo para assumir a função parlamentar e votar a favor do “marco temporal”, retornando ao ministério em seguida. Até que o STF decida, o Ministério da Justiça não quer editar portarias com limites de áreas a demarcar e a Casa Civil não quer encaminhar a homologação, por decreto presidencial, de áreas já demarcadas.
Os poderes da República não percebem que o acirramento de conflitos locais e de pressões institucionais deve-se à sua própria incapacidade para concluir a demarcação dessas terras. O Congresso passou 38 anos sem regulamentar a Constituição para, então, produzir uma lei contra ela. O Judiciário, que deveria promover a Justiça, suspende demarcações e lhes impõe a sua habitual morosidade. O Executivo protela decisões e não cria instrumentos apropriados para resolver pendências típicas da etapa final do processo demarcatório.
A conciliação que o STF promove deveria se dar entre os poderes, para enfrentarem, em definitivo, as suas dificuldades para efetivar o mandamento constitucional de demarcar terras indígenas. É óbvio que a culpa pelas pendências nas demarcações e pela persistência de conflitos não é dos povos indígenas. Portanto, a conciliação pretendida não poderia implicar restrições aos seus direitos.
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Segundo acordo, membros da Comissão de Constituição e Justiça deverão esperar “conciliação” sobre o assunto que começa no STF em agosto
Texto atualizado às 15:20 de 11/7/2024
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou, até o fim de outubro, a votação da proposta de emenda (PEC) que pretende incluir na Constituição o “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas (TIs).
Segundo acordo fechado na sessão da manhã desta quarta (10), foi feito um pedido coletivo de "vistas" (mais tempo para análise) da PEC 48/2023, após a leitura do parecer favorável do senador Esperidião Amim (PP-SC). Agora, o colegiado deve aguardar o fim do processo de “conciliação” sobre o assunto determinado para acontecer no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Gilmar Mendes. Conforme o entendimento dos parlamentares, o resultado dos debates no tribunal deverá ser convertido numa proposta a ser votada na comissão.
A ideia foi do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), diante da perspectiva de aprovação da PEC, já que a comissão é dominada pela oposição, ruralistas e bolsonaristas à frente. Wagner disse que vai encaminhar a tratativa fechada na CCJ a Mendes, via presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ele avaliou que ela será vista como um gesto de boa vontade do Congresso diante da série de atritos com o STF.
Mendes decidiu realizar a “conciliação” no âmbito do julgamento de cinco ações que analisam a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que estabelece o “marco temporal”. Trata-se de uma tese ruralista segundo a qual só poderiam ser reconhecidas as TIs em posse das comunidades indígenas na data da promulgação da Constituição, 5/10/1988. A interpretação restringe drasticamente o direito à terra dos povos originários e desconsidera o histórico de violências e expulsões sofridas por eles.
O ministro do STF ainda não analisou um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para que sua decisão seja apreciada pelo plenário da Corte e para que o relator das ações seja o ministro Edson Fachin. Fachin relatou outro processo que culminou na decisão do Supremo que considerou o “marco temporal” inconstitucional, em setembro do ano passado, antes do Congresso derrubar os vetos do presidente Lula à Lei 14.701 e promulgá-la, em dezembro.
Críticas a líder do governo
O adiamento da votação foi considerado “acertado” por Dinamam Tuxá, membro da coordenação da Apib. Ele reforçou a posição do movimento indígena de que a PEC é inconstitucional. “[Ela] é um atentado contra os direitos indígenas”, defendeu.
Kléber Karipuna, outro integrante da coordenação da Apib, criticou duramente o processo de mediação proposto por Mendes e a articulação política do governo no Congresso, na pessoa de Wagner. De acordo com ele, desde a tramitação do projeto que deu origem à Lei 14.701, em 2023, o senador não tem feito o esforço necessário para defender os direitos indígenas no Senado.
“[Vem sendo um] posicionamento vergonhoso, para a gente, do líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner; se posicionando mais uma vez em cima do muro”, afirmou. “Mais uma vez, [ele vem] se colocando num posicionamento dúbio, duvidoso, que não condiz, muitas das vezes, com a postura do presidente Lula, nesse sentido, em relação à defesa dos direitos dos povos indígenas”, completou.
Do lado de fora do Congresso, lideranças indígenas e organizações aliadas protestaram contra a PEC 48. Manifestações também aconteceram nas redes sociais e em alguns estados, como Bahia e Santa Catarina.
O movimento indígena avalia que a articulação política governista evita confrontar a oposição em temas considerados por ela secundários, como a pauta indígena, para não se desgastar e perder as votações dos projetos da agenda econômica, tida como prioritária. As lideranças indígenas também criticam a Casa Civil por ter paralisado as demarcações, igualmente para o governo não se indispor com interesses políticos e econômicos regionais.
Na segunda (8), a Apib reuniu-se para reavaliar seu apoio à gestão Lula. A entidade deverá promover uma série de protestos no segundo semestre em defesa das demarcações.
Aceno aos ruralistas e preocupações para os indígenas
A PEC 48 foi pautada nesta semana como um aceno aos ruralistas do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), para tentar ganhar votos na eleição à Presidência do Senado, no início do ano que vem. Alcolumbre é considerado franco favorito no pleito.
O adiamento da votação até pode ser considerado uma boa notícia para o movimento indígena e seus aliados, considerando que, assim, ganham mais tempo para tentar impedir a aprovação do projeto.
O fim da sessão da comissão, no entanto, deixou várias preocupações no ar. Se o acordo proposto no colegiado for aceito por Gilmar Mendes, o tempo dos debates no STF será abreviado: inicialmente, o ministro propôs que eles aconteceriam entre 5/8 e meados de dezembro e, agora, podem terminar cerca de um mês e meio antes.
Ministros do STF têm feito declarações no sentido de pacificar as relações com o Congresso. Além disso, Gilmar Mendes é o ministro da Corte com atividade política mais intensa. Ele aproximou-se do governo desde o início da gestão Lula. Por outro lado, sempre foi próximo dos ruralistas e mantém canais de comunicação com os bolsonaristas.
Em função disso tudo e da necessidade de produzir uma proposta a ser enviada ao Congresso em pouco tempo, as pressões por um resultado que agrade a maioria não indígena serão ainda maiores no processo de "conciliação" sobre o assunto no tribunal.
Mendes convocou representantes da Câmara, do Senado, dos partidos que propuseram as ações, dos governos federal, estaduais e municipais para participar das discussões. Os representantes da Apib serão minoria. A entidade ainda discute se vai ou não participar e como.
