Manchetes Socioambientais
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“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Beiradeiros, agroextrativistas e indígenas ampliaram formas de valorização de sua economia e modos de vida no 11º Encontro da Rede Terra do Meio, em Altamira (PA)
Você já provou a castanha-do-brasil retirada diretamente do ouriço? Wara Wara Xipaya, professora e extrativista, conta que o sabor é único. “A castanha, quando é retirada do ouriço, é fresca e tem um leite delicioso usado para alimentar as crianças e na culinária em geral. A castanheira é uma árvore muito grande que tem vários ouriços que caem no chão. Daí a gente faz a coleta e quebra esse ouriço, que guarda de 20 a 25 amêndoas. A gente descasca e come, mas também pode ralar e espremer essa amêndoa para tirar o leite. E aí já está no jeito pra beber, utilizar na comida, com beiju, que a gente chama de paru, e outros nossos alimentos”, detalha.
Essa riqueza, colhida às margens do Rio Iriri, na Terra Indígena Xipaya, e em toda a Terra do Meio, em Altamira (PA), é um exemplo dos conhecimentos e produtos da sociobiodiversidade que a Rede Terra do Meio transforma em sustento e conservação da floresta, dos povos e suas culturas.
Entre os dias 6 e 8 de dezembro, Altamira recebeu o 11º Encontro da Rede Terra do Meio, espaço de governança que reuniu 31 das 39 organizações que compõem o coletivo, representando 10 territórios indígenas, três reservas extrativistas – Resex Xingu, Resex Riozinho do Anfrísio e Resex do Iriri - e uma organização de agricultura familiar, localizadas em aproximadamente 7,9 milhões de áreas protegidas.
Durante o evento, foram aprovados instrumentos inovadores, como o Fundo Terra do Meio. Foram redefinidos valores de produtos e, ainda, discutido o aprimoramento de atividades, entre elas a coleta de sementes e comercialização para restauração e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Além disso, o Governo do Pará apresentou uma proposta de projeto para pilotar e desenvolver mecanismos de Pagamentos por Serviços Territoriais e Ambientais (PSTA) – voltado para territórios coletivos.
Presidente da Rede Terra do Meio, Francisco de Assis Porto de Oliveira – o Seu Assis -, reforçou a importância da união do grupo, formada por agricultores familiares, beiradeiros e indígenas: “Desde a criação da primeira cantina, em 2009, vimos a Rede crescer. Hoje, cuidar dela é cuidar de algo que pertence a todos nós.”
Analista sênior em economia da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), Jeferson “Camarão” Straatmann considera que o encontro da Rede Terra do Meio é mais do que um espaço de troca de experiências: trata-se de um momento de reafirmar compromissos e sonhar com novos horizontes. Ele integra a secretaria executiva da Rede.
“A Rede promove a sociobioeconomia, levando em conta não só produtos e comércio, mas principalmente o fortalecimento dos saberes, conhecimentos e práticas de manejo que mantêm a floresta viva, desencadeando efeitos positivos para a cultura, biodiversidade, proteção da água, combate aos efeitos da mudança climática. Essa é uma economia que gera renda, promove culturas e entrega serviços ecossistêmicos para todas e todos nós”, explica.
Coordenadora adjunta do Programa Xingu, do ISA, Fabíola Silva reforça que o encontro é um momento único de articulação e planejamento coletivo dos povos e comunidades tradicionais. “Se governos e sociedade querem tratar de bioeconomia e de estratégias para promover povos e produtos da floresta, é preciso olhar para a Rede Terra do Meio”, diz.
Sonhos e planejamentos
Os participantes do encontro aprovaram o Fundo Terra do Meio, que contará com recursos de projetos, doações e pagamentos por serviços ambientais (PSA), promovendo a execução de ações ligadas às estratégias e objetivos da Rede. O fundo deve promover atividades de governança, estruturas coletivas e manejo, com previsão de recursos para emergências.
"O Fundo Terra do Meio é uma construção inovadora, oficializada neste encontro. Ele é parte do regimento interno que foi atualizado e aprovado na assembleia. E vai nortear a aplicação e o investimento de recursos, com foco em governança, manejo e resposta a crises climáticas e outras emergências, melhorando a qualidade de vida das pessoas que vivem nas comunidades", explica Francinaldo Lima, membro da secretaria-executiva da Rede Terra do Meio.
Durante o encontro, João Luis Abreu, economista do ISA, desenhou um painel ilustrativo e explicativo da estrutura da Rede e do Fundo da Terra do Meio, tendo o apoio de Clara Assis, assessora da secretaria executiva do ISA.
“Neste espaço de troca, onde desafios são refletidos, sonhos ganham direção e decisões são tomadas em conjunto. Essa é a essência da construção de uma economia em rede que promove a floresta em pé e o bem estar das comunidades”, afirma João Luis Abreu.
O fundo será utilizado com base em critérios claros, aprovados coletivamente, e contará com um sistema de premiação para incentivar boas práticas. Entre as possibilidades, está o fortalecimento da diversidade nas roças.
Além disso, a governança será marcada pela transparência. “É uma responsabilidade coletiva e um ganho para a Rede, que agora tem um novo instrumento para potencializar suas ações”, comenta Jeferson “Camarão”.
PSTA: valorizando os guardiões da floresta
Outro ponto alto do encontro foi a apresentação, pelo Governo do Estado do Pará, do projeto piloto do Programa de Pagamento por Serviços Territoriais e Ambientais (PSTA) em Territórios Coletivos.
O objetivo é construir o programa estadual de pagamentos por serviços ambientais para territórios coletivos a partir das experiências a serem construídas na região da Terra do Meio. O piloto, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), deve iniciar em 2025 com o processo de consulta às comunidades.
O PSTA tem como objetivo reconhecer e recompensar as comunidades que mantêm a floresta em pé, preservando a biodiversidade e mitigando os impactos das mudanças climáticas.
Articulador do programa pelo Governo do Pará, Vanderson Serra destacou que as formas como esse pagamento será feito serão discutidas com as comunidades, com decisão conjunta.
A região da Terra do Meio foi escolhida para o piloto devido às estruturas de governança existentes, como a Rede Terra do Meio. Os representantes da rede concordaram em seguir em diálogo com o estado do Pará, acompanhando os processos de consulta, construção e teste dos mecanismos de pagamento e promoção dos serviços de conservação que realizam há séculos.
Alimentando escolas e fortalecendo comunidades
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), acessado em 2024 pela Rede Terra do Meio, vem transformando a relação entre as comunidades e as escolas da região e gerando renda.
Assessora da Diretoria de Política Agrícola e Informação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Maria Cazé esteve no encontro e promoveu uma oficina com representantes de 12 territórios – três Resex e nove terras indígenas – que vão começar a desempenhar o papel de agentes territoriais para apoiar a execução e comunicação do PAA, visando ainda maior participação da base de produtores na gestão de novos projetos.
“Esse, para nós, é um dos projetos de PAA mais importantes do Brasil. Aqui na Terra do Meio está o maior projeto executado pela Conab no Pará, no valor de R$ 1,5 milhão. É um projeto que tem a maior diversidade de alimentos entre todos os executados – são 82 tipos. Foram incluídos no programa 22 alimentos que não tinham sido registrados ainda. Ninguém no Brasil entrega alimentos como golosa, cacauí, peixe feito na massa da macaxeira. Esse projeto é grandioso tanto em diversidade de alimentos quanto em diversidade de povos”, explica.
Além de melhorar e trazer diversidade para a alimentação nas escolas dos territórios, o PAA impacta positivamente a economia das comunidades.
Moradora da comunidade Baliza, na Resex Xingu, Marinês Lopes de Souza faz entrega de alimentos para a escola local. “Faço entrega de manga, carambola, cheiro verde, feijão verde, arroz, galinha, bolo de babaçu”, enumera.
