Povo Munduruku protesta contra o garimpo ilegal, atividade que já derrubou 440 hectares de floresta no território desde o início de 2022 |Tuane Fernandes/Greenpeace
O desmatamento em Terras Indígenas com a presença de povos isolados bateu recorde e mais que dobrou nos meses de setembro e outubro em comparação com o bimestre anterior. As principais terras afetadas foram Munduruku (PA), Araribóia (MA), Arara do Rio Branco (AC), Jacareúba/Katawixi (AM) e Uru-Eu-Wau-Wau (RO). Foram cerca de 460 hectares desmatados em 20 territórios, segundo análise do sistema Sirad-I, do Instituto Socioambiental (ISA).
A Terra Indígena Munduruku está entre as mais pressionadas e ameaçadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. O monitoramento Sirad-I identificou 440 hectares de floresta desmatada no interior do território desde o início do ano – 136 hectares só no mês de outubro. Desde 2020, quando a TI começou a ser monitorada, 1,5 milhão de árvores foram derrubadas.
Assim como na TI Munduruku, a Terra Indígena Zoró, no Mato Grosso, também está na mira dos garimpeiros. Desde janeiro, foram identificados 25 hectares desmatados em decorrência do garimpo ilegal.
Proteção vencida
A Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, no Amazonas, está à mercê dos invasores desde dezembro de 2021, quando venceu sua portaria de restrição de uso, mecanismo legal de proteção do território.
Há quatro meses o monitoramento do Sirad-I vem identificando sucessivos alertas de desmatamento dentro da Terra Indígena. Nos meses de setembro e outubro, foi identificado um ramal que liga uma fazenda vizinha ao interior da TI e possibilita a extração ilegal e selecionada de madeira – a área identificada somou 68 hectares em setembro.
De acordo com o sistema PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Jacareúba já perdeu mais de 3,3 milhões de árvores. A TI está cercada por estradas e ocupações desordenadas.
Pirititi sob ameaça
Após inúmeras ações da campanha Isolados ou Dizimados, no dia 22 de novembro foi publicado decreto que renovou a restrição de uso que protege os isolados da Terra indígena Pirititi (RO), com prazo de validade até o final do processo demarcatório. O decreto prevê a conclusão da demarcação da TI no prazo máximo de três anos.
Apesar da vitória, o monitoramento do ISA comprovou que a invasão dentro dessa Terra Indígena segue a todo vapor. Entre abril de 2020 e junho de 2022, o desmatamento acumulado no interior desse território atingiu 2.240 hectares, equivalente a mais de um milhão de árvores derrubadas. Na última semana, logo após a renovação, houve um outro foco significativo dentro da TI.
Essa é uma grande vitória para os isolados de Pirititi e demonstra que é possível a Fundação Nacional do Índio (Funai) garantir a renovação, até a conclusão da demarcação, de todas as restrições de uso que legalmente protegem terras de indígenas isolados - inclusive daquelas que ainda aguardam a criação dessa proteção.
No entanto, é preciso que os territórios sejam fiscalizados para que a vida dos indígenas, que dependem exclusivamente da floresta para sobreviver, seja preservada
Precisamos continuar pressionando para que as Terras Indígenas com a presença de Isolados sejam protegidas. Assine a petição!
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Há um ano desprotegida, Terra Indígena Jacareúba-Katawixi (AM) vira terreno de exploração ilegal de madeira
Última Portaria de Restrição de Uso venceu em dezembro de 2021. Levantamento mostra que mais de 12 mil árvores adultas foram derrubadas no território, cerca de 209% a mais do que no ano anterior
A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está entre as Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados mais ameaçadas do país e o motivo é óbvio: há um ano a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligencia a proteção do território sem qualquer justificativa formal. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) comprova que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, o território registrou mais 21,9 hectares em novos desmatamentos, o que representa mais de 12 mil árvores adultas derrubadas.
A taxa de destruição registrada é 209% maior do que a taxa do ano anterior, segundo o Prodes/INPE. Esses dados revelam que existe uma invasão contínua do território para exploração ilegal de madeira sem qualquer ação do Estado para contê-la.
Além do crescimento expressivo do desmatamento, outra constatação alarmante foi evidenciada no levantamento realizado via imagens de satélite: uma nova frente de extração ilegal de madeira no interior da TI Jacareúba-Katawixi. A atividade está acontecendo perto do limite sudeste do território e começou com a abertura de um ramal a partir do interior de uma fazenda vizinha e segue rumo à TI, que por sua vez possui toda essa porção leste tomada de fazendas que pressionam fortemente os limites do território, especialmente à beira do Rio Mucuim, importante afluente da margem direita do Rio Purus.
Os dados obtidos através do sistema de monitoramento autônomo do ISA (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento – SIRAD), comprovam que o aumento do desmatamento pode estar associado com a expectativa dos invasores sobre a não renovação da Portaria de Restrição de Uso — mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados.
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Mapa da MapBiomas/Planet mostra novo ramal ilegal na Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas
“A ausência de medidas enfáticas para a proteção territorial das terras com a presença de indígenas em isolamento sujeita estes povos a ataques, contatos forçados, insegurança alimentar e uma série de outras ameaças que podem ser fatais para a sua sobrevivência física e cultural”, explica a assessora Jurídica do ISA, Juliana Batista.
A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea (AM), faz parte de um importante mosaico de Áreas Protegidas, com uma diversidade de povos indígenas, populações tradicionais e ecossistemas florestais preservados. A TI Jacareúba-Katawixi é sobreposta quase integralmente (96% do território) pelo Parque Nacional Mapinguari, criado em 2008. O registro sistemático da presença dos indígenas isolados na região ocorreu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a existência de vestígios dessas populações.
Apesar de evidências da presença de povos isolados serem registradas desde os anos 1970, a medida protetiva da área só aconteceu, pela primeira vez, em 2007, quando foi editada a primeira Portaria de Restrição de Uso — com prazo de vigência de três anos. Ao fim da primeira portaria, foram editadas mais quatro outras portarias de igual teor, sendo que a última venceu em dezembro de 2021, assinada ainda pelo então presidente da Funai, General Franklimberg.