Além disso, ao sugerir remeter a discussão para o STF, Wagner explicitou a disposição do governo em participar de negociações que, em função da correlação de forças desfavorável aos indígenas na Praça dos Três Poderes, devem resultar em novas restrições aos direitos dos povos originários.
“Eu topo apanhar dos dois lados para achar um caminho do meio”, disse Wagner na sessão da CCJ. “Eu me disponho a entrar porque eu me disponho a apanhar do meu lado”, completou.
Apesar dessa correlação de forças desfavorável, o senador sugeriu que há uma suposta equivalência entre indígenas e ruralistas. “Tudo na vida tem quem queira defender com legitimidade e tem quem queira defender para tirar proveito, de um lado e de outro. Eu acho que santos e diabos estão em todos os lados”, afirmou.
Rodrigo Pacheco escolheu Wagner, a senadora ruralista Tereza Cristina (PP-MS) e a advogada-geral do Senado, Gabrielle Tatith Pereira, para participarem do processo no Supremo.
Direito de minorias
“Espera-se que o STF exerça sua função de proteger os direitos das minorias, que não podem estar sujeitos à deliberação político-majoritária. Se as maiorias puderem transigir sobre os direitos das minorias, a consequência pode ser a sua aniquilação”, comenta a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
Ela lembra que não são só os direitos indígenas que estão em jogo. “A PEC está ancorada em negacionismo climático e desdenha do consenso científico sobre a importância das Terras Indígenas para a conservação das florestas”, explica. “Defender as terras indígenas é defender a mitigação dos eventos climáticos adversos e proteger toda a população brasileira. Ao dificultar as demarcações e estimular as invasões às Terras Indígenas, a aprovação desse projeto vai aumentar os riscos de eventos climáticos extremos para todo o país e sua população, como as recentes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul”, alerta.
Batista elaborou uma nota técnica do ISA sobre a PEC 48. O documento reforça que o projeto é inconstitucional e suprime direitos e garantias individuais. Também lembra que não foi feita uma consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas sobre o assunto, conforme o estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Na sessão da CCJ, o relator, Esperidião Amin, repetiu argumentos ruralistas para tentar convencer de que textos constitucionais anteriores e a Constituição de 1988 previram um "marco temporal" e que rejeitá-lo implicaria “insegurança jurídica”.
Amim disse que o STF criou uma "balbúrdia interpretativa" sobre o assunto. Apesar disso, ele tentou afastar qualquer intenção da PEC 48 de confrontar a decisão do Supremo que considerou o marco inconstitucional. “O legislador não está vinculado a seguir eventual entendimento da Corte Suprema”, defendeu. “Em se tratando de uma PEC, menos ainda estamos vinculados a qualquer entendimento do STF”, completou.
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O presidente e sócio fundador do ISA, Márcio Santilli, analisa a decisão do ministro do STF Gilmar Mendes de realizar uma 'conciliação' sobre o marco temporal
Artigo publicado originalmente no site do Mídia Ninja, em 8/5/2024
O PP ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), de número 86, pedindo a fixação do prazo de até um ano para que o Congresso regulamente o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição, que prevê hipóteses de exceção ao direito de usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre as suas terras e as riquezas naturais nelas existentes, no caso de “relevante interesse público da União”. Na mesma ação, o partido solicita que, caso o Legislativo não o faça, que o próprio STF supra essa omissão.
O referido parágrafo prevê uma lei complementar para essa regulamentação. As cláusulas de exceção poderiam incluir a construção de estradas e de linhas de transmissão de energia em Terras Indígenas (TIs), além de outros projetos de “interesse da União”.
Por sua vez, o parágrafo 1º do artigo 176 da Constituição também prevê a edição de uma lei para regulamentar a pesquisa e a lavra minerais nessas áreas. A norma “estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”. A nova legislação também deverá regulamentar as condições já estabelecidas no parágrafo 3º do artigo 231 para o desenvolvimento dessas atividades, que são a adequação ao interesse nacional, a prévia autorização do Congresso e a participação das comunidades afetadas nos resultados da lavra.
Já em 1990, o Senado aprovou projetos de lei, de autoria do então senador Severo Gomes (PMDB-SP), regulamentando esses pontos relativos aos direitos indígenas. Em outros momentos, o próprio Senado aprovou outro projeto sobre mineração em TIs, do senador Romero Jucá (MDB-RR), mas a Câmara não concluiu a sua tramitação. Também foi proposto em comissão especial da Câmara um Estatuto dos Povos Indígenas, com um capítulo sobre mineração, relatado pelo deputado Luciano Pizzatto, mas que não chegou a ser votado em plenário.
Depois de 35 anos da promulgação da Constituição, o tema não foi regulamentado pelo Congresso. O curioso é que é o partido do próprio presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que recorre ao STF em função da situação. Ele mesmo assume essa contradição: “O Congresso, às vezes, quando decide não legislar, ele está legislando. Não abre espaço para que outros Poderes o façam”.
Moeda de troca
Lira não teve a mesma dificuldade para aprovar a Lei 14.701/2023 que, além de vários outros retrocessos, instituiu um “marco temporal”, para restringir a demarcação de TIs, considerando apenas os grupos que estavam na sua posse efetiva quando a Constituição foi promulgada. A Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) recorreu contra essa lei ao STF, que já havia afirmado a inconstitucionalidade do marco temporal e, agora, deve confirmar essa decisão, além de analisar os seus demais artigos.
Porém, numa entrevista em janeiro, na abertura do ano legislativo, Lira disse que o marco temporal restringe demarcações, mas não “resolve o problema” das terras já demarcadas e propôs regulamentar a sua “exploração comercial”: “Essa questão, na minha visão, precisa urgente de regulamentação, pode ser via lei complementar (…) o que já está previsto lá [na Constituição], [o que ainda não foi feito] por questão, às vezes, de omissão ou de não querer legislar naquele momento”.
As ações propostas pela Apib e pelo PP serão relatadas pelo ministro Gilmar Mendes, que vê indícios de inconstitucionalidades em disposições da lei, mas só suspendeu liminarmente os processos judiciais que versam sobre o tema em instâncias inferiores do Judiciário, sem atingir os dispositivos em questão. Na liminar, ele propõe uma “conciliação”, interpretada nos bastidores da corte como uma provável nova rejeição do marco temporal, mas acompanhada da regulamentação da exploração, por terceiros, dos recursos naturais das TIs.
Em setembro, o STF havia considerado o marco temporal inconstitucional e, em caráter de repercussão geral, estabeleceu outras 13 teses relativas aos direitos territoriais indígenas, inclusive o direito de indenização pela terra nua a eventuais portadores de títulos dominiais, expedidos pelo poder público, incidentes em áreas demarcadas.