Com a atividade, ela reforça a renda e alimenta a própria família: seis de seus netos estudam na escola e podem comer na merenda os produtos do quintal, da roça e da floresta. “É um incentivo para continuar produzindo e preservando nossa cultura”, diz.
O articulador de políticas públicas Leonardo de Moura, do ISA, ressaltou o caráter inovador do PAA: “Estamos mudando a forma de executar políticas públicas, adaptando-as às realidades locais. Isso é essencial para promover justiça social e ambiental.”
Na Rede Terra do Meio, em 2024, a castanha – um dos principais produtos do coletivo - movimentou R$ 500 mil. O PAA movimentou R$ 1 milhão.
Modelo de sociobioeconomia
A Rede Terra do Meio é um exemplo concreto de como a sociobioeconomia pode aliar cultura, conservação e geração de renda. Com produtos como castanha, babaçu, óleo de andiroba e artesanatos, a Rede promove uma economia que mantém a floresta viva, garantindo sustentabilidade para as comunidades e reduzindo os impactos das mudanças climáticas.
Fazem parte da rede de beiradeiros, agricultores familiares e povos indígenas como Xipaya, Kuruaya, Xikrin, Kayapó, Arara, Araweté e Assurini.
Em 2024, foram movimentados mais de R$ 2 milhões em produtos como a castanha coletada por Wara Wara Xipaya e por grande parte dos moradores da Terra do Meio: o que não é consumido pelas famílias, é encaminhado para venda ou troca na rede de cantinas num processo que promove o comércio justo.
“Tudo o que fazemos, da roça ao manejo sustentável, é trabalho que gera conservação”, resume Francisco de Assis Porto de Oliveira.
Comunicadores amplificam vozes da Rede Terra do Meio
Conhecedores das Terras Indígenas e reservas da Terra do Meio, jovens comunicadores vêm fortalecendo os caminhos da sociobiodiversidade com suas câmeras e celulares. A Rede Terra do Meio agora conta com um grupo de comunicadores que desempenham um papel essencial na proteção dos modos de vida dos indígenas agroextrativistas e ribeirinhos da região e fortalecem a união entre os integrantes da Rede Terra do Meio, conectando e informando todos sobre as atividades da Rede.
Quem está à frente do grupo é Joelmir Silva e Silva, assessor de comunicação da Rede Terra do Meio. “Sou beiradeiro, neto de indígena e filho de seringueiro, da comunidade Maribel, às margens do rio Iriri, na Terra Indígena Cachoeira Seca”, descreve.
Em 2019, ele foi escolhido por lideranças da sua comunidade para exercer a função de comunicador na Rede Xingu+. “Meu trabalho busca traduzir informações técnicas para uma linguagem acessível às comunidades, promovendo entendimento e integração”, explica.
"É uma forma de luta. Somos comunicadores e lideranças e atuamos através de câmeras e celulares para tirar nosso povo da invisibilidade", relata, destacando a importância de dar voz às narrativas locais. Agora, ele assume o desafio de fortalecer a comunicação da Rede Terra do Meio.
Clique aqui e confira a exposição Os Olhos do Xingu, onde o comunicador Joelmir Silva apresenta as belezas e desafios no Xingu.
A Rede Xingu+, por meio dos Comunicadores indígenas e ribeirinhos do Xingu, está fortalecendo a produção coletiva da comunicação na Rede Terra do Meio. Esse grupo é composto por 33 comunicadores engajados, que unem esforços para valorizar as vozes e as realidades das comunidades que vivem.
Assista ao vídeo feito pelos comunicadores:
Parte dos Comunicadores da Rede Xingu+ integram a comunicação da Rede Terra do Meio, que atualmente conta com nove Comunicadores, entre eles, está Alice Freitas Kuruaya, comunicadora da Resex Rio Xingu.Outro exemplo é Maxiel da Silva Ferreira, da Resex Rio Iriri, que encontra na fotografia e no cinema poderosas ferramentas para divulgar e proteger a cultura ribeirinha. Ele ressalta como a troca de experiências entre os comunicadores da Rede Terra do Meio é fonte de aprendizado e inspiração para seu trabalho.
Já Yjapyka Xipaya, morador da TI Xipaya, iniciou sua jornada como comunicador no ano passado. Ele divide seu tempo entre as atividades tradicionais da aldeia e sua atuação como comunicador, aproveitando as reuniões e encontros para absorver conhecimento e aprimorar sua experiência. Como ele mesmo relata: “Agora eu estou criando mais experiência, encontrando com os comunicadores. Às vezes eu fico calado, prestando atenção, aprendendo nas reuniões.”
A Rede Terra do Meio se consolida como um espaço de aprendizagem colaborativa, onde os caminhos da sociobiodiversidade se encontram. Comunicadores como Joelmir, Alice, Yjapyka e Maxiel, junto a outros jovens, têm trabalhado para fortalecer as vozes da floresta, visibilizando as histórias dos membros que formam a Rede Terra do Meio e compartilhando com o mundo como os seus modos de vida contribuem no enfrentamento às mudanças climáticas
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Museu Nacional da República recebeu 1.645 visitantes na abertura da mostra fotográfica que conecta arte e luta dos povos do Xingu
A exposição "Os Olhos do Xingu", inaugurada na última sexta-feira (06/12) no Museu Nacional da República, em Brasília, destaca a luta dos povos indígenas e ribeirinhos da Bacia do Rio Xingu. Por meio de fotografias e vídeos, a mostra oferece um olhar sensível sobre a cultura, os desafios e as ameaças enfrentadas no Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental.
Os comunicadores que participam da exposição fazem parte da Rede Xingu+ e conectam, por meio da produção de fotografias e vídeos, o vasto território que se estende por 26,7 milhões de hectares entre os biomas Amazônia e Cerrado, abrangendo áreas protegidas nos estados do Pará e Mato Grosso.
Fundada em 2019, a Rede Xingu+ surgiu em resposta ao avanço das ameaças e pressões sobre o Corredor, demonstrando ao longo dos anos que sua atuação é crucial para a proteção do território e o enfrentamento à crise climática.
A rede congrega 53 organizações e movimentos indígenas, ribeirinhos e da sociedade civil, que operam nas nove unidades de conservação e 22 terras indígenas da Bacia do Xingu, articulados em torno da proteção das vidas do Xingu.
“A foto de uma criança representa a vida livre na aldeia. É isso que queremos: ser livres e saudáveis. Sinto que, como comunicadores, lutamos através da comunicação. Eu me vejo como uma liderança, não tradicional, mas uma liderança que luta pelos direitos, não só dos povos indígenas, mas de todos. Se a gente não falar, todos sofrerão as consequências”, afirma Kujãesage Kaiabi, curadora da exposição.
Durante a cerimônia de abertura, Kujãesage Kaiabi reforçou o papel das imagens como forma de resistência: “Estamos aqui não somente expondo uma foto bonita, mas fortalecendo a luta das nossas lideranças. Nosso papel é muito importante. Somos os olhos do Xingu e lutamos pela proteção contra as ameaças”.
A abertura marcou não apenas um momento importante na trajetória profissional e pessoal da curadora Kujãesage Kaiabi e dos oito Comunicadores Xinguanos, mas também um avanço na ocupação de espaços de resistência pelos povos indígenas e ribeirinhos.
“Para mim, essa exposição representa que nós, povos indígenas, podemos ocupar qualquer espaço que desejarmos, incluindo aqueles que são fundamentais na luta pela resistência”, declarou a curadora.
Para o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya, a exposição marca um momento histórico para o seu trabalho. “Levar o meu olhar até a capital do Brasil, no espaço mais importante do país, que é o Museu Nacional da República, é uma conquista para nós artistas indígenas e beiradeiros”, contou emocionado durante a abertura da exposição.