Segundo Luiz Fernandes, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), “o abandono deste território é mais um sintoma agudo da política de destruição que tomou de assalto cargos de gestão, as instâncias de tomadas de decisão na Funai e, de forma muito particular a política de proteção aos povos indígenas isolados e recente contato".
De acordo com ele, desde a perseguição aos servidores e lideranças indígenas , o abandono das Frentes de Proteção e a falta de condições para atuar, ficou evidente e mais grave a situação nestes últimos três anos. "A Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, vinculada à Funai, é responsável por proteger uma área extensa, que vai da região das fronteiras entre Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, próximo à TI Tenharim do Igarapé Preto, passando pelo interflúvio Madeira-Purus e chegando ao Purus-Juruá a oeste. Não há condições de execução pelo aparelhamento e ingerências da [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato] CGIIRC e da [Diretoria de Proteção Territorial] DPT junto à Unidade Gestora da Região, a CR Médio Purus [ocupada até outubro deste ano por militares], o que reflete no abandono das ações, perseguição e risco de conflitos a todo tempo e nenhuma medida administrativa para garantir a proteção integral da TI Jacareúba Katawixi”, continuou.
“Pela gravidade que se encontra a região, os próprios indígenas, em diálogo com a Frente de Proteção, Ministério Público Federal e o [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] ICMBio, garantiram até 2016 e 2017 a presença de uma Base de Proteção Etnoambiental no norte dessa Terra Indígena e isso garante a proteção, mas nessa porção leste, onde estão abrindo esse ramal, o grande problema é que é uma área totalmente desconhecida em termos socioeconômicos e por isso essa TI é uma das mais vulneráveis em termos de proteção de isolados”, diz Fernandes.
BR-319
Outro fator apontado pelos indigenistas como um possível motivo para a omissão da Funai em proteger a TI Jacaraeúba-Katawixi é pelo fato de seu limite se encontrar somente a 15 quilômetros da Rodovia BR-319, cuja Licença Prévia para a pavimentação foi concedida em 2015 pelo Ibama.
Terra Indígena Jacaraeúba-Katawixi está a somente 15 quilômetros da Rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho|ISA
Já o órgão estadual emitiu a Licença de Instalação para um trecho da obra. A BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e, caso a proteção do território seja efetivada, poderia haver um embargo da pavimentação desse trecho que seria utilizado para facilitar o escoamento de monocultivos.
Segundo um estudo realizado pelo ISA e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um cenário de baixa governança ambiental das políticas de controle e licenciamento ambiental, a TI Jacareúba-Katawixi poderá acumular um desmatamento de 269.974 hectares entre os anos de 2022 a 2039, caso a rodovia seja concretizada.
“A rodovia tem alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que abrirá acesso a vastas áreas da floresta amazônica, preservada pela presença de populações indígenas”, explica Antonio Oviedo, pesquisador do ISA.
Decisão histórica
O levantamento realizado pela Campanha Isolados ou Dizimados foi protocolado na Sexta Câmara do Ministério Público Federal do Amazonas e a expectativa é que seja distribuído aos procuradores que atuam na Terra Indígena para que haja alguma ação de proteção imediata desse território.
No último dia 21 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou, de forma histórica, que o governo brasileiro tome todas as medidas necessárias para garantir a proteção da vida e dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991,proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e elenca sete obrigações impostas à União, à Funai e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para Fachin, existe uma “violação generalizada” dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, devido à "omissão estrutural” do governo brasileiro. Ele afirmou que o governo utilizou um “método” para desfazer as proteções das terras de povos isolados, deixando de renovar as portarias de restrições de uso ou simplesmente não emitindo o instrumento em áreas com confirmação da presença de grupos isolados.
Segundo dados oficiais de 2021, o desmatamento nas 33 TIs com registros de povos isolados e de recente contato, listadas em outra ADPF proposta pela APIB no STF, aa ADPF 709/2020, representou 34% do total desmatado nas TIs da Amazônia legal. Entre 2019 a 2021, foram 51.837,8 hectares desmatados nos territórios de povos isolados e de recente contato, e a média anual neste período representou um aumento de 164% em comparação com a média dos três anos anteriores (2016 a 2018).
Frente à situação emergencial, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas encabeçado pela Coiab e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), lançou em agosto de 2021 a campanha “Isolados ou Dizimados”, que conta com uma petição para pressionar as autoridades a agir para proteger as quatro terras com registros de isolados.
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GT de Povos Originários discute mudança de nome, demarcações e lista de revogações
Grupo de trabalho antecede a criação do primeiro Ministério dos Povos Originários da história do país. Leia essa e outras notícias no Fique Sabendo da quinzena
Deputada Federal Joenia Wapichana no ATL 2022, em Brasília. Parlamentar integra o recém-criado Grupo de Trabalho (GT) dos Povos Originários|Mídia NINJA
Bomba da Quinzena
O Grupo de Trabalho (GT) dos Povos Originários da equipe de transição do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu pela primeira vez em 21 de novembro, quando foram definidos os primeiros passos e ações do grupo. O GT está sendo considerado como um embrião do que será o primeiro Ministério dos Povos Originários da história do país, anunciado por Lula na campanha.
Entre as primeiras medidas definidas pela equipe está a elaboração de uma lista de indicação de indígenas e não indígenas para os demais 30 GTs do governo de transição, no intuito de que as pautas indígenas sejam tratadas por todas as áreas, de forma transversal.
Além disso, o GT produzirá um levantamento de todos os atos que precisam ser revogados, desengavetados e propostos, e vai solicitar informações aos órgãos públicos, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), sobre a situação da política indigenista. O relatório final deve ser elaborado até o dia 11 de dezembro.