Governo dividido
Enquanto a maioria atual do Legislativo pressiona para restringir os direitos territoriais indígenas e o STF se prepara para seguir legislando e conciliando-os com interesses de terceiros, o governo federal está atônito, amedrontado e dividido na sua atribuição de promover as demarcações. O presidente Lula diz que quer levá-las adiante, mas sua gestão está dividida.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) apela às outras pastas, mas o Ministério da Justiça não delimitou qualquer área até agora. A Casa Civil não atua para resolver eventuais pendências por antecipação e as apresenta ao presidente como objeções, no momento da tomada de decisões, levando ao seu adiamento.
Essa ambiguidade também caracteriza a atuação do ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, e das lideranças do governo no Congresso. O peso que é dado às medidas relativas à política econômica, como a reforma tributária, é muito maior do que à agenda socioambiental, como no caso do marco temporal. Da mesma forma, a blindagem que a articulação política garante para alguns ministros não se estende a todos.
(In)justiça
Ainda há regiões onde ocorrem conflitos envolvendo a retomada de territórios tradicionais, como no sudoeste do Mato Grosso do Sul, pelos Guarani-Kaiowá, e no sudeste da Bahia, pelos Pataxó. Também perduram conflitos decorrentes do garimpo predatório, como nos territórios Yanomami, em Roraima, Kaiapó e Munduruku, no Pará. Não cabe transferir para os povos indígenas a responsabilidade por essas pendências, que derivam da ação criminosa de invasores e da omissão continuada dos governos.
Embora o movimento indígena tenha se mobilizado fortemente contra medidas contrárias aos seus direitos durante o governo anterior e tenha indicado algumas lideranças para funções de confiança no atual governo, os direitos indígenas não deveriam ficar sujeitos à radicalização política. Ao aprovar uma lei inconstitucional, o atual Congresso violentou um pacto histórico que ele mesmo construiu durante a Assembleia Nacional Constituinte, quando o capítulo “Dos Índios” foi aprovado consensualmente, por todos os partidos, com 497 votos.
Espera-se, então, que o STF, ao decidir sobre os direitos indígenas e tentar mediar a disputa política em torno deles, não debite esse ônus aos povos indígenas, como o Congresso tem feito, e não protele a sua decisão, como ocorre com o governo. Está na hora dos poderes da República construírem agendas positivas para os territórios indígenas, que não representam apenas o resgate de direitos históricos, mas têm um papel decisivo para qualquer estratégia nacional que venha a ser definida para enfrentar a ameaça das mudanças climáticas.
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Ministro do STF desagrada movimento indígena durante sua maior mobilização, em Brasília. Temor é que se abram mais brechas para novas restrições aos direitos dos povos originários
Texto atualizado às 9:10 de 3/5/2024.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes suspendeu, ontem (22), os processos relacionados à Lei 14.701/2023, que prevê o “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas (TIs), entre outras restrições aos direitos dos povos originários.
A decisão vale para instâncias inferiores, ou seja, não tem efeito nas ações sobre o tema que tramitam no próprio tribunal, e será analisada agora pelos outros ministros, no plenário da corte. Na prática, a norma continua valendo.
Mendes propôs também um “processo de conciliação e mediação” com o objetivo de resolver o “conflito social subjacente à temática” e evitar “decisões judiciais conflitantes aptas a causar graves prejuízos às partes envolvidas (comunidades indígenas, entes federativos ou particulares)”, conforme nota enviada pela assessoria do ministro.
“Determino, ainda, a intimação de todos os autores das ações de controle concentrado de constitucionalidade ora apreciadas, bem ainda dos Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, além da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentem propostas no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações ora apreciadas”, diz a decisão.
Mendes solicitou o apoio do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol), criado pelo Supremo em 2020 e que visa apoiar os gabinetes dos ministros e promover a cooperação com outros órgãos do Judiciário. Ainda de acordo com a decisão, a instância deverá realizar audiências sobre o assunto para auxiliar o trabalho de “mediadores/conciliadores” que serão nomeados “oportunamente".
Durante o #ATL2024, o coordenador jurídico da @ApibOficial, Maurício Terena (@terenamauricio), comentou a decisão de Gilmar Mendes de suspender os processos relacionados ao Marco Temporal. Saiba mais no fio. 🧶 pic.twitter.com/ILngJN4CnV
— socioambiental (@socioambiental) April 23, 2024
Negociação de direitos
A decisão, que sequer entrou no mérito da questão, desagradou o movimento indígena, setores do governo e do Ministério Público Federal (MPF). O temor é o de que, em meio aos embates entre os Três Poderes, o processo de “conciliação” abra brecha para a negociação com setores do Congresso, principalmente ruralistas e oposição, desembocando em novas restrições aos direitos indígenas.
“Gilmar Mendes demorou para decidir e decidiu mal”, criticou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena. “Os direitos dos povos indígenas, assim como disse o ministro [do STF] Edson Fachin, são direitos fundamentais, portanto, não são passíveis de negociação”, alertou. Terena informou que a Apib ainda analisa a decisão e deverá se manifestar em breve sobre ela.
Ele avaliou que Mendes “desprestigiou” o colegiado de ministros, já que a corte já tem uma decisão sobre o assunto, e que deveria ter entrado no mérito da questão considerando isso (leia mais ao final da reportagem). “A gente está extremamente preocupado com o teor da decisão, porque a lei segue vigente. Isso é um perigo, porque ele suspendeu os processos, mas manteve a lei”, completou.
Gilmar Mendes é o ministro do Supremo com atuação política mais intensa e, desde o início do governo Lula, aproximou-se do Palácio do Planalto. Por outro lado, sempre foi próximo dos ruralistas e mantém canais de comunicação com os bolsonaristas.
Na decisão de ontem, ele afirmou que a Lei 14.701/2023 “contém dispositivos que, ao menos em um exame inicial, podem ser interpretados de modo a contrariar parte das teses fixadas no referido julgamento [do marco temporal]”. Em contrapartida, também abriu margem para conversas políticas sobre a questão ao apontar que a legislação “aparenta não ter dedicado a mesma atenção” a outros aspectos do Artigo 231 da Constituição, dos direitos indígenas.
Em vídeo nas redes sociais, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), elogiou a decisão. "[Ela] manteve clara a constitucionalidade dessa lei. Saímos vitoriosos nesse voto do ministro", comemorou.
A determinação de Mendes veio a público no primeiro dia da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, realizada em Brasília, nesta semana, pela Apib. A estimativa é que mais de oito mil indígenas, de 200 povos diferentes, participem do evento. No centro das discussões, está justamente a defesa do direito à terra, expressa na exigência por demarcações e pela rejeição do “marco temporal”.