O evento contou com a presença de apoiadores e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, o que reforçou o reconhecimento da exposição idealizada pelos comunicadores indígenas e ribeirinhos. “Sentir esse apoio é uma confirmação de que nossa voz está sendo ouvida e valorizada”, afirmou Kujãesage Kaiabi.
Joenia Wapichana compôs o cerimonial de abertura e destacou a importância da arte como ferramenta de comunicação e resistência: “A sociedade brasileira precisa entender e se engajar nesses esforços, porque a luta por direitos indígenas deve ser uma responsabilidade compartilhada. Por meio do talento e potencial dos povos indígenas, mostramos que queremos apenas ser respeitados nos nossos modos de vida”, afirmou.
Além de Joenia Wapichana, participaram do evento Felipe Ramón Moro Rodríguez, representando a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal e o Museu Nacional da República; Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA); e Jean-Pierre Bou, chefe-adjunto da Delegação da União Europeia no Brasil.
“Fico muito feliz e fortalecido pelo ministro Jean-Pierre Bou e a presidenta da Funai prestigiar a exposição e reconhecer o nosso papel que é importante na luta pela vida, território e direito”, compartilhou o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya.
Também estiveram presentes na abertura Thiago Yawanawá, chefe de gabinete da deputada Célia Xakriabá, e Lucas Marubo, coordenador da Frente Parlamentar Mista em Direitos dos Povos Indígenas, bem como Tukumã Pataxó e Samella Sateré Mawé, representantes da comunicação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Serpenteando pelas curvas do Xingu
Após o cerimonial de abertura, o público foi convidado a conhecer as 20 fotografias pela voz dos comunicadores xinguanos, que conduziram uma visita guiada compartilhando as histórias que motivaram a produção das imagens.
Joelmir Silva e Silva, Kamatxi Ikpeng, Kokoyamaratxi Renan Suya, Kubenkàkre Kayapó, Kujãesage Kaiabi, Nharapá Juruna, Po yre Menkragnotire, Tauana Kalapalo e Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro explicaram os recursos escolhidos para a produção e o tratamento das imagens, além de apresentar as pessoas e lugares retratados.
A visita também contou com a presença de 15 alunos da graduação do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), acompanhados pelo professor e antropólogo Henyo Barreto. A presença dos comunicadores indígenas e ribeirinhos proporcionou um aprendizado enriquecedor, baseado no contato direto com narrativas de quem vive no Xingu.
Os estudantes tiveram a oportunidade de dialogar com os comunicadores xinguanos, que desempenham um papel ativo na representação de suas comunidades, aproximando os futuros antropólogos de uma abordagem mais participativa. Durante a visita guiada, os comunicadores não apenas compartilharam suas visões e conhecimentos, mas também desafiaram os estudantes a refletirem sobre a centralidade da voz indígena e ribeirinha na construção do saber antropológico.
A interação agregou às discussões teóricas a vivência prática, oferecendo uma compreensão mais rica e contextualizada das questões culturais e políticas dos povos do Xingu. Essa experiência sensibilizou os estudantes para as complexidades das relações interculturais, contribuindo para que atuem como profissionais mais conscientes e comprometidos com a justiça social e o respeito à diversidade.
Para o comunicador Kokoyamaratxi Renan Suya, a visita dos alunos e professores universitários teve um papel essencial, pois permitiu que eles se conectassem com as obras e narrativas sobre a diversidade cultural, a importância da biodiversidade e os desafios enfrentados nos territórios do Xingu. Ele destacou que o conhecimento adquirido na exposição pode ser amplamente compartilhado em escolas e universidades, promovendo a conscientização e inspirando ações por um planeta mais saudável.
Formação do educativo do Museu Nacional da República
Um encontro entre os comunicadores xinguanos e o setor educativo de um museu foi essencial para garantir que a formação dos educadores fosse profunda, respeitosa e representativa das histórias que inspiraram a produção das obras fotográficas apresentadas, especialmente no contexto de uma exposição como “Os Olhos do Xingu”.
Esse tipo de encontro promove um diálogo direto, permitindo que o educativo do museu compreenda, de forma mais detalhada e sensível, as narrativas, os significados e as perspectivas que os comunicadores xinguanos desejam transmitir.
Por isso, antes da abertura da exposição, os comunicadores da Rede Xingu+ realizaram a formação do educativo do Museu Nacional da República e de Bianca Brivarez e Ro Silva, mediadores, que irão conduzir as atividades até o encerramento da exposição.
Esse encontro, realizado no dia 4 de dezembro, criou um espaço de aprendizado mútuo, no qual artistas e educadores compartilharam conhecimentos, fortalecendo a qualidade das mediações que serão realizadas ao longo da permanência da exposição “Os Olhos do Xingu”.
Os artistas xinguanos trouxeram vivências que formam o pano de fundo indispensável para que os educadores compreendam os valores e a simbologia dos temas retratados na exposição. A presença dos comunicadores xinguanos assegurou que a visão indígena e ribeirinha permanecesse central no processo de formação, reforçando o protagonismo dos povos do Xingu em narrar suas próprias histórias.
A interação entre os Comunicadores Xinguanos e o setor educativo contribuiu para a promoção de uma abordagem mais inclusiva e respeitosa sobre os temas retratados nas fotografias, tanto para os educadores quanto para o público que visitará o museu.
Com educadores bem formados e alinhados com a proposta dos artistas, o público terá acesso a uma experiência mais rica, ampliando sua compreensão sobre os modos de vida do Xingu. O conhecimento produzido durante a formação incentiva o diálogo entre as práticas educativas contemporâneas e a visão dos Comunicadores Xinguanos, garantindo que o público da exposição compreenda as inspirações que fundamentam “Os Olhos do Xingu”.
O conhecimento é circular
Em uma comunicação que não se separa da vida, as gerações mais antigas de Comunicadores Xinguanos seguem inspirando os mais jovens na produção de imagens criadas a partir de seus territórios de origem.
“Eu tirei essa foto na marcha das mulheres em 2023 para retratar a liderança de Ngrenhkàmôrô Kayapó. Fiz essa edição inspirada em uma fotografia do Kamikia Kisedje. Ele realizou uma edição bonita e poderosa utilizando preto, branco e vermelho em uma foto em que segura uma câmera. Isso me motivou a escolher essa linguagem para editar a foto dessa mulher guerreira da TI Kayapó”, relatou a comunicadora Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro.
Kamikia Kisedje expressou sua alegria ao ver seu trabalho servir como inspiração para Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro na criação de sua obra para a exposição. “Sinto-me verdadeiramente alegre por fazer parte desse grupo talentoso de comunicadores e por estar presente na exposição ‘Os Olhos do Xingu’”, afirmou o cineasta Khisêtjê.
Clique aqui para conferir o depoimento de Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro com os batidores sobre o tratamento da fotografia que compoe a exposição “Os Olhos do Xingu”.
Ser comunicador, do ponto de vista das sociedades indígenas e ribeirinhas e dos próprios comunicadores, representa uma forma xinguana de produção de conhecimento. Esse processo é fundamental não apenas para os resultados finais das obras, mas também para os métodos de criação, que são inspirados nas trocas entre eles.
A produção fotográfica e audiovisual no contexto xinguano, como destacado na exposição, reflete um processo de conhecimento circular que conecta gerações, experiências e linguagens. Inspirar-se mutuamente é mais do que uma troca técnica; é um modo de criar narrativas visuais que valorizam a memória coletiva e a identidade dos povos do Xingu.
Essa dinâmica, exemplificada pelo diálogo entre Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro e Kamikia Kisedje, demonstra como a comunicação xinguana transcende o individual, reafirmando uma produção colaborativa baseada nos territórios de origem.
A exposição “Os Olhos do Xingu” torna-se, assim, um espaço onde não apenas as obras, mas também seus processos criativos, revelam a riqueza de uma visão xinguana de mundo — fundamentada no respeito, na ancestralidade e no fortalecimento contínuo das relações entre os “Olhos do Xingu”.