O documento deve demarcar as prioridades do novo ministério, como a retomada imediata das demarcações de Terras Indígenas, o fortalecimento e a recomposição orçamentária dos órgãos indigenistas e ambientais, e a retomada da fiscalização e monitoramento das terras.
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi escolhido coordenador executivo do GT. Até o momento, 15 pessoas integram o grupo, sendo 13 delas indígenas. São elas: Kerexu Guarani, Eloy Terena, Kleber Karipuna, Weibe Tapeba, Sonia Guajajara, Yssô Truká, Célia Xakriabá, Benki Piyãko, Joenia Wapichana, Davi Kopenawa, Marivelton Baré, Juliana Cardoso Terena e Tapi Yawalapiti.
Segundo a deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), em relato publicado em suas redes sociais, o GT também tem discutido a mudança do nome do futuro ministério de "Povos Originários" para "Povos Indígenas". Além disso, o grupo também recolherá demandas e sugestões de organizações e lideranças indígenas.
Entretanto, o movimento indígena tem feito críticas em relação à sub-representação dos povos indígenas isolados no grupo. Beto Marubo, líder indígena do Vale do Javari – região onde foram assassinados Bruno Pereira e Dom Phillips – disse que há preocupação de que os povos isolados também sejam assistidos pelo governo federal.
Segundo Marubo, a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) não foram convidados para integrar o GT. A expectativa da Univaja é trabalhar junto com a Funai no governo Lula.
“Esperamos que a Funai possa ter o seu poder de polícia regulamentado e tenha orçamento decente, voltado sobretudo para a proteção das Terras Indígenas e para desativar o esquema de destruição dos mecanismos de proteção ambiental feito durante os quatro anos de governo Bolsonaro. Esperamos que a equipe de coordenação de indígenas isolados seja totalmente renovada”, disse Marubo em entrevista ao jornal O Globo.
De acordo com Marubo, a presença de invasores e quadrilhas organizadas persiste no Vale do Javari e as ameaças contra indígenas têm se tornado cada vez mais agressivas. Recentemente, uma liderança indígena Kanamari foi ameaçada de morte sob a mira de uma arma por um pescador. Para ele, o próximo governo precisa atuar de forma contundente na proteção dos povos isolados.
Extra
A Terra Indígena Pirititi, em Roraima, está interditada por tempo indeterminado graças a um acordo judicial entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai. A medida impede a circulação de não-indígenas na região com presença dos povos indígenas isolados. A Funai também informou que vai concluir os relatórios de identificação e delimitação da Terra Indígena até fevereiro de 2025.
A área vinha sendo interditada por portarias de restrição de uso desde 2012, após a Funai ter identificado pela primeira vez a existência dos indígenas isolados. Desde então, o órgão emitiu portarias de validade curta, de apenas três anos. A partir de 2021, as portarias passaram a ter validade de seis meses.
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Ramal aberto por invasores no limite da Terra Indígena Pirititi, em Roraima, em região com presença dos povos indígenas isolados|Bruno Kelly/ISA
Segundo o MPF, isso criava intensas ameaças aos isolados, uma vez que invasores como grileiros e madeireiros que vivem nos limites da área tinham ciência dos prazos das portarias e ameaçavam invadir a área protegida assim que expirassem.
Com o acordo, a portaria passa a ter vigência indeterminada e a interdição só deve se encerrar quando os estudos para a demarcação forem concluídos e o território for homologado pela União.
Isso vale um mapa
Durante a COP-27, a Cúpula da ONU sobre mudanças climáticas que aconteceu no Egito, lideranças indígenas revelaram que esperam a homologação de cinco Terras Indígenas já no início do governo Lula. A homologação é o último passo para a plena demarcação do território indígena.
Em 2020, o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, recorreu a um parecer aprovado pelo então presidente Michel Temer para devolver à Funai 17 processos de demarcação de Terras Indígenas que estavam no órgão à espera de uma decisão do ministro. O parecer de Temer impôs a aplicação administrativa do chamado Marco Temporal.
Entre esses 17 processos devolvidos, estão cinco Terras Indígenas que aguardavam apenas o decreto de homologação.
O território do povo Kaingang fica localizado em Santa Catarina, em meio aos resquícios da Mata Atlântica. A terra também foi declarada em 2007.
Socioambiental se escreve junto
Treze comunicadores de quatro comunidades da Terra Indígena Yanomami se reuniram na casa do xamã Davi Kopenawa para uma oficina cinematográfica. Juntos, cineastas e antropólogos compartilharam algumas técnicas aos comunicadores indígenas para eles mesmo contarem suas histórias da floresta com o uso de câmeras profissionais, microfones, tripés e fones de ouvido, além de manuais de edição em Yanomae e computadores para edição.
Esta é a quarta oficina de comunicação desenvolvida pela Hutukara Associação Yanomami na terra indígena, e o cinema foi escolhido como foco a pedido dos próprios indígenas. As duas primeiras ocorreram em 2018 e 2019 com ensino de fotografia e produção de boletins de áudio em Boa Vista, na sede da Hutukara. A previsão é que todos os filmes produzidos pelos comunicadores indígenas sejam disponibilizados em um canal da associação.
O protagonismo dos povos indígenas no mundo audiovisual também é tema da exposição Xingu: contatos, que abriu para visitação gratuita no IMS Paulista no início de novembro e deve acontecer até abril de 2023.
Com fotografias que narram as vivências do Parque Indígena do Xingu, a mostra estabelece diálogos entre fotografias e filmes produzidos por não indígenas desde o século XIX e o trabalho atual de cineastas, artistas e comunicadores de povos do Xingu e de outras origens.
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Brasil chega na COP27 em meio a recorde de emissões de gases de efeito estufa
Salto de desmatamento no governo Bolsonaro impulsionou o pior índice em 20 anos. Saiba essas e outras notícias no Fique Sabendo desta quinzena
O Brasil chegou na COP-27, a conferência da ONU para o clima, com a maior alta na emissão de gases de efeito estufa em 20 anos. A COP deste ano acontece em Sharm El Sheikh, no Egito, e debate a implementação do Acordo de Paris, com um enfoque especial para os países em desenvolvimento.