Preocupação no governo
Setores do governo também ficaram preocupados. “Eu me assustei com as decisões de ontem, mas temos muitos argumentos contra”, comentou Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), numa das mesas do ATL. “Não vamos nos curvar. Vamos trabalhar dentro da nossa competência, pelos direitos dos povos indígenas”, continuou. Ela informou que o órgão acompanha de perto o caso e que sua procuradoria também deve se manifestar em breve.
O procurador da República no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Felício Pontes, também foi categórico ao criticar a proposta de Mendes. “Temos de dizer não à conciliação”, disse também no ATL. “Como conciliar o direito ao território, que é um direito fundamental dos povos indígenas?”, questionou.
No dia 11, a Procuradoria-Geral da República defendeu que o STF suspenda vários dispositivos da lei, como os que permitem a exploração das TIs por não indígenas.
“O STF se coloca no papel de negociador de direitos que não deveria ser o de um tribunal constitucional. Se existisse conciliação possível, ela deveria se dar com o respeito à decisão do próprio STF, que definiu a inconstitucionalidade do marco temporal”, criticou a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
“Está se abrindo margem para uma negociação em que não necessariamente as organizações indígenas poderão participar em igualdade de condições. Espera-se que o plenário da Corte sopese os direitos indígenas que estão em jogo, e em desigualdade quanto ao poder econômico e político de outros setores da sociedade”, completa.
Marco temporal
Gilmar Mendes tomou a decisão como relator de ações que tratam da Lei 14.701 - a ADC 87 e as ADIs 7582, 7583 e 7586 - além da ADO 86, que dá um prazo ao Congresso para regulamentar o parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição, sobre a posse e a exploração das TIs.
As ações foram apresentadas, desde o final do ano passado, pela Apib e partidos de esquerda (PT, PCdoB, PV, PSOL, Rede e PDT), que questionam a constitucionalidade da norma, além do PP, PL e Republicanos, que a defendem. O ISA é amicus curiae (“amigo da corte”) nas três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), ou seja, pode apresentar informações e argumentos nos processos.
A Lei 14.701 foi promulgada após o Congresso derrubar, em dezembro, quase todos os vetos do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao texto original. A aprovação da norma desafiou a decisão do STF, de setembro, que declarou inconstitucional o “marco temporal”, por 9 votos contra 2. Na mesma decisão, os ministros da corte fixaram teses complementares sobre a demarcação, a exemplo da indenização pela terra nua para ocupantes não indígenas.
O “marco temporal” é uma interpretação jurídica ruralista, segundo a qual só teriam direito às suas terras as comunidades indígenas que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese ignora as expulsões e violências cometidas contra essas populações, em especial nas últimas décadas. Na prática, pode inviabilizar grande parte das demarcações, por questionamentos administrativos ou judiciais.
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O presidente e sócio fundador do ISA, Márcio Santilli, denuncia as pressões da empresa Potássio do Brasil para instalar seu projeto no Amazonas
Artigo publicado originalmente no portal da Mídia Ninja, em 18/4/2021.
Na semana passada, o Ipaam, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, concedeu uma licença de instalação à mineradora Potássio do Brasil para a exploração de uma jazida de potássio, em Autazes. Apesar do nome, a empresa é controlada por fundos internacionais de investimento. Foi criada pelo grupo canadense Forbes & Manhattan, que hoje só detém 14% das ações, contra 34% da CD Capital e 22% da Sentient, além de outros acionistas menores.
A Potássio do Brasil adquiriu legalmente direitos minerários na região que já pertenceram à Petrobrás. A empresa detém outros requerimentos contíguos ao que foi objeto da licença. Porém, a área concedida fica a 10 km da Terra Indígena (TI) Murutinga/Tracajá, do povo Mura, com limites já identificados, e à distância ainda menor da Aldeia Soares, da mesma etnia, que fica às margens do lago de mesmo nome e cujo território está em processo de identificação por um grupo de trabalho constituído pela Funai. A situação deixa clara a necessidade de federalizar o licenciamento da mina, atribuindo-o ao Ibama.
Se a área objeto da licença for reconhecida como TI, a autorização teria de ser suspensa, até que o Congresso Nacional regulamente a pesquisa e a lavra mineral nesse tipo de território protegido, como prevê a Constituição. Há forte pressão para que o Legislativo o faça, assim como há uma ação no STF, de inconstitucionalidade por omissão, contra o próprio Congresso e proposta pelo PP, partido do próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL). A ação pede que o STF determine o prazo de mais um ano para que o Congresso regulamente o tema e que, não o fazendo, o próprio STF o faça.
O aumento da produção de potássio é estratégico para o Brasil, que é uma potência agrícola. O país importa mais de 90% de todo o fertilizante que consome e a substância química é essencial para a produção desse tipo de insumo. Há jazidas conhecidas e ocorrências pesquisáveis em outras áreas, na Amazônia e fora dela, mas, segundo geólogos que conhecem melhor o caso, a jazida de Autazes é um “filé”, pela extensão, pela proximidade da superfície, pelo teor de potássio e pelo potencial de lucro. São fortes os motivos que levam a Potássio do Brasil a se enredar entre os Mura.
‘Murificação’
Há registros historiográficos, desde o início do século 17, sobre a presença dos Mura na região do Baixo Rio Madeira, onde fica, hoje, Autazes e outros municípios do Amazonas. Desde essa época, era reconhecido como um povo navegador, que dispunha de grande mobilidade e ocupava extensos territórios, sendo profundo conhecedor do labirinto formado por lagoas, ilhas e canais, que caracteriza a região.
A mobilidade e o conhecimento dos Mura incomodavam demais as primeiras frentes de colonização que se instalaram na região. Eles eram mais temidos que outros grupos e tinham maior capacidade de fustigar os colonizadores por meio de guerrilhas permanentes.
Porém, a característica do Povo Mura que mais incomodava os invasores não era de natureza bélica, mas sociocultural: sua capacidade de incorporar pessoas de fora (suas histórias e seus conhecimentos) às suas comunidades, seja por meio de casamentos, de cooptação ou do acolhimento de escravos fugitivos. Documentos oficiais alertavam para o risco de “murificação”.
‘Caboclo mura’
Tempos depois, com as frentes coloniais consolidadas e relações, inclusive comerciais, constituídas, os Mura foram trocando a sua língua original primeiro pelo Nheengatu, uma espécie de língua franca indígena criada pelos jesuítas, e depois pelo português. Nesse processo, grupos Mura e seus agregados assumiram-se como “caboclos” na relação com os não indígenas regionais, para quem “caboclo” era um nome quase tão pejorativo quanto “índio”. Mas para os Mura, era uma opção de identidade mais inclusiva, por oposição aos colonizadores.