Serviço
Local: Museu Nacional da República – Setor Cultural Sul, Lote 2, Brasília (DF)
Visitação: 6 de dezembro de 2024 a 02 de fevereiro de 2025
Entrada gratuita
Realização: Rede Xingu+, União Europeia, Instituto Socioambiental (ISA)
Apoio: Fundação Rainforest da Noruega
Produção: Incentivem Soluções Culturais
Parceria: Secretaria de Relações Internacionais e Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal
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Com participação do governo federal, encontro fez balanço das ações e discutiu retirada de invasores e reestruturação da saúde e da educação
"Para começar a fazer um bom diálogo, começaria no setor de Educação, dentro das escolas", responde a liderança Maurício Ye’kwana à pergunta “como a floresta vai se recuperar?”, que conduz o filme do V Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lançado nesta quarta-feira (11) no Youtube do Instituto Socioambiental (ISA).
Com relatos de lideranças e entrevistas com a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e do chefe da Casa de Governo, Nilton Tubino, o minidoc de 13 minutos conta ainda com imagens inéditas de um sobrevoo feito em outubro sobre as regiões mais afetadas pelo garimpo ilegal, como Alto Rio Catrimani, Rio Couto Magalhães, Xitei e Rio Parima.
Assista ao filme:
A reunião ocorreu após as cicatrizes deixadas pela gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022), descrita como um período de “pesadelo para os povos indígenas” por Maurício, e um ano e oito meses após presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretar uma ação emergencial para retirar invasores e estruturar a Saúde na Terra Indígena Yanomami.
“Começou a diminuir a questão da invasão. Hoje diminuiu muito, a gente quase não vê muitos garimpeiros, nem muitos movimentos principalmente nos rios, subindo rio e descendo rio. E os rios também eram barrentos e hoje tá quase limpando”, diz Júlio Ye’kwana, presidente da Wanasseduume Ye’kwana (Seduume).
O V Fórum de Lideranças Yanomami ocorreu de 23 a 27 de setembro na comunidade Fuduuwaaduinha, em Auaris, onde vivem os Ye’kwana. O evento reuniu lideranças de todas as regiões da Terra Indígena Yanomami e contou com a presença de representantes do governo federal para prestar contas aos indígenas sobre as ações no território.
“A gente queria escutar o plano do governo, o que eles estão trazendo para nos informar, qual é a estratégia que estão arrumando para melhorar a Terra Indígena Yanomami. É para isso que trouxemos o governo federal para dialogar e cobrar também”, conta Júlio Ye’kwana.
Nilton Tubino mostrou resultados de prejuízos ao garimpo que já havia atingido o valor de R$209 milhões. Tubino afirma que operações e sobrevoos noturnos continuarão sendo feitos para combater a invasão do território e expulsar os garimpeiros insistentes.
“Na parte da saúde, que era o nosso compromisso quando a gente chegou, tinha sete unidades de saúde fechadas e hoje todas estão funcionando. A nossa estratégia a partir de agora é fazer um pente fino no território, repassando por todas as áreas que historicamente tiveram garimpo para fazer um levantamento”, afirmou Tubino.
Davi Kopenawa e Dário Kopenawa, pai e filho e representantes da Hutukara Associação Yanomami (HAY), também deram depoimentos para o filme. Davi foi enfático ao dizer que os Yanomami desejam continuar no caminho que Omama construiu para o seu povo, enquanto Dário alertou para a necessidade de respeitar a natureza.
“Queremos respeitar a nossa mãe natureza, se não respeitarmos a nossa mãe natureza, onde vamos viver? Onde vamos tomar água? Que vida boa vamos viver? Por isso queremos os dois mundos: Yanomami e da cidade. Queremos proteger a nossa terra que é única e não tem plano B”, expressou Dário.
Como a comunidade Fuduuwaaduinha fica a cerca de 10km da Venezuela, indígenas Yanomami e Ye’kwana do país vizinho puderam participar do evento. Desde 2008, o governo venezuelano não demarca terras indígenas. Além disso, os Ye’kwana relatam forte presença de garimpeiros e pescadores nas terras indígenas.
“No meu povo, não existe educação para a saúde. Não há médicos específicos, com mais sabedoria, então estão falecendo muitos familiares”, diz Lavi Hernandez, Yanomami da Venezuela.
O filme, assim como a carta final do V Fórum, é assinado pelas nove associações da Terra Indígena Yanomami. A HAY e o ISA são os responsáveis pela realização do minidoc, que teve produção da Platô Filmes.
Thiago Briglia assina a produção executiva, enquanto a produção é de Fabrício Araújo, que também assina o roteiro junto com Yare Perdomo. O filme tem imagens e direção de fotografia de Lucas Silva, assistência de fotografia de Fabrício Marinho e edição de Yare Perdomo.
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Documento é resultado de oficina que discutiu saúde, violência e cultura com 24 mulheres Yanomami, Sanoma, Ninam e Ye’Kwana, em Boa Vista
Vinte e quatro mulheres Yanomami (Yanomam, Yanomami, Sanöma e Ninam) e Ye’kwana criaram uma cartilha sobre Direitos Humanos para as mulheres da maior terra indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami. A publicação é resultado de uma oficina sobre Direitos Humanos, ministrada na última semana de novembro, em Boa Vista.
As responsáveis pela cartilha representaram as 10 associações indígenas do território, que em um movimento inédito indicaram apenas mulheres para suas respectivas representações. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o Instituto Socioambiental (ISA) ministraram a formação com apoio do Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC)
O documento reflete os aprendizados de combate a violência contra mulher, explicando as leis Maria da Penha e do Feminicídio, além de abordar aspectos culturais da convivência Yanomami, como o direito ao casamento, direitos de serviço do genro e de recursos da floresta. Durante a oficina, as mulheres apresentaram diversas preocupações sobre saúde e as violações do direito à atenção diferenciada, reflexões que também foram transmitidas no material final.
“Nós indígenas queremos ficar em paz vivendo na nossa comunidade, sem ter nem um conflito com os nossos idosos e as nossas crianças. Queremos que os brancos entendam que a gente também precisa viver feliz, assim como eles vivem”, diz um dos poucos trechos em português do material escrito predominantemente em Yanomami e ilustrado com artes indígenas pintadas durante a oficina.
A oficina começou refletindo sobre as regras, direitos e deveres de convivência entre as diferentes comunidades, em seguida os indígenas foram apresentados aos conceitos e história dos Direitos Humanos e Direitos Indígenas. A partir do terceiro dia, a formação se aprofundou nos direitos das mulheres e direito à saúde da mulher.
Ana Lúcia Paixão Vilela, representante da Associação das Mulheres Kumirayoma (AMYK), apoiou com a tradução para as indígenas que não falam português e se sentiu entusiasmada para dividir o que aprendeu com as mulheres de Maturacá. O que mais surpreendeu a ela durante a formação foi como as mulheres passaram a ser inseridas nos Direitos Humanos.
“Antes não havia algo específico para o direito das mulheres porque eram os homens que faziam os direitos, só eles falavam e não éramos totalmente contempladas, mas fomos evoluindo e foi pensada a criação de direitos para as mulheres”, disse.
Conforme Manuela Otero Sturlini, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), a participação das mulheres em formações políticas e formação sobre Direitos Humanos era um pedido das Yanomami durante a invasão garimpeira e sequência de ataques do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Ao mesmo tempo, as mulheres Yanomami pediam, durante o Encontro de Mulheres Yanomami, por uma estruturação de uma linha de cuidado e a reestruturação do Programa de Saúde da Mulher.