O acordo do qual o Brasil é signatário foi assinado em 2015 e tem como principal objetivo a redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento da temperatura do planeta. Os números mostram que o Brasil está caminhando na contramão do acordo e o motivo principal é o aumento da taxa de desmatamento durante o governo Bolsonaro.
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Focos de incêndio ao longo da vicinal Paraná, via de acesso à Terra Indígena Bau, do povo Kayapó|Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real
Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) mostram que, em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente. Segundo o SEEG, o desmatamento foi o principal responsável pelo aumento nas emissões.
Com o crescimento da área desmatada na Amazônia e demais biomas pelo terceiro ano seguido, as emissões por mudança de uso da terra e florestas tiveram uma alta de 18,5% entre 2020 e 2021. A destruição dos biomas brasileiros foi responsável pelo lançamento de 1,19 bilhão de toneladas brutas de gases estufa na atmosfera.
Este é o quarto ano seguido que o Brasil registra alta nas emissões. O quadro coloca o país como o quinto maior emissor mundial, com 4% do total, atrás de China (23,7% do total), Estados Unidos (12,9%), Índia (6,5%) e Rússia (4,2%).
Enquanto o Brasil aumenta sua emissão de gases de efeito estufa, os povos indígenas atuam mitigando as emissões através da proteção das florestas. Já foi comprovado cientificamente que as Terras Indígenas atuam com barreiras contra a degradação do meio ambiente e, consequentemente, também no combate ao efeito estufa.
Um relatório da ONU mostra que, entre 2000 e 2012, as taxas de desmatamento na Amazônia do Brasil, Bolívia e Colômbia foram entre duas e três vezes menores dentro de Terras Indígenas quando se compara com as áreas ao redor. Essas áreas evitaram entre 42 e 59 milhões de toneladas de emissões de CO2 bruto na atmosfera. Seria como retirar de circulação cerca de 12 milhões de veículos por um ano.
Um estudo recente do Instituto Socioambiental (ISA) também comprovou que as florestas precisam de pessoas. Segundo os dados levantados, os povos indígenas e tradicionais protegem um terço das florestas no Brasil.
É por isso que o futuro do clima global precisa ser debatido com a presença dos povos originários. E é justamente essa a intenção dos povos, juventudes e movimentos originários e tradicionais que marcam presença em mais uma COP.
Durante a COP26, no ano passado, países do dito “primeiro mundo” prometeram uma doação de US$ 1,7 bilhão para que os povos originários sigam protegendo seus territórios. Neste ano, um dos focos do movimento indígena é cobrar o apoio financeiro prometido aos fundos geridos pelas comunidades indígenas.
Apesar dos dados que provam a força dos povos indígenas na preservação da sociobiodiversidade, essas populações tiveram acesso direto a apenas 0,13% dos recursos destinados à redução das mudanças climáticas entre 2011 e 2020.
Outra demanda dos povos indígenas nesta edição é a retomada das demarcações das Terras Indígenas no Brasil, que foram interrompidas completamente durante os últimos quatro anos.
A expectativa é que sejam firmados compromissos por uma nova política socioambiental para o Brasil nos próximos quatro anos, já que, a COP também contará com a presença de membros do governo de transição e do novo presidente eleito, Lula.
Além disso, fique ligado em estande inédito formado por governadores amazônicos e que apresenta uma narrativa e uma agenda próprias, diferentes do estande oficial do atual governo federal.
Os governos amazônicos trazem como foco o desenvolvimento sustentável da floresta amazônica por meio de iniciativas de bioeconomia e do lançamento de um plano regional de combate ao desmatamento e às queimadas.
Baú Socioambiental
A primeira Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP-1, aconteceu em 1995, em Berlim, na Alemanha. Foi dado início ao processo de negociação de metas e prazos específicos para a redução de emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos.
Os países em desenvolvimento não foram incluídos nesta reunião, levando-se em conta o princípio da convenção que fala em “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Apenas 25 anos após a assinatura da convenção, durante a COP-23, realizada em 2017 na cidade de Bonn, na Alemanha, foi criada a Plataforma das Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês).
Foram estabelecidos três grandes eixos de atuação: conhecimento tradicional, capacidade de engajamento, e políticas e ações sobre mudanças climáticas.
A plataforma funciona a partir de um grupo de trabalho facilitador formado por 14 representantes eleitos, metade indígenas e metade dos Estados (países), e agora discute seu segundo plano de trabalho.
Durante a edição de 2008, também foi criado o Caucus, um espaço de reunião entre indígenas que participam das COP e que há algumas edições passou a ser diário. Esse é um importante espaço de articulação dos representantes indígenas, que deliberam sobre posicionamentos gerais, estratégias de atuação e agendas. Delegados dos Estados e agências da ONU são convidados a participar das discussões.
Durante a edição de 2021, as vozes indígenas foram ainda mais amplificadas, resultado de um esforço feito a cada ano pelos representantes dos povos indígenas. Para o Brasil, foi um momento especial. Pela primeira vez, uma jovem liderança indígena brasileira, Txai Suruí, do povo Paiter Suruí, discursou no palco principal do World Leaders Summit, durante a COP-26.
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Por que uma política anti-indígena não cabe no futuro do Brasil
Depois de quatros anos devastadores para a agenda socioambiental, a importância dos povos indígenas para a conservação das florestas ficou ainda mais evidente. Leia no Fique Sabendo da quinzena
Estima-se que, à época da invasão dos europeus, existiam mais de 1.000 povos diferentes, somando até quatro milhões de pessoas. Atualmente, são 305 povos, falantes de cerca de 274 línguas, segundo dados do último Censo (2010). Eles são os principais responsáveis pela preservação de pouco mais de 10% do território nacional.