A ambiguidade persiste. Nos anos 1990, a Funai demarcou quatro pequenas terras Mura, reservadas pelo SPI, Serviço de Proteção aos Índios. Mas há várias outras ocupações dos Mura, inclusive em Autazes, cujos processos não foram concluídos ou iniciados. No governo passado, a Potássio do Brasil foi instruída a consultar apenas cinco aldeias Mura. Uma decisão da Justiça Federal ampliou esse conjunto para 30, mas foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Outras, como a Aldeia de Soares, estão sendo dadas como vilas passíveis de remoção.
Se autorizada, a extração de potássio em Autazes deve levar décadas e resultar em muito dinheiro. Não se trata de uma invasão pontual de madeireiras ou de um contrato temporário de arrendamento. Não se trata de uma ligação temporária, mas de longa duração. A Potássio do Brasil deveria construir uma relação séria com o Povo Mura e rejeitar essa ambiguidade. Mas está escolhendo a discriminação. Fez acordo com a Associação dos Mura, que representa as aldeias da TI Murutinga/Tracajá, mas se recusa a admitir as demais, inclusive a Aldeia Soares, da sua área de interesse direto.
A associação aliada está recebendo apoio financeiro da Potássio do Brasil, antes mesmo de iniciada a exploração mineral, e tem participado formalmente de eventos e reuniões. Os demais grupos estão sendo considerados não indígenas, ou indígenas deslocados de outras áreas por ONGs, missionários ou pela Funai supostamente só para prejudicar a mineração.
Relação tóxica
A empresa e os seus aliados comemoraram efusivamente a entrega da licença pelo Ipaam. Equipamentos estão sendo alocados perto da Aldeia de Soares, sem autorização, e o acesso da comunidade às áreas de roça está sendo dificultado. O Ministério Público Federal está recorrendo da liminar concedida pelo Tribunal e o grupo de trabalho da Funai deve entregar o seu relatório à presidência do órgão. A relação começou mal.
A polêmica em relação aos Mura, que ainda promete muitos capítulos, desvia a atenção para outras implicações do projeto mineral que não estão sendo esclarecidas. A região do Baixo Madeira se assemelha a um mar de água doce e a contaminação das águas por resíduos do sal de potássio pode afetar a saúde dos peixes e a segurança alimentar não apenas dos Mura mas também de outras comunidades tradicionais, como os ribeirinhos. Vias de acesso, plantas industriais e linhas de transmissão serão construídas e elas igualmente trazem impactos socioambientais significativos, a exemplo da imigração e desmatamento.
Além disso, como ficarão os depósitos após a extração do potássio? Há risco de afundamento, como o que ocorre em vários bairros de Maceió (AL), após a extração de salgema pela Braskem?
Para a Potássio do Brasil, melhor seria apoiar a conclusão do reconhecimento do território indígena pela Funai e esperar a regulamentação da mineração em TIs pelo Congresso, conforme determina a Constituição, do que aderir à discriminação contra os Mura para apressar a licença e o início da exploração.
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O sócio fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, analisa o cenário e os desafios da política indigenista após um ano e três meses de governo Lula
Erramos: Desde o início de 2023, o governo Lula homologou oito Terras Indígenas, e não seis, como foi informado inicialmente.
Texto atualizado às 14:25 de 8/4/2024
No dia 22 de abril, terá início o ATL, Acampamento Terra Livre, que vai reunir em Brasília, milhares de representantes indígenas de todas as regiões do país. O ATL é uma tradição do movimento indígena, ocorre desde 2004 e só foi suspenso no auge da pandemia. Em 20 anos de existência, a mobilização discutiu e avaliou a atuação dos três poderes da República em relação às demandas dos povos indígenas.
Neste ano, o foco principal de atenção será o desempenho do governo Lula em relação às suas políticas, programas, iniciativas, competências e orçamentos relativos às demandas das populações originárias.
Com um ano e cem dias de mandato, será possível aos dirigentes indígenas apresentar os resultados alcançados e as dificuldades enfrentadas em cada área. Por sua vez, as delegações vão relatar as situações de vida nos territórios, expressar críticas e reivindicar soluções para as pendências existentes. Mais do que antes, as expectativas superam os resultados, mas há um aprendizado coletivo em curso sobre como o Estado (não) opera.
Demarcação
A maior preocupação é com a demarcação das Terras Indígenas (TIs). Até agora, o presidente Lula homologou oito demarcações já concluídas, mas há 66 processos com áreas já declaradas e pendentes de decretos presidenciais. Espera-se, também, que o Ministério da Justiça retome a sua atribuição de declarar os limites das áreas a serem fisicamente demarcadas. Essa atribuição, que havia sido transferida ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) no início do mandato de Lula, foi devolvida ao MJ, que, no entanto, teve de compor uma nova equipe para poder exercê-la. A expectativa, então, é que, até o final do ATL, o governo anuncie homologações e declarações, além da identificação de outros territórios (saiba como é o processo de demarcação).
Embora sempre existam interesses contrariados nesses processos, parte deles não tem implicações em relação às restrições que estão sendo propostas pelo Congresso e analisadas pelo STF. É importante que o governo federal dê continuidade às demarcações, pois a demora tende a agravar conflitos.
O ATL deve protestar contra a aprovação pelo Congresso, sem qualquer discussão com as organizações indígenas, da Lei 1.4701/23, que prevê medidas restritivas para as demarcação, além do “marco temporal” de 1988, já declarado inconstitucional pelo STF. A constitucionalidade dessa lei está sendo questionada no STF e se espera que o relator, ministro Gilmar Mendes, apresente o seu relatório e viabilize uma decisão rápida do plenário, pondo fim à atual situação de insegurança jurídica.
Desintrusão
Outra grande preocupação é com as terras que, mesmo demarcadas, estão sujeitas a invasões contínuas de grileiros, madeireiros e garimpeiros. O caso da TI Yanomami (AM-RR) é o mais evidente, com a persistência de focos de garimpo, ligados ao narcotráfico, após um ano de operações para acabar com eles. Uma “casa de governo” está sendo instalada em Boa Vista, para melhor articular as ações de retirada dos invasores (desintrusão), assistência à saúde e recomposição das condições de vida das comunidades indígenas nas regiões invadidas.
Há outras situações, como as das TIs Munduruku e Kaiapó (PA), que foram objeto de operações pontuais de fiscalização, mas continuam ocupadas pelo garimpo. O governo alega que faltam recursos humanos e financeiros para sustentar várias operações simultâneas de desintrusão, mas que chegará a vez dessas áreas.