“Em 2023, apresentamos o Programa de Saúde da Mulher e foi muito profundo como elas colocaram que havia uma necessidade de respostas. Então, no último ano fizemos uma consolidação de uma rede de atores envolvendo universidades, associações, órgãos públicos e organizações não governamentais para responder a esta necessidade”, explicou Manuela.
Como os cantos Ye’kwana preservam saúde, roças e os Direitos Humanos
Para Jucélia Magalhães Rocha, uma jovem Ye’kwana que participou da oficina e atua como Agente Indígena de Saúde (AIS) na região de Auaris, a parte da oficina focada em saúde irá lhe possibilitar a oportunidade de melhorar os atendimentos que faz junto aos psicólogos da região.
“Eu sou AIS na minha comunidade, acompanho as psicólogas e fazemos reuniões com mulheres. Então, nestas reuniões poderei falar sobre os direitos das mulheres na saúde e na segurança”, disse a jovem Ye’kwana.
Jucélia foi acompanhada por Elisa Ye’kwana, que tem um forte papel entre as comunidades Ye’kwana, sendo conhecedora de cantos que mantém as roças fortes e os indígenas bem nutridos.
A antropóloga Karenina Vieira Andrade, que participou da oficina e que faz parte do corpo docente da UFMG, trabalha com os Ye’kwana e resumiu parte da história de Elisa. Ela explicou que a anciã vivia em Fuduuwaaduinha, onde ocorreu o V Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, mas em 2008 se mudou para Kuratanha.
Conforme Karenina, as comunidades são muito próximas e os parentes se visitam constantemente, o que ajuda a preservar e repassar aos mais jovens conhecimentos que os anciãos, como Elisa, conhecem profundamente.
“Ela conhece um conjunto de cantos associado às roças para quando eles abrem as roças porque as mulheres Ye’kwana são as donas das roças, são como se fossem filhos, e elas precisam ter um cuidado constante porque a roça é viva”, explica a antropóloga.
Como a roça é considerada um ser vivo pelos Ye’kwana os cantos associados a rituais de cuidado, mantém o ser agradado para gerar bons alimentos. Cada etapa da roça - plantação, cultivo, cuidados e colheita - está associada a um conjunto de cantos e cuidados diferentes, dos quais Elisa executa com maestria.
“Isso é a garantia de saúde das pessoas. Se esse conhecimento se perde, a comunidade inteira fica sob risco de não ter um bom alimento. Garantir que esse conhecimento das mulheres passe de geração para geração é referendar o que está nos dispositivos constitucionais de que os povos indígenas têm direito a viver de acordo com os seus usos e costumes”, disse Karenina.
O conjunto de conhecimentos mantém Elisa como uma figura forte e extremamente respeitada entre os Ye’kwana. Além disso, há um forte interesse da parte dela para que meninas jovens aprendam os rituais para manter as comunidades Ye’kwana fortes.
XV Encontro de Mulheres
A Oficina de Direitos Humanos para Mulheres da Terra Indígena Yanomami também foi uma atividade de continuação do XV Encontro de Mulheres Yanomami, que ocorreu na segunda semana de outubro. Esta foi a maior edição do evento, discutindo temas como a gestação, o parto, o planejamento reprodutivo, os rastreamentos de câncer de colo do útero, soberania alimentar e os atendimentos na Casa Indígena de Saúde (Casai) e na maternidade.
Para Érica Dumont, professora-adjunta da Escola de Enfermagem da UFMG, que ministrou parte da oficina e esteve no XV Encontro de Mulheres Yanomami, os eventos consolidaram o desejo das indígenas de reestruturar o que foi perdido durante a pandemia de Covid-19 e de resgatar as relações desgastadas durante o governo de Jair Bolsonaro.
“A gente escutou tanto nesta oficina, quanto no Encontro de Mulheres, relatos de violações ao longo dos anos no acesso à maternidade e à Casai no respeito aos costumes, aos hábitos e alimentação, além dos lugares de repouso e de receber comunicação sobre o tipo de tratamento que recebem com um intérprete”, pontuou.
Érica explicou ainda que as violações ocorrem mesmo no território com atendimento precário e falta de exames. “Mas é importante destacar que há uma melhora nesta gestão, elas estão felizes e confiantes com a atuação do DSEI”, destacou.
Ainda conforme a especialista, a atenção diferenciada é um direito garantido na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, isto quer dizer que os indígenas têm o direito de ser atendimento de um jeito que considere os modos de vida, os costumes, e as perspectivas de saúde deles, como por exemplo, o respeito aos xamãs e as parteiras.
“Essas violações muitas vezes estão ligadas ao desrespeito aos costumes, mas há casos que extrapolam e são desrespeitos que seriam ofensas a qualquer ser humano”, afirmou.
A atenção diferenciada inclui, além dos aspectos do modo de vida, a questão logística. No contexto da Terra Indígena Yanomami, Érica explica que para atender uma mulher Yanomami é preciso uma escala de voos e há uma dinâmica diferente para acessar os lugares, pois cada comunidade tem as suas especificidades.
“A atenção diferenciada pode, ainda, incluir tecnologias diferenciadas. Muitas das mulheres Yanomami seriam classificadas, de acordo com o atual protocolo de pré-natal, como alto risco gestacional por terem baixo, peso, pela idade e pela relação com a malária, tudo isso, implicaria que elas fossem removidas da floresta para a cidade, mas sabemos que é inviável e, de fato, não desejamos que isso aconteça. É preciso incorporar um atendimento de alto risco na floresta”, avalia.
A oficina de Direitos Humanos faz parte de um projeto de extensão da UFMG e tem o financiamento do MDHC, o ISA é parceiro desta iniciativa. O objetivo é formar grupos indígenas Yanomami em Direitos Humanos. Além do grupo de mulheres, jovens diretores das 10 associações da Terra Indígena Yanomami já passaram pelo processo de formação de Direitos Humanos.
Oficinas para os diretores das associações
A I Oficina de Formação em Direitos Humanos para Jovens Diretores Yanomami e Ye’Kwana durou seis dias e contou com a participação de todas as 10 associações que representam a Terra Indígena Yanomami. As lideranças estiveram reunidas em Boa Vista durante a primeira quinzena de julho.
Esta oficina apresentou conceitos base dos Direitos Humanos enquanto os relacionava com a história da maior terra indígena do país, com o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta.
“A água limpa é parte dos Direitos Humanos. Se você fica doente, precisa ter acesso a remédios que também são Direitos Humanos. Tudo que defende a nossa vida, como a água limpa, a floresta conservada, são Direitos Humanos. Enquanto tudo que ataca a vida, como o garimpo, a guerra, a agressão contra crianças e mulheres, são violações dos direitos humanos”, explicou Marcelo Moura, antropólogo consultor do Ministério de Direitos Humanos, aos indígenas durante a oficina.
A Hutukara Associação Yanomami (HAY), associação com duas décadas de atuação, enviou novas lideranças para participar e aprender sobre o tema, mas líderes com mais experiência, como Dário Kopenawa discursaram durante a oficina. O vice-presidente da HAY apresentou o PGTA e Protocolo de Consulta da Terra Indígena Yanomami aos diretores das outras nove associações.
“Isso é um compromisso nosso, dos povos Yanomami e Ye’kwana. É nossa responsabilidade e tem tudo aqui sobre o que pensamos sobre saúde, língua, educação e geração de renda”, disse durante a explicação.
Para Edmilson Estevão Damião, primeiro secretário da Associação Wanasseduume Ye'kwana, ouvir lideranças como Dário Kopenawa e Maurício Ye’Kwana o inspirou a manter a proximidade entre todas as associações da Terra Indígena Yanomami.
“Achei muito importante a apresentação dos diretores que estão na luta por nós há mais tempo. Foi muito bom ouvir o Maurício e o Dário, eles inspiraram muito as novas lideranças. Também achei bom a união e a aproximação entre todas as associações da Terra Indígena Yanomami”, declarou ao ISA.