Assista ao vídeo:
Historicamente, as Terras Indígenas são os os territórios mais protegidos da Amazônia. Nos últimos quatro anos desmatamento, fogo e grilagem dispararam, mas os povos indígenas e seus territórios barraram um avanço ainda maior da degradação. Um estudo recente do Instituto Socioambiental (ISA) comprovou que as florestas precisam das pessoas.
De acordo com o monitoramento do ISA, existem 241 Terras Indígenas com estágio de demarcação entre restrito, em estudo, aprovado e declarado. Mas, durante o atual governo, nenhum processo caminhou até a homologação definitiva.
Após uma temporada nefasta para os povos indígenas no Brasil, os próximos quatro anos serão decisivos para a agenda socioambiental. O crescimento da "Bancada do Cocar'' no Congresso Nacional, puxado por Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG), candidaturas apoiadas pelo movimento indígena, representa uma possibilidade de mudança. Em toda a história do Brasil, apenas dois representantes haviam sido eleitos ao Congresso: Joênia Wapichana de Roraima, em 2018, e Mário Juruna, do povo Xavante, em 1982.
Mas nem tudo são flores. A expectativa é que a “Bancada do Cocar” enfrente uma grande oposição, representada pelo crescimento de parlamentares adversários dos direitos socioambientais, como é o caso do deputado federal eleito Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente e principal responsável pela política anti-ambiental do governo Bolsonaro.
O impacto do primeiro turno na agenda socioambiental no novo Congresso foi medido pelo Farol Verde, projeto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e da Rede Advocacy Colaborativo. A iniciativa criou o Indicador de Convergência Ambiental total (ICAt) para avaliar o compromisso dos parlamentares com a pauta. Numa escala de 0% a 100%, quanto maior, mais “verde”.
Segundo o levantamento, o percentual de deputados “verdes” (acima de 50%) cairá de 30% para 27% e dos “moderados” (ICAt na faixa média) passará de 30% para 33%, enquanto aqueles com ICAt abaixo de 50%, com baixo engajamento socioambiental, vai subir de 37% para 42%. O índice geral da Câmara hoje é 43%. Com a nova composição, cai para 42%.
Os desafios a serem enfrentados pela “Bancada do Cocar” também dependerão muito dos resultados do segundo turno. O próximo governo precisará compreender que a marginalização dos povos e das políticas indígenas é negativa para todos os brasileiros e brasileiras. Um projeto anti-indígena também é um projeto contra o Brasil e não cabe no futuro do país.
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It's time to give back to the people who care for the forests
Public policy and the sensibility of productive sectors towards the issue are still a hiccup of recognition in the face of racism and the brutal appetite of those who want less forest, more monocultures and fast money at any cost
Deborah Lima
- Presidente do conselho diretor do ISA
Nature is the basis for the existence of human societies. There are no human societies if there is no suitable climate, fertile soil, clean oceans and so forth.
The hegemonic economy, however, was shaped by colonialism and a war against nature. Since the scientific revolution of the 17th century, part of humanity has sought at any cost to become master and mistress of the very nature on which it fundamentally depends for survival.
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Deforestation, burning, mining, land grabbing and other aggressions against the forest and its people are taking us to a point of no return|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
We have reached a turning point in which the ruins of this war have been transformed into scorched earth by a denialist government that has pushed to the limit the idea that protected areas and the people who live in them — indigenous people, quilombolas, riverside-dwellers and traditional communities — are obstacles to the economic development of the country.
Despite everything, we have made progress with practical experiences in the relationship between these peoples and the markets (public, private, national, international), helping to strengthen a new economy that cannot be compared to subsidized monocultures, predatory and illegal activities, and synthetic products.
This economy is a contribution to a sustainable future and is already part of the daily life of indigenous peoples, quilombolas and traditional communities in their territories. It already is a circular economy. A bioeconomy. An agroecology, agroforestry. A regenerative economy. There already is bio-construction. There has been for centuries.
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Indigenous people have practiced the care economy as a way of life for centuries and are the ones who protect the forests the most|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
This is an innovative model, practiced for millennia. Economies that, in addition to monetary results, care for both people and nature at the same time.
This model has enormous potential to be developed, as well as a didactic capacity to transform the future by putting people, life and diversity first. That is why we call them socio-biodiversity economies.
Strengthening, recognizing and valuing socio-biodiversity economies, however, involves a major transformation in the understanding that these populations and their territories are producers of knowledge, contributions and services that are fundamental for life on the planet.
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Riverines of Xingu are an example of positive management of biodiversity, extracting Brazil nuts for fair marketing|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
A study published by ISA shows that these peoples and their economies are responsible, jointly, for the protection of one third of the forests in Brazil. In the last 35 years, Indigenous Lands alone have protected 20% of Brazil's national forests.
Studies in archaeology and landscape ecology show that landscape management, based on the lifestyles and culture of indigenous peoples and traditional communities, was and is responsible for the formation of environments in different Brazilian biomes, including the Amazon.
This landscape management is the foundation of Traditional Agricultural Systems, which have been transforming forest into forest for millennia, ensuring the reproduction of ecosystems. These are traditional practices of planting, gathering and extraction that generally sustain landscapes and have a very low environmental impact, especially when compared to other modes, such as monocultures.
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With the Traditional Quilombola Agricultural System, communities in Vale do Ribeira (SP) feed those who need it most and strengthen family farming|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Human practices of very low environmental impact not only enable greater diversification of forest plots but also the maintenance of the landscape itself, guaranteeing the continuity of the ecosystem services generated by it for society, such as biodiversity, maintenance of CO2 storage, water, pollination, among others.
Traditional peoples and communities largely view natural entities as agents endowed with intentionalities, and with whom relations must be established to achieve good management of the territory and social life itself.
As such, there is an evident need to advance the understanding of Payment for Environmental Services (PES), established by Law 14.119 of January 13, 2021.
Based on the interpretation of the law and the understanding of the relevance of the environmental contributions and services generated by the ways of life of indigenous peoples, quilombolas and traditional communities, we are proposing a complementary and specific definition for Socio-environmental Contributions and Services.