Há, ainda, casos como os das TIs Apiterewa e Trincheira-Bacajá (PA), que foram totalmente desintrusadas e onde, agora, é preciso viabilizar a recuperação e a reocupação indígena das partes desses territórios que foram invadidas e desmatadas.
Saúde
Será tenso o debate sobre a política de atenção à saúde indígena. É um tema crítico, por natureza, e, embora se reconheça a seriedade da atual gestão, os resultados deixam a desejar. As lideranças sabem que só agora, em 2024, o governo está administrando um orçamento próprio e que foi extenso o desmonte promovido no governo anterior. Mas a situação de saúde, em geral, é muito grave e não se vê melhora significativa.
Além dos desafios orçamentários e logísticos, há uma insuficiência crônica de pessoal técnico qualificado com disposição de atuar em campo. O sistema opera através de convênios precários, sujeitos a influências políticas e irregularidades. Espera-se que o Ministério da Saúde aproveite a oportunidade do ATL para discutir providências estruturais para equacionar a contratação de quadros técnicos, entre outros temas.
A nomeação de pessoas indicadas por políticos para a coordenação dos DSEIs, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, nas regiões, é um fator de tensão. No início do governo, foram nomeados muitos dos indicados pelas organizações locais, mas alguns deles foram mal avaliados e substituídos. Na escolha dos substitutos, indicados políticos têm prevalecido sobre a qualificação técnica.
Gestão socioambiental
Outra questão que preocupa é a demora na reestruturação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), igualmente dilapidada no governo anterior. Suas atribuições e iniciativas estão sendo retomadas, mas continua evidente a falta de quadros e de recursos, sobretudo nas coordenações regionais, fragilizando a sua presença nos territórios e o apoio às demandas das comunidades.
A presença da Funai é importante para construir e implementar os PGTAs, os Planos de Gestão Territorial e Ambiental, que são a base da PNGATI, a Política Nacional de Gestão Ambiental das TIs. Por meio dos PGTAS, as comunidades organizam a ocupação e o uso dos territórios, constroem os seus projetos e articulam as ações de outras áreas e esferas de governo.
Cresce, também, a expectativa de que o governo e o Congresso regulamentem o pagamento por serviços ambientais e o acesso ao mercado de carbono nas TIs. Líderes locais têm sido assediados por empresas, interessadas em contratos privados no mercado de carbono, e pelos governos estaduais, que constroem projetos “jurisdicionais”.
Articulação regional
Neste ano, estão ocorrendo, em vários estados, reuniões preparatórias para o ATL. Ao saírem dos seus territórios e antes de embarcarem para Brasília, os representantes indígenas têm se reunido nas capitais dos estados para articular a sua atuação no ATL, mas, também, para discutir pendências e projetos com os governos estaduais. É crescente a interface das demandas indígenas com os poderes locais.
Estamos a seis meses das eleições municipais e, embora ainda não seja possível contabilizar com precisão, há um grande número de candidatos e candidatas indígenas em todas as regiões. O grau de avanços nas políticas indígenas é um ativo relevante para as suas pretensões.
Este ATL promete estar marcado pela intensificação da luta por direitos, dadas as ameaças oriundas do Congresso, mas também pelo rescaldo do inédito envolvimento do movimento indígena com as políticas de Estado. Espera-se que ele alavanque as políticas indígenas, com sentido de urgência.
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No mesmo dia em que o tribunal concluiu a análise do assunto, senadores aprovam projeto considerado inconstitucional. Liderança do governo promete veto de Lula
Por 43 votos a 21, o plenário do Senado aprovou, na noite desta quarta (27), o texto principal do Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, a maior ameaça aos direitos indígenas desde a Redemocratização (veja como votaram os senadores). As duas emendas que amenizariam a proposta foram rejeitadas e ela segue agora à sanção presidencial.
Entre outros retrocessos, segundo a redação final, os povos originários só teriam direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o chamado “marco temporal”.
Na quinta passada (21), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria contra a mesma tese ruralista, considerando-a inconstitucional, por 9 votos a 2.
Nesta quarta, enquanto a Corte concluía a análise do caso, fixando teses complementares sobre a demarcação de Terras Indígenas (TIs), os senadores iniciavam a análise do PL 2.903 no plenário (saiba mais abaixo).
A votação do projeto converteu-se em mais um capítulo na novela de tensões e conflitos entre os três Poderes, e uma represália de ruralistas e oposição contra o STF e o governo. Após o resultado parcial do julgamento do "marco temporal" na semana passada, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) passou a ameaçar obstruir as votações, principalmente na Câmara. Também articulou o apoio de outras bancadas, como as de armamentistas e evangélicos, contra a decisão do Supremo.
Nas últimas semanas, uma verdadeira blitz conservadora foi articulada no Congresso, sob a alegação de que a Corte estaria usurpando a competência dos parlamentares de decidir sobre alguns temas, como a descriminalização do aborto e do porte de drogas. O "marco temporal" acabou sendo adotado como mais uma das bandeiras da ofensiva contra o tribunal. Os oposicionistas tentam agora articular uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita o Congresso rever decisões do órgão máximo do Judiciário.
“Não aceitaremos qualquer interferência na prerrogativa legislativa do Congresso Nacional. Tomaremos as devidas medidas para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes”, diz nota assinada pelo FPA e mais 17 frentes parlamentares. Entre os partidos, só o PL e o Novo assinaram o documento.
Governo e Pacheco cedem às pressões
Tanto o governo quanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acabaram cedendo às pressões para votar o PL 2.903 a toque de caixa. Ele foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) horas antes, pela manhã, por 16 votos contra 10, junto com um requerimento de urgência para apreciação no plenário. O PL havia sido aprovado na Comissão de Agricultura (CRA), no mês passado, e no plenário da Câmara, em maio.
Pacheco descumpriu promessas feitas a lideranças indígenas de que o projeto teria uma tramitação em ritmo moderado, que permitisse o aprofundamento do debate sobre o assunto.
O relator da proposta na CCJ e no plenário, Marcos Rogério (PL-RO), agradeceu o empenho de Pacheco. “Esse tema só está sendo votado neste momento porque vossa excelência o chamou para si. Eu sei das dificuldades regimentais inerentes ao processo, mas sei do esforço que vossa excelência fez para que votássemos no dia de hoje essa matéria”, disse.
Ecoando o discurso de retaliação ao STF e reconhecendo, em parte, os problemas do projeto, Marcos Rogério repetiu que o Senado tem o direito de tomar a decisão política de aprová-lo e que o presidente da República poderia vetá-lo.