Conforme Lídia Montanha Castro, coordenadora do Programa Rio Negro do ISA, a ideia de juntar lideranças experientes com novos líderes é justamente para que haja troca de informações e que os novos diretores possam estar mais capacitados. Montanha e Manuela Otero, estiveram como consultoras representando o ISA.
“O objetivo deste trabalho é alcançar as associações da Terra Indígena Yanomami, por isso há participação de representantes das 10 associações que existem atualmente. Além de ser direcionado às 10 associações, há outra característica mais específica, que é formar novos diretores”, declarou Montanha.
Para além de compartilhar os problemas, as lideranças conseguiram assimilar como o conhecimento sobre Direitos Humanos pode funcionar como uma ferramenta de defesa do território e pretendem fazer o conhecimento ecoar em suas respectivas comunidades, como pontua Francilene dos Santos Pereira, moradora de Maturacá e articuladora da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK).
“Eu gostei muito de descobrir mais ferramentas para que possamos defender o território. Acho que é um tema importante para trabalhar com mulheres e a juventude, é isso que vou levar daqui para a minha comunidade”, afirmou.
Uma das questões recorrentes levantadas pelos indígenas foi a violação dos Direitos de crianças e mulheres Yanomami. Os relatos corroboram as informações de que mulheres são abusadas por garimpeiros, enquanto crianças morrem ou são retiradas de maneira ilegal do território por invasores.
“É importante que estejamos todos ligados, juntos e unidos para enfrentar os problemas, principalmente os abusos contra nossas mulheres e mortes de nossas crianças causadas pelos garimpeiros, assim como evitar que governantes violem os nossos direitos”, declarou o segundo tesoureiro da Associação Kurikama Yanomami, Roni Raitateri Yanomami.
Daniel Jabra, Lídia Montanha Castro e Marcelo Moura explicaram aos Yanomami os conceitos de colonização e escravidão contextualizando com casos atuais e relacionando as situações em que garimpeiros obrigam os indígenas a trabalhar após receberem itens como cobertor, bebida alcoólica e comida.
“Isso é a colonização, eles vão comendo o território, a cultura e tudo mais até não sobrar nada”, disse Jabra ao explicar sobre como a colonização ocorre pela igreja, pelos garimpeiros e até mesmo pelo governo.
Esta primeira oficina foi a primeira iniciativa da parceria UFMG e ISA, com apoio do MHDC, com o objetivo de formar as 10 associações da Terra Indígena Yanomami através de dois públicos: os jovens diretores e as mulheres.
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Com 1 ano e 8 meses de atraso, presidente Lula promete concluir até a próxima semana o processo de demarcação de todas as Terras Indígenas listadas pela equipe de transição
Nesta quarta-feira (04/12), o governo Lula anunciou a homologação de mais três Terras Indígenas. São elas: Potiguara de Monte-Mor, do povo potiguara, na Paraíba; Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Ñandeva e Guarani Mbya; e Toldo Imbu, do povo Kaingang, ambas em Santa Catarina. A média de tempo que as três TIs levaram para concluírem seu processo homologatório foi de 31 anos.
O país agora possui 445 Terras Indígenas tradicionalmente ocupadas homologadas que abrangem um território de 107.449.595 hectares. Somam-se a esse número, 15 Terras Indígenas demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Ainda existem outras 261 áreas tradicionalmente ocupadas que seguem aguardando o andamento de seus processos demarcatórios: são 151 em estudo e outras seis áreas com Portarias de Restrição de Uso para proteção de povos indígenas isolados, 36 identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e 68 terras já declaradas pelo Ministério da Justiça à espera do decreto homologatório. A esse números, somam-se ainda 48 Reservas Indígenas regularizadas e 10 áreas dominiais e, por fim, 20 áreas reservadas em processo de regularização.
O decreto de homologação é uma das etapas finais do processo que garante a posse exclusiva da terra aos indígenas. Após, a TI deverá ser registrada no cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Com a decisão, o atual Governo Lula alcança a marca de 13 homologações, número que representa um pouco mais da metade do número de assinaturas homologatórias feitas em sua última gestão, de 2007 a 2010. Apesar disso, os anúncios que aconteceram ao longo dos últimos dois anos eram esperados para acontecer ainda nos primeiros dias da gestão.
Durante a transição de governos, o Grupo Técnico dos Povos Originários encaminhou 13 TIs prontas para terem seus processos finalizados nos primeiros 100 dias da gestão. As primeiras homologações assinadas pelo presidente aconteceram durante o Acampamento Terra Livre, em abril de 2023, e continham apenas cinco das 13 indicadas pelo GT: Kariri-Xokó (AL); Tremembé da Barra do Mundaú (CE); Rio dos Índios (RS); Uneiuxi (AM) e Arara do Rio Amônia (AC). Na ocasião, também foi homologada a TI Avá-canoeiro (GO), que não constava na lista das 13 indicadas pelo GT.
Veja a localização das Terras Indígenas:
Já as TIs Rio Gregório (AC) e Acapuri de Cima (AM), parte da lista, foram homologadas na cerimônia oficial do Dia da Amazônia, em 5 de setembro de 2023. As TIs Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT), por sua vez, foram homologadas um dia antes do Dia dos Povos Indígenas, em 18 de abril de 2024, sob lamentos de lideranças das TIs que foram convidadas para a cerimônia e não viram os seus territórios serem homologados pela presidência.
“Quero que vocês saibam que essas Terras já estão prontas. O que nós não queremos é prometer para vocês uma coisa hoje e amanhã você ler no jornal que a Justiça tomou uma decisão contrária. A frustração seria maior”, justificou o presidente Lula à época.
Desta vez, a única terra da lista que ficou de fora da decisão foi a TI Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri, que aguarda há mais de 36 anos pela demarcação final do território. Durante a cerimônia reservada no Palácio do Planalto, o presidente se comprometeu a oficializar a TI ainda na próxima semana.
“Temos mais dois anos de governo e vamos continuar trabalhando para que a gente possa legalizar e entregar todas as terras que estiverem sob a nossa possibilidade. Se um dia perguntarem para mim qual é o meu legado na presidência, eu vou dizer: o cara que mais autorizou Terras Indígenas nesse país. Foi no meu governo”, afirmou o presidente.
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, também esteve presente na assinatura e reafirmou o compromisso do governo federal com a proteção das áreas demarcadas. “Nós seguimos trabalhando muito para que a gente possa fortalecer a política indigenista a partir da demarcação das Terras Indígenas, da desintrusão das Terras Indígenas e também da proteção desses territórios, para garantir a segurança dentro desses territórios indígenas já demarcados”, declarou.
Juliana Batista, uma das advogadas que representa juridicamente a Terra Indígena Morro dos Cavalos, celebrou a decisão junto à ministra Sonia Guajajara e aos representantes do Ministério dos Povos Indígenas. “Nós estamos muito felizes, essa é uma vitória do Ministério, essa é uma vitória da comunidade indígena de Morro dos Cavalos e nós esperamos apoio da sociedade brasileira para que mais terras possam ser homologadas garantindo a preservação dos biomas e também dos modos de vida dos povos indígenas”, afirmou.
Na cerimônia também estiveram presentes lideranças indígenas como Sandro Potiguara, o cacique-geral do povo Potiguara; cacique Babau Tupinambá, Cal Potiguara, liderança potiguara; e Dinaman Tuxá, coordenador na Articulação dos Povos Indígenas. Além deles, representantes do governo federal como Joenia Wapichana, presidenta da Funai; Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena (Sesai); Luiz Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas; Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça; Sheila de Carvalho, secretária Nacional de Acesso à Justiça; e Marcos Kaingang, secretário de Direitos Territoriais Indígenas.