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The Xingu Seeds Network, which operates in the Amazon and Cerrado, uses ancestral management practices to sow the forests of the future|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Socio-environmental Contributions and Services are individual or collective activities/practices associated with the ways of life, knowledge, culture and landscape management of indigenous peoples and traditional communities in their territories, which favor the reproduction, recovery or improvement of ecosystem services, and which update and produce cultural diversity.
The recognition of these contributions and services by appropriate public policy is essential for strengthening sociobiodiversity economies and containing the advance of the hegemonic economic model over traditional territories, creating mechanisms to promote local ways of life.
The Food Purchase Program (PAA), the National School Meals Program (PNAE) and the Policy to Guarantee Minimum Prices for Sociobiodiversity Products (PGPM-Bio) are examples of public policies that, even with scarce resources, make it possible to create positive cycles.
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The strengthening of socio-biodiversity economies and the knowledge of forest peoples is the key to stopping the destruction of the planet|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
At the same time, companies that pay attention to the wellbeing of communities and care for their territories have played an important role in fostering these economies, elevating traditional peoples and communities to the forefront and launching initiatives for fair benefit sharing.
Within the millenary and ancestral history of these peoples, however, public policy and the sensibility of productive sectors towards the issue are still a hiccup of recognition in the face of racism and the brutal appetite of those who want less forest, more monocultures and fast money at any cost.
Now is the time to innovate, with more prominence for communities in technological development and a fair distribution of benefits for joint work. To innovate with ways of recognising and valuing these peoples for the services they provide to the planet. And to innovate in guaranteeing and improving their rights, with public policies that promote their ways of living.
It is time to give back to these populations and learn from their way of life. It is time to care for health, life, the present and future. The future can be different.
Translator: Philip Somervell
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É hora de retribuir os povos que cuidam das florestas
É quase nula a valorização das economias da sociobiodiversidade diante do racismo e do apetite brutal dos que querem menos floresta, mais monoculturas e dinheiro rápido a qualquer custo
Deborah Lima
- Presidente do conselho diretor do ISA
A natureza é a base para a existência das sociedades humanas. Não há sociedades humanas se não houver clima adequado, solos férteis, oceanos limpos e assim por diante.
A economia hegemônica, porém, foi moldada no colonialismo e em uma guerra contra a natureza. Desde a revolução científica, no século 17, parte da humanidade busca a qualquer custo tornar-se mestre e senhora da natureza da qual fundamentalmente depende para sobreviver.
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Desmatamento, queimadas, garimpo, grilagem e outras agressões contra a floresta e seus povos estão nos levando a um ponto sem retorno|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Chegamos a um ponto de inflexão em que as ruínas dessa guerra se transformaram em terra arrasada por um governo negacionista que levou ao limite a ideia de que áreas protegidas e os povos que vivem nelas - indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais - são entraves para o desenvolvimento econômico do país.
Apesar de tudo, avançamos em experiências práticas na relação entre esses povos e os mercados (públicos, privados, nacionais, internacionais), contribuindo para fortalecer uma nova economia que não pode ser comparada a monoculturas subsidiadas, atividades predatórias e ilegais e produtos sintéticos.
Essa economia é uma contribuição para um futuro sustentável e já faz parte do dia a dia de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em seus territórios. Já é economia circular. Bioeconomia. Agroecologia, agrofloresta. Economia regenerativa. Já tem bioconstrução. Há séculos.
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Povos indígenas praticam a economia do cuidado como modo de vida há séculose são os maiores responsáveis pela preservação das florestas|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Trata-se de um modelo inovador, praticado há milênios. Economias que, para além do resultado monetário, cuidam ao mesmo tempo das pessoas e da natureza.
Há a partir desse modelo um enorme potencial a ser desenvolvido, além da capacidade didática de transformar o futuro ao colocar em primeiro lugar as pessoas, a vida e a diversidade. Por isso, chamamos de economias da sociobiodiversidade.
Fortalecer, reconhecer e valorizar as economias da sociobiodiversidade, porém, passa por uma importante transformação no entendimento de que essas populações e seus territórios são produtores de conhecimento, contribuições e serviços fundamentais para a vida no planeta.
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Ribeirinhos do Xingu são exemplo do manejo positivo da biodiversidade, extraindo a castanha-do-Parápara a comercialização justa|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Estudo publicado pelo ISA mostrou que esses povos e suas economias são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. Nos últimos 35 anos, somente as Terras Indígenas protegem 20% do total de florestas nacionais.
Os estudos de arqueologia e ecologia da paisagem mostram que os manejos da paisagem, baseados nos modos de vida e na cultura de povos indígenas e comunidades tradicionais, foram e são responsáveis pela formação de ambientes de diferentes biomas brasileiros, inclusive a Amazônia.
Esse manejo da paisagem fundamenta os Sistemas Agrícolas Tradicionais, que têm transformado floresta em floresta por milênios, garantindo a reprodução dos ecossistemas. São práticas tradicionais de plantio, coleta e extrativismo que, no geral, mantêm as paisagens com baixíssimo impacto ambiental, especialmente quando comparado a outros modos, como as monoculturas.
Práticas humanas de baixíssimo impacto ambiental não só possibilitam maior diversificação de parcelas de floresta como a própria manutenção da paisagem, também garantindo a continuidade dos serviços ecossistêmicos gerados por ela para a sociedade, como biodiversidade, manutenção do estoque de CO2, água, polinização, entre outras.
Perspectivas de povos e comunidades tradicionais, em grande parte, enxergam entes da natureza como agentes dotados de intencionalidades e com os quais é preciso estabelecer relações para alcançar uma boa gestão do território e da própria vida social.
Com isso, fica evidente a necessidade de avançar sobre o entendimento de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), instituído pela Lei 14.119 de 13 de janeiro de 2021.
Com base na interpretação da lei e no entendimento da relevância das contribuições e serviços ambientais gerados pelos modos de vida de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, estamos propondo uma definição complementar e específica para Contribuições e Serviços Socioambientais.