“De nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista em relação à Suprema Corte do nosso país”, afirmou Pacheco. Ele reconheceu que o projeto tem muitos pontos que são “objeto de dúvida”. “Eventualmente, num caso de veto, será então debatido pelos colegas senadores se isso é realmente importante estar ou não no ordenamento jurídico”, completou.
O governo fez pouco esforço para barrar a votação, temendo perder outras, como a do projeto do programa apelidado de “Desenrola”, que prevê renegociar as dívidas de milhões de devedores.
No plenário, orientaram favoravelmente ao projeto o PL, União, Podemos, Republicanos, PP, PSDB, Novo, Minoria e Oposição. Já o MDB, PT e Governo orientaram voto contrário. A Maioria, PSB, PDT, PSD e a Bancada Feminina liberaram os parlamentares para votar como quisessem.
Acordo
A informação que circulou é que o governo teria costurado um acordo para que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vete parte do projeto e para que o veto seja mantido. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que Lula irá vetar o texto aprovado.
Se isso não acontecer e alguém provocar o STF a se pronunciar sobre ele por meio de uma ação, a decisão tomada nesta quarta pela Corte será a base a ser usada na análise.
"O Senado quer perpetuar o genocídio indígena. Esse projeto de lei legaliza crimes que ameaçam as vidas indígenas e afetam a crise climática. O PL é inconstitucional e o Supremo já anulou o ‘marco temporal’, mas o projeto tem muitos outros retrocessos aos direitos indígenas”, criticou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além do “marco temporal”, o PL 2.903 permite a exploração dos recursos naturais e a instalação de empreendimentos predatórios nas TIs, a desconstituição de “reservas indígenas” e a possibilidade de contatos forçados com indígenas isolados, especialmente vulneráveis a doenças e conflitos. Em nota técnica, o ISA apontou a inconstitucionalidade da proposta ponto a ponto.
"O Senado vai na contramão da Constituição ao legislar em favor de tese declarada inconstitucional pelo STF. Infelizmente, a bancada ruralista não se conforma com um dos principais papéis das Supremas Cortes nas democracias: a defesa dos direitos fundamentais das minorias”, afirma a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
“Infelizmente, o governo cede ministérios e verbas de emendas parlamentares, mas fica sem votos. Dessa forma, promessas fundamentais feitas pelo presidente Lula, como a continuidade das demarcações e a proteção dos direitos e das Terras Indígenas, serão descumpridas", completa.
Fim do julgamento
Na conclusão do julgamento no STF, nesta quarta, os ministros fixaram outras teses complementares sobre a demarcação de TIs que surgiram na análise do caso (leia mais no quadro ao final da reportagem).
A principal novidade, até agora não prevista na legislação, é a possibilidade de pagamento de indenização da terra para produtores rurais que tiverem de ser removidos de suas propriedades. Hoje, segundo a Constituição, a indenização deve ser feita apenas pelas benfeitorias.
Segundo a decisão, haverá direito à indenização quando houver ocupação de boa-fé e o proprietário tiver um título expedido pelo Estado, no caso em que for comprovado que os indígenas não estavam no território e não havia disputa judicial ou conflito em campo em 5 de outubro de 1988, o chamado "renitente esbulho". Não caberá indenização para as áreas já “pacificadas”, ou seja, no caso de TIs já "reconhecidas e declaradas", exceto em casos já judicializados.
O receio do movimento indígena e da sociedade civil é que uma indenização “prévia” dificulte ainda mais o acesso das comunidades aos seus direitos e territórios.
"A indenização prévia relativa à terra nua pode tornar o acesso das comunidades indígenas às suas terras ainda mais demorado do que já é", reforça Moreno Saraiva Martins, coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA. Ele lembra que, no caso de algumas demarcações, o território continua indisponível para os indígenas por mais de 20 anos. “De acordo com a decisão do STF, no caso de comunidades que estejam fora de seu território tradicional, há um grande risco de que elas tenham o direito de reocupá-lo só após o Estado definir o valor da indenização e realizar o depósito para ocupante", conclui.
Além disso, segundo a decisão do STF, o governo poderá assentar uma comunidade indígena em outra área que não a de ocupação tradicional, por meio da desapropriação de terras para constituição de “reservas”, no caso de “absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação”. Nesses casos, as comunidades indígenas seriam ouvidas, mas não teriam o direito de vetar a decisão.
Ampliação de áreas
Ainda de acordo com a decisão do STF, qualquer ampliação de TI só poderá ocorrer em até cinco anos após a “demarcação anterior” e desde que comprovado “grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites”. A regra não abrange ações judiciais ou pedidos de revisão de limites já registrados na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Uma proposta feita pelo ministro Dias Toffoli que causou bastante polêmica e acabou sendo retirada do debate por ele próprio, no último momento, após o intervalo da sessão desta quarta, foi a de determinar que o Congresso regulamentasse, em até um ano, o dispositivo da Constituição que prevê a possibilidade de exploração mineral e a construção de hidrelétricas nas Terras Indígenas.
Antes do debate dos dez pontos da tese final da decisão, os ministros decidiram se adotariam a tese mais sintética, elaborada pelo relator, Edson Fachin, ou a mais extensa, proposta por Toffoli com base em seu próprio voto, no de Fachin, dos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Derrotada por 6 votos contra 5, a proposta mais concisa apenas afirmava que o direito territorial indígena independe de qualquer “marco temporal” ou da comprovação de disputa judicial ou conflito em campo pela terra.
Tese final do STF
(transcrito da transmissão do julgamento e sujeito a revisão com base no texto que será publicado oficialmente)
1- A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena.
2 - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições, nos termos do parágrafo primeiro do Artigo 231 do texto constitucional.
3 - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente, à data da promulgação da Constituição.
4 - Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previsto no Parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
5 - Ausente a ocupação tradicional indígena, ao tempo da promulgação da Constituição Federal, ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição Federal, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular o direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União, e quando inviável o reassentamento dos particulares caberá a eles indenização pela União com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em título da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitida autocomposição e o regime do Artigo 37, parágrafo 6° da Constituição.
6 - Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados em andamento.
7 - É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das Terras Indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando-se se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas, Artigo 16.4 da Convenção 169 da OIT.
8 - O procedimento de redimensionamento de Terra Indígena não é vedado, em caso de descumprimento dos elementos contidos no Artigo 231 da Constituição da República, por meio de instauração de procedimento demarcatório, até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da Terra Indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento.
9 - O laudo antropológico, realizado por meio do Decreto 1.775/1996, é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com os seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo.
10 - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nela existentes.
11 - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.
12 - A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas.
13 - Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutir seus interesses sem prejuízo nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.