Conheça as Terras Indígenas demarcadas:
Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC)
Habitada pelos Guarani Mbya e Guarani Ñandeva, a Terra Indígena Morro dos Cavalos está situada no município de Palhoça (SC), com uma extensão territorial de 1.983 hectares e está sobreposta ao Parque Estadual (PES) Serra do Tabuleiro. Mesmo com registros históricos apontando a presença de comunidades guarani na região do Morro dos Cavalos desde o século XVII, foi apenas em 1993 que o primeiro Grupo Técnico (GT) para delimitação da TI foi constituído.
Segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da TI Morros dos Cavalos, a primeira invasão do território teve início na década de 1960, a partir da construção da rodovia BR-101. O documento destaca que a ocupação do entorno da TI e a criação do PES Serra do Tabuleiro, em 1975, geraram conflitos fundiários que se estendem até hoje, pois provocaram “a redução dos espaços ocupados pelos Guarani, comprometendo a sua autonomia econômica e a satisfação de suas necessidades”.
A delimitação da TI em abril de 2008 motivou uma ação judicial movida pelo estado de Santa Catarina contra a União e a Funai, com o objetivo de declarar a nulidade do processo administrativo de demarcação.
Sobre essa ação, os advogados do ISA, Maurício Guetta e Juliana Batista, afirmam que: “a judicialização da demarcação da TI Morro dos Cavalos foi mais uma das maneiras encontradas pelo estado de Santa Catarina para tentar procrastinar a sua regularização fundiária. Além do processo administrativo de demarcação ter transcorrido na mais absoluta legalidade, de acordo com as normas aplicáveis, os indígenas jamais abandonaram a TI Morro dos Cavalos”.
Saiba mais no artigo “A judicialização das demarcações de terras indígenas: o caso de Morro dos Cavalos”, no livro Direitos dos povos indígenas em disputa, de 2018.
Segundo a organização indígena Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a TI Morro dos Cavalos e outras 13 terras guarani estariam prontas para serem homologadas ou declaradas – e foram incluídas na campanha #DemarcaYvyrupa, relançada na véspera das eleições municipais deste ano.
Terra Indígena Toldo Imbú, em Abelardo Luz (SC)
A Terra Indígena Toldo Imbu, de ocupação tradicional do povo Kaingang, está localizada no município de Abelardo Luz, estado de Santa Catarina, com uma área delimitada e declarada de 1.970 hectares e uma população de 393 pessoas, segundo o Censo 2022. A luta dos Kaingang de Toldo Imbu pela demarcação do seu território vem desde 1949, quando foram removidos à força de seu território para o Posto Indígena Xapecó, uma área que fora instalada pelo governo estadual do Paraná em 1902.
Após a expulsão das comunidades de seu território, os indígenas se mobilizaram para retomar suas terras tradicionais. O processo de regularização fundiária, no entanto, sofreu um revés com a oposição dos produtores rurais e seus aliados políticos, interessados na exploração madeireira e na criação de loteamentos. Os processos de identificação e delimitação da TI Toldo Imbu foram iniciados pela Funai em 1986, contudo, disputas judiciais paralisaram por um longo tempo os procedimentos administrativos.
Apenas em 2019 que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim às ações que tentavam anular a declaração da TI, permitindo que o rito demarcatório seguisse aos estágios finais.
Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, em Marcação (PB) e Rio Tinto (PB)
A Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor está localizada nos municípios de Marcação e Rio Tinto, ambos no estado da Paraíba, e pertence ao povo Potiguara. Homologada com 7.530 hectares, o Censo 2022 identificou 10.966 pessoas vivendo no território. A densidade demográfica da TI é maior que a das cidades em que a TI está localizada, além disso, ela está sobreposta a duas Unidades de Conservação, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Manguezais da Foz do Rio Mamanguape.
Em 2007, durante reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Ministro da Justiça à época, Tarso Genro, assinou a Portaria Declaratória da TI.
Segundo o RCID, publicado em 1997, existem registros da presença potiguara no litoral da Paraíba desde o século XVI. Em 1860, a ocupação potiguara na região do Rio Mamanguape, onde hoje está a TI Potiguara de Monte-Mor, foi confirmada em um ofício enviado à Repartição Geral da região. Apesar disso, apenas no início do século XXI eles foram reconhecidos. Em 2007, após 400 potiguaras ocuparem a sede da Funai em João Pessoa (PB), o Ministro da Justiça à época, Tarso Genro, assinou a Portaria Declaratória da TI durante reunião da CNPI.
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Em conversa com financiadores, lideranças Yanomami e Ye’kwana afirmaram que a ferramenta permitiu mostrar as cicatrizes do garimpo ao governo federal
Representantes da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana e Urihi Associação Yanomami em conversa com financiadores do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) reconheceram a importância do Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami e pediram a expansão da ferramenta para mais regiões e comunidades da maior terra indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami.
“Nós, Ye’kwana, moramos mais próximos da divisa do Brasil com a Venezuela, moramos onde nascem os rios. É a nossa casa, a floresta, que mantém o bom ar que respiramos e o Sistema de Alertas tem ajudado bastante na limpeza dos rios, já voltamos a ter água para beber e já deixamos os nossos filhos tomar banho. É por isso que queremos continuar com essa ajuda”, disse Geraldo Ye’kwana.
A reunião ocorreu na quinta-feira (28/11) e contou com a presença de representantes do UNICEF, do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (ECHO, na sigla em inglês) e do Instituto Socioambiental (ISA).
Para o próximo ano, as lideranças relataram ainda o desejo de que o sistema de alertas tenha forte foco nas informações relacionadas à saúde, pois ainda há diversas comunidades em situação de vulnerabilidade.
“Temos uma responsabilidade compartilhada em melhorar o sistema. Vocês foram pioneiros em uma ferramenta que será replicada em outras áreas indígenas da Amazônia brasileira e peruana”, disse Andres Trivino, oficial de programa do ECHO, após ouvir as lideranças.
O Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami é uma ferramenta de produção e organização de informações territoriais, que permite aos indígenas monitorar eventos que oferecem riscos para as comunidades e pessoas na Terra Indígena Yanomami, com o objetivo de gerar respostas mais eficientes e orientar ações do poder público e demais atores no território.
“Com o sistema de alertas, nós podemos mostrar as cicatrizes ao governo federal”, afirmou Dário Kopenawa, vice-diretor da HAY, após explicar que o garimpo ilegal causou danos à saúde, educação e proteção da Terra Indígena Yanomami.
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'Como a floresta vai se recuperar?' Yanomami e Ye'kwana apresentam plano ao governo para evitar novos invasores
Ainda conforme a liderança, o Estado ainda não havia consolidado experiência no trabalho de proteção a Terra Indígena Yanomami. Portanto, o ISA, juntamente com as organizações indígenas do território Yanomami, e com o apoio técnico e financeiro do UNICEF e do ECHO, desenvolveu as ferramentas que atualmente ajudam na proteção territorial e comunitária, incluindo questões de saúde e saneamento.
Em setembro de 2023, a ferramenta começou a ser implementada após uma oficina para ensinar indígenas da região do Demini a como usar o sistema.
“Para nós, o resultado do Sistema de Alertas é muito positivo, sem ele, o garimpo ainda estaria ativo na nossa terra”, complementou Dário Kopenawa, que também pediu que as oficinas de capacitação para uso da ferramenta cheguem a mais regiões do território, que possui 9.664.975 hectares entre os estados de Roraima e Amazonas.
Apesar da melhora, a liderança Yanomami afirma que ainda há invasores insistentes que fazem a travessia entre Brasil e Venezuela constantemente para continuar explorando a Terra Indígena Yanomami.
“Precisamos entender quais são os êxitos e os desafios para investir na melhoria do sistema. Há muitos alertas, vimos de vários tipos e vimos que muitos, infelizmente, não podem ser atendidas de maneira imediata”, afirmou Daniela D’Urso, representante do ECHO.
Desde a implementação até abril deste ano, sete em cada 10 denúncias recebidas são referentes a atividades ilícitas praticadas por não indígenas no território, incluindo garimpo.
“O Sistema de Alertas tem sido a ferramenta que mais funcionou para aproximar as associações das autoridades que fazem o trabalho de vigilância e proteção”, avaliou Lídia Montanha, coordenadora adjunta do Programa Rio Negro do ISA, em referência ao relatório Yanomami Sob Ataque.
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Sistema de alertas mostra que 70% das denúncias da Terra Indígena Yanomami são de invasões
A Hutukara Associação Yanomami destacou que sempre buscou dialogar com o poder público sobre seus desafios e problemáticas. Nos anos mais recentes, a organização afirma que passou a encontrar maior abertura para o diálogo e reconhecimento de suas demandas. Suas dificuldades foram acolhidas, e houve uma valorização significativa do projeto do sistema de alertas, uma iniciativa essencial para a proteção do território indígena.
O projeto do sistema de alertas conta com financiamento da União Europeia, através do ECHO, e tem o objetivo de aumentar a resiliência e fortalecer a autonomia das comunidades com a integração de um sistema que respeite o contexto e o conhecimento das comunidades indígenas.
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Levantamento mostra que degradação ambiental nas TIs pode comprometer R$ 338 bilhões da economia nacional
As Terras Indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país, mostra um estudo inédito. Conduzido por 10 cientistas e endossado por alguns dos maiores especialistas no tema no Brasil, ele aponta que a influência dessas chuvas na economia é significativa: em 2021, a renda econômica do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas por essa dinâmica chegou a R$ 338 bilhões — 57% do total nacional.
A conclusão é que o impacto da preservação das TIs vai além do meio ambiente, destacando-se como peça-chave para a segurança hídrica, alimentar e econômica do Brasil. O estudo foi feito por um grupo de pesquisa em ecologia tropical do Instituto Serrapilheira, a partir do cruzamento e análise de diversos dados, como os do MapBiomas, IBGE e Funai.
Acesse a íntegra da nota técnica aqui.
Os dados indicam que 18 estados e o Distrito Federal encontram-se parcial ou totalmente dentro da área de influência dessas Terras Indígenas (TIs) amazônicas. Em estados como o Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, há regiões onde a chuva proveniente da reciclagem de água feita pelas florestas das TIs amazônicas chega a um terço do total anual de cada local. Até 30% da chuva média que cai sobre as terras agropecuárias do país está diretamente relacionada à eficiente reciclagem de água nesses territórios.
A agricultura e a pecuária estão entre as atividades que mais consomem água no Brasil. Ou seja: a chuva é condição fundamental para essas atividades. “O desmatamento e a degradação das florestas nas Terras Indígenas causam a redução das chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do país”, afirma o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do estudo. “A conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional.”
Apesar disso, Rondônia e Mato Grosso, que figuram entre os nove estados mais influenciados por essa chuva, estão entre os que mais desmataram florestas desde 1985. Os dados mostraram, ainda, que as chuvas provenientes dessas TIs contribuem diretamente para a segurança alimentar nacional: a participação da agricultura familiar no valor da produção total supera os 50% em vários estados influenciados, e grande parte da produção desses pequenos produtores é destinada, justamente, ao mercado interno.
Como Terras Indígenas da Amazônia “irrigam” grande parte do país
Na prática, a Amazônia “irriga” grande parte do país por meio dos chamados “rios voadores”: a umidade reciclada nas florestas das Terras Indígenas amazônicas é transportada pela atmosfera e se torna chuva em outras regiões do Brasil, como o Centro-Oeste e o Sul. Esse mecanismo natural de geração de chuva depende da manutenção de áreas de florestas nativas conservadas, que são responsáveis pelo bombeamento de umidade para a atmosfera.
“A influência dos rios voadores já era conhecida, então o que fizemos foi usar dados já disponíveis desde 2020 para quantificar de fato essa influência – não só do ponto de vista da água, mas também da economia, em uma abordagem interdisciplinar”, explica a matemática e meteorologista Marina Hirota, professora na UFSC. “Ou seja, mais do que mapearmos as chuvas que atingem as áreas de agropecuária, convertemos esse dado em valores econômicos.”
As TIs ocupam aproximadamente 23% da Amazônia Legal, incluem mais de 450 territórios e abrigam cerca de 403,6 mil pessoas. Elas atuam como barreira ao desmatamento ao longo da história: dos 4,4 milhões de hectares desmatados no bioma Amazônia entre 2019 e 2023, apenas 3% (130,2 mil hectares) ocorreram dentro de TIs.
Isso acontece porque grande parte das atividades desenvolvidas em TIs são realizadas de maneira integrada ao ecossistema, envolvendo formas de uso e manejo que não necessariamente implicam na remoção da vegetação nativa. Existe, assim, relação intrínseca entre a proteção territorial de povos indígenas e a conservação de ecossistemas.
A demarcação de Terras Indígenas tem pautado o debate público porque o Supremo Tribunal Federal (STF) discute, nesse momento, a constitucionalidade da lei do marco temporal (lei 14.701/2023). A tese do marco temporal prevê que os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou disputavam na data da promulgação da Constituição de 1988. “Os dados que analisamos endossam estudos anteriores. Eles mostram que a proteção e a demarcação das Terras Indígenas são instrumentos fundamentais e urgentes para a conservação da Amazônia”, completa Caio Mattos.
Além de Hirota e Mattos, assinam a nota técnica os cientistas Paulo N. Bernardino, Bruna Stein, Gabriela Prestes Carneiro, Julia Tavares, Adriane Esquivel-Muelbert, Silvio Barreto, André Braga Junqueira e Arie Staal. O estudo foi desenvolvido no escopo de um grupo de pesquisa em ecologia tropical do Serrapilheira – Staal, holandês, é o único dos 10 autores que não é integrante do grupo.
Constituído no início de 2024, o grupo transdisciplinar inclui pesquisadores brasileiros de hidrologia, biodiversidade, ecologia, ecologia humana, matemática, clima, arqueologia, antropologia, políticas públicas, economia e comunicação. “A junção de cientistas com expertises diferentes permitiu essa análise complexa de dados que não são fáceis de se obter”, explica Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Serrapilheira. “É uma ciência sofisticada, que traz uma leitura mais completa do impacto das Terras Indígenas na economia.”
Os autores também são vinculados à UFSC, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Utrecht (Holanda), Universidade de Uppsala (Suécia), Cary Institute of Ecosystem Studies (EUA), Museu Nacional de História Natural (França) e Universidade de Birmingham (Reino Unido).
A nota técnica é endossada por outros nomes de peso da ciência: o climatólogo Carlos Nobre, o físico Paulo Artaxo, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (os três da USP), o economista Ronaldo Seroa da Motta (Uerj) e a bióloga Mercedes Bustamante (UnB).
Confira a nota técnica aqui.
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Extremos de seca e calor foram sentidos e reportados pelos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs), com impactos nas práticas de manejo das comunidades
Em 2025, pesquisadores indígenas de comunidades do Rio Tiquié completarão 20 anos de estudo dos ciclos anuais. Eles são conhecidos regionalmente como Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) e sua pesquisa foca em processos e fenômenos cíclicos, que acontecem todos os anos ou em intervalos de tempo mais longos, mas regulares.
Observam peixes, anfíbios e formigas, que geralmente se reproduzem nos mesmos dias, depois de fortes chuvas que acontecem em algumas estações entre novembro e abril. Também, as plantas que estão dando flores e frutos que alimentam as pessoas e os animais e os esforços dos conhecedores para curar cada época e garantir que transcorram de forma sã, sem infortúnios ou doenças. Diariamente, além de observar esses e outros temas socioambientais, eles também tomam notas em seus cadernos.