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A Rede de Sementes do Xingu, que atua na Amazônia e no Cerrado, utiliza práticas ancestrais de manejo para semear as florestas do futuro|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Contribuições e Serviços Socioambientais são atividades/práticas individuais ou coletivas associadas aos modos de vida, conhecimento, cultura e manejo da paisagem de povos indígenas e comunidades tradicionais em seus territórios, que favorecem a reprodução, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, e que atualizam e produzem a diversidade cultural.
O reconhecimento dessas contribuições e serviços por políticas públicas adequadas é fundamental para fortalecer as economias da sociobiodiversidade e conter o avanço do modelo econômico hegemônico sobre os territórios tradicionais, criando mecanismos de promoção dos modos de vida locais.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) são exemplos de políticas públicas que, mesmo com recursos escassos, possibilitam criar ciclos positivos.
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O fortalecimento das economias da sociobiodiversidade e do conhecimento dos povos da floresta é a chave para deter a destruição do planeta|Adams Carvalho/Cama Leão/ISA
Ao mesmo tempo, empresas atentas ao bem-viver das comunidades e ao cuidado com os territórios têm assumido um papel importante ao fomentar essas economias, alçando ao protagonismo povos e comunidades tradicionais e dando início a experiências de justa repartição de benefícios.
Na história milenar e ancestral desses povos, porém, as políticas públicas e a sensibilidade de setores produtivos para o tema ainda são um soluço de valorização diante do racismo e do apetite brutal dos que querem menos floresta, mais monoculturas e dinheiro rápido a qualquer custo.
Agora é hora de inovar, com mais protagonismo das comunidades no desenvolvimento tecnológico e com a justa repartição de benefícios pelo trabalho conjunto. Inovar com formas de reconhecer e valorizar esses povos pelos serviços prestados ao planeta. E inovar na garantia e aprimoramento de seus direitos, com políticas públicas que promovam seus modos de vida.
É hora de retribuir essas populações e aprender com seu jeito de viver. É hora de cuidar de saúde, vida, presente e futuro. O futuro pode ser outro.
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Mais de 60 mil árvores foram derrubadas na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 2022
Áudio do "Papo dos Isolados", iniciativa do ISA e da Coiab, lembra também que, em julho e agosto, invasões aumentaram 50% nos territórios com presença de isolados
No terceiro episódio dos áudios Papo dos Isolados, o parente Kauri, do povo Wajãpi, expõe um dado alarmante: em dois meses o desmatamento cresceu 50% nas Terras Indígenas com povos isolados. Foram aproximadamente 215 hectares desmatados somente entre os meses de julho e agosto de 2022.
Outra informação crítica: ao longo de 2022, só na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, mais de 60 mil árvores foram derrubadas. O território está cercado por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja.
Os áudios Papo dos Isolados são lançados mensalmente pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Coordenação das Organizações Indígenas do Brasil (Coiab) e trazem novidades sobre a situação das Terras Indígenas com presença de povos isolados e de recente contato. Os dados são extraídos do Sirad-I, um sistema de monitoramento realizado pelo ISA.
Saiba essas e outras atualizações sobre a situação dos parentes isolados todo mês no Papo dos Isolados. Além de receber o áudio pelo WhatsApp, você também pode acessar os alertas pelo Instagram ou pelo Spotify.
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Governo Bolsonaro avança sobre Unidades de Conservação
Enfraquecimento de políticas e desmonte de órgãos ambientais foram algumas das principais estratégias usadas contra áreas protegidas, mostram autores do ISA em nova publicação
Sobrevoo em 2020 registrou fogo no Parque Nacional do Jamanxim, município de Itaituba, na região sudoeste do Pará|Marizilda Cruppe/Amazônia Real
Diante da possibilidade de fim da era bolsonarista, os retrocessos socioambientais do atual governo são uma herança que precisará ser revertida caso o Brasil não queira continuar sendo exemplo de uso insustentável dos recursos naturais. Como proteger quando a regra é destruir, nova publicação do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a editora Mil Folhas que será lançada nesta sexta-feira (07/10), traz um panorama sobre as ameaças do enfraquecimento das políticas de proteção ambiental e lança perspectivas e estratégias para reverter a realidade criminosa à qual as Unidades de Conservação (UCs) no Brasil foram submetidas.
Entre os 23 artigos de especialistas que compõem o livro, “A desconstrução das políticas de proteção das Unidades de Conservação", dos pesquisadores do ISA Antonio Oviedo e Nurit Bensusan e do assessor jurídico do ISA, Maurício Guetta, denuncia o método adotado pelo atual governo para promover o desmonte da proteção ambiental no país.
Os pontos mais cruéis desse roteiro de destruição apontam para o estímulo à ilegalidade ambiental por meio da baixa fiscalização e a edição de novas normas que esvaziaram as políticas ambientais. No mesmo sentido, foram criados projetos de lei que facilitaram a entrada de atividades de grande impacto, como de infraestrutura, mineração, energia e agropecuária em Unidades de Conservação. Além disso, cortes de orçamento submeteram os órgãos ambientais à inanição.
Logo no primeiro ano do atual governo, em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles anunciou que anularia todas as 334 UCs federais do país. Isso só não foi possível porque havia uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), implementada em 2018, que impedia diretamente a anulação, ponderando que qualquer alteração deveria ser tramitada por lei específica.
Mesmo com a frustração do plano inicial de anulação das UCs, outras estratégias foram utilizadas para liberar a destruição dessas áreas, como por exemplo a Medida Provisória nº 870, que possibilitou a extinção de diversas estruturas essenciais para a proteção. Entre elas, todas as instâncias de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Além disso, todos os programas do MMA sofreram corte orçamentário. O principal programa orçamentário, “Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais”, perdeu mais de R$18 milhões e tinha como meta criar ferramentas e instrumentos de gestão para conservação, monitoramento, recuperação e biodiversidade.
“Hoje as Unidades Conservação só estão protegidas no papel, pois não há ações concretas dos órgãos competentes. A medida provisória, que depois virou lei, conseguiu anular as estruturas governamentais que garantem a existência efetiva dessas áreas, permitindo que a ilegalidade opere livremente", explica Guetta.
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A quase-morte das UCs
O corte dos orçamentos em mais de 30% e a baixa execução dos recursos das instituições de proteção ambiental, como a do Ibama e ICMBio, contribuíram para que crimes ambientais fossem instaurados nas áreas protegidas, como o avanço de registros irregulares do CAR, desmatamento e fogo. O ICMBio chegou a ter um corte de R$97 milhões, ou metade do seu orçamento original, se comparado com 2017.
Essa é somente a ponta da herança dos retrocessos. A falta de transparência das informações sobre as UCs e o afastamento compulsório da sociedade civil – com a extinção dos conselhos e impedimento à participação – limitaram a fiscalização do poder público e a gestão das áreas.
Ao longo de duas décadas, as Unidades de Conservação foram garantia de proteção dos biomas brasileiros. Especialmente na Amazônia, as áreas protegidas contribuíram para a redução de 84% do desmatamento entre 2004 e 2012. Por outro lado, nos últimos três anos, diante da diminuição expressiva do combate aos crimes ambientais, o uso predatório dessas áreas compromete o futuro socioambiental do país.
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O governo de Jair Bolsonaro consolidou um novo patamar de destruição das áreas protegidas, principalmente na Amazônia. Com base nos dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as UCs federais sofreram um aumento de 130% do desmatamento se comparado com os dados consolidados nos três anos anteriores ao governo Bolsonaro. O garimpo ilegal aumentou 44,2%.
Além da devastação ambiental nos últimos três anos, a invasão de grileiros foi expressiva. Hoje existem 43 mil imóveis ilegais cadastrados ilegalmente, que sobrepõem mais de 97% da área das Unidades de Conservação. As invasões ganharam força e legitimidade com os discursos presidenciais e a tentativa de aprovação de projetos como o PL da grilagem.
“Enquanto houver uma visão colonial, que troca o conhecimento das populações tradicionais que habitam essas UCs por um aparato tecnocrático e formas de usos insustentáveis, não haverá proteção ambiental das UCs. É preciso forçar um caminho para a mudança dessa agenda”, diz Oviedo.
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Para a conservação da biodiversidade seguir outros rumos, defendem os autores do artigo, será preciso ressuscitar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e as instituições que promovem o combate direto aos crimes ambientais. As populações tradicionais fortemente conectadas às UCs devem participar ativamente na formação e manutenção dos espaços que compõem as UCs.
No artigo, destacam-se três medidas urgentes para reverter o cenário de retrocessos ambientais:
1- Ibama e ICMBio devem retomar as ações de fiscalização ambiental, combate ao desmatamento, incêndios florestais e outras ações criminosas nas UCs;
2- Garantia de dotação orçamentária compatível e de recursos humanos para as ações finalísticas do ICMBio, tais como implementação de instrumentos de gestão e monitoramento;
3- Realizar tais medidas mediante os mais altos parâmetros de transparência, participação pública e controle social.
Além dessas medidas, será necessária a suspensão e anulação de todos os registros do CAR de terceiros em sobreposição às UCs, assim como dos requerimentos minerários que incidem em determinadas categorias de UCs. É fundamental também que as obras de infraestrutura planejadas sejam implementadas somente após cuidadoso estudo de impacto ambiental, garantindo principalmente consulta prévia dos moradores do entorno e populações tradicionais da região.
“Enquanto insistirmos em transformar esse planeta convidativo em um mundo hostil para nós mesmos, não haverá futuro nem país. É essencial recuperar estratégias para proteger a biodiversidade e os modos de vida de povos e comunidades. Mas não basta recuperar as políticas e instituições. Temos que fazer mais: temos que reinventar a conservação para além da visão tecnocrática e colonial”, finaliza Bensusan.
Registro de 2020 de monocultura ao lado da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, próximo ao município de Seringueiras (RO)|Bruno Kelly/Amazônia Real
Os meses de julho e agosto somaram o maior desmatamento em Terras Indígenas com povos isolados desde o início de 2022. Foram aproximadamente 215 hectares desmatados, um aumento de 50% em relação ao bimestre anterior, segundo o boletim Sirad-I, do Instituto Socioambiental (ISA).
Os territórios que mais sofreram com queimadas e desmatamentos ilegais neste último semestre foram as terras indígenas Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Jacareúba/Katawixi (AM), Munduruku (PA) e Araribóia (MA).
Os focos de calor nas terras com povos indígenas isolados na Amazônia aumentaram 10% em relação ao mesmo período no ano passado. A maior parte desses focos está em áreas que vêm sendo desmatadas desde o começo do ano, mas só agora, com a elevação da seca, foi possível realizar a “limpeza” da área com fogo. Nesse processo, os invasores queimam toda a vegetação remanescente, deixando o solo totalmente exposto, pronto para o plantio.
Apenas entre julho e agosto, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, teve mais de 80 hectares devastados. A área desmatada nesse território desde o começo do ano equivale a quase 60 mil árvores derrubadas. A terra é cercada por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja. Os invasores não respeitam os limites da Terra Indígena e avançam em direção ao interior do território.
Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau nos cinemas
A realidade dos povos indígenas do território Uru-Eu-Wau-Wau está em cartaz nos cinemas com o filme O Território, premiado internacionalmente no Festival Sundance, que tem como produtora executiva a ativista e liderança indígena Txai Suruí.
O filme denuncia desmatamentos, invasões de terras, queimadas e perseguições contra os povos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, que resistem incansavelmente e se reinventam na tentativa de proteger a floresta. As gravações foram feitas em Rondônia, com participação de cineastas locais, do fotógrafo e liderança indígena Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau e da indigenista Neidinha Bandeira, da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
O Território está em cartaz nos cinemas brasileiros desde o dia 8 de setembro.
Confira o trailer:
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