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Ministros formam maioria contra a tese ruralista anti-indígena. Discussão sobre indenização por terra de proprietários de “boa-fé” continua na próxima semana
Com o eco da alegria, do grito e do choro emocionados dos mais de 600 indígenas que acompanhavam o julgamento na Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou, nesta quinta-feira (21/09), a tese do “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas.
A interpretação ruralista buscava estabelecer a data de 5 de outubro de 1988 como limite para o reconhecimento da ocupação tradicional indígena no país.
"Passa um filme na mente da gente. Quantas lideranças lutaram por isso, né?", afirmou Setembrino Canlem, cacique geral dos Xokleng de Santa Catarina. Uma área Xokleng, a Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, foi alvo da ação julgada agora pelo STF, o Recurso Extraordinário (RE) 1017365. "Os nossos antepassados que lutaram e que hoje não estão mais aqui, então, essa vitória é deles também", comemorou.
Foram nove votos contra o marco temporal: dos ministros Edson Fachin, relator do caso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Os ministros André Mendonça e Nunes Marques proferiram votos favoráveis.
"A superação do marco temporal pelo STF é uma vitória histórica dos povos indígenas", considera Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. "O Supremo Tribunal Federal afirma sua grandeza ao bem tutelar os direitos fundamentais das minorias. A decisão de hoje fortalece a democracia e põe fim a uma das mais sórdidas tentativas de inviabilizar os direitos indígenas desde a redemocratização do país", comenta.
A discussão tramita na Suprema Corte desde 2019, quando foi reconhecida a repercussão geral do caso sobre a interpretação do artigo 231 da Constituição, que prevê os direitos territoriais indígenas.
O tribunal deve discutir, na próxima semana, as teses propostas pelos ministros sobre a ação, que abordam temas como a indenização pela terra nua aos proprietários com terras adquiridas de boa-fé e sobrepostas a territórios indígenas e também a proposição do ministro Dias Toffoli, que poderá determinar ao Congresso o prazo de 12 meses para legislar sobre a regulamentação do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição, que prevê a possibilidade de mineração e construção de usinas hidrelétricas nas Terras Indígenas, o que hoje é proibido.
"Não é o momento de se decidir [sobre esse assunto] no âmbito do recurso extraordinário", avaliou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. "Além disso, muito nos preocupa a atual configuração do Congresso, que não é favorável a nós, povos indígenas. A gente espera que essa tese não esteja dentro do acórdão e que de fato os ministros fiquem adstritos à legalidade e ao voto do ministro Fachin, ao objeto da ação", concluiu.
Para Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a derrubada do “marco temporal” é fundamental para dar continuidade aos procedimentos demarcatórios. "Sabemos que tem outros desafios a serem superados, dependendo das teses que serão votadas. Há a preocupação sobre a questão da indenização prévia e temas que extrapolam o objetivo do caso de repercussão, como a mineração. Então, uma luta por dia, uma luta por vez. Hoje é o dia de comemorar o ponto final no marco temporal", destacou, após o final da sessão do STF.
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O sócio fundador do ISA Márcio Santilli critica a demora do governo em esvaziar a gaveta deixada por Bolsonaro no Planalto com homologações de Terras Indígenas
Artigo de opinião publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 12/8/2023
Quarta-feira passada (9/8) foi o Dia Internacional dos Povos Indígenas e, também, o dia seguinte da “Cúpula da Amazônia”, que reuniu, em Belém, os chefes dos países da América do Sul que formam a Amazônia. Havia grande expectativa, no movimento indígena, na sociedade civil e no próprio governo, de que o presidente Lula assinasse os decretos de homologação de oito Terras Indígenas (TIs), já demarcadas fisicamente, cujos processos estavam engavetados desde o governo Bolsonaro.
A Constituição determina que a União demarque e proteja as TIs, o que foi descumprido pela gestão anterior. Lula prometeu retomar e concluir todos os processos demarcatórios pendentes. Quando assumiu, encontrou 14 deles apenas na gaveta do Palácio do Planalto. Seis foram homologados em abril, quando se disse, em relação aos outros oito, que ainda havia ajustes formais necessários e que a edição dos respectivos decretos ocorreria mais à frente.
Com as pendências resolvidas e o reenvio dos processos do Ministério da Justiça para a Casa Civil, esperava-se a publicação dos decretos o quanto antes. Nas últimas semanas, circulou a informação de que apenas duas homologações seriam anunciadas, por não haverem, nesses casos, manifestações em contrário. Afinal, nenhum decreto foi editado e o governo alegou que a coincidência da data com o final da cúpula tornava impróprios os anúncios.
Na verdade, imprópria é a vacilação da Casa Civil diante de manifestações extemporâneas contrárias a esses decretos. O receio é que ela signifique ignorância sobre o processo administrativo de demarcação. Por outro lado, põe em dúvida a vontade política do governo e o compromisso do presidente Lula para resolver, de uma vez por todas, as pendências ainda existentes sobre cerca de um terço das TIs com processos abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Diferente do que muitos pensam, não é o decreto de homologação que define os limites de uma TI. Ele é a penúltima etapa de um processo com várias fases e que começa com a criação, pela Funai, de um grupo de trabalho para elaborar o estudo de identificação. Cabe ao presidente do órgão indigenista aprová-lo ou não. Há prazos para a manifestação e contestações de interessados. Depois disso, o Ministério da Justiça aprova ou não os limites ou pode pedir novas diligências à Funai. Se aprovados esses limites, o órgão indigenista procede à sua demarcação física e digitalização. Só depois é realizada a homologação por meio de um decreto presidencial. Após esse passo, ocorre o registro da área no cartório de imóveis da comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Vale lembrar que essas oito terras, assim como as outras seis que foram homologadas em abril, tiveram os seus limites definidos, há muitos anos, por portarias ministeriais. Além disso, recursos públicos significativos já foram investidos nos trabalhos de demarcação física e não há pendências administrativas ou decisões judiciais que impeçam as suas homologações.
Também vale lembrar que estamos discutindo, ainda, a gaveta de Jair Bolsonaro, o presidente mais anti-indígena de nossa história recente, e que há outras 240 áreas com processos abertos na Funai e tramitando em alguma instância do governo à espera de conclusão. Se o governo enrosca-se logo nas pendências herdadas de Bolsonaro, o que se pode esperar do processo como um todo?
O Planalto deveria saber que a definição de limites dessas terras antecedeu as demarcações. Outra pergunta impõe-se: vai sentar em cima dos processos ou devolvê-los à Funai a esta altura, prolongando conflitos e postergando soluções?
O presidente Lula precisa dar um jeito na situação, pois há comunidades envolvidas e tensões locais. A indefinição da Casa Civil afeta o discurso do presidente e pode até provocar uma crise de governo. É melhor desenroscar.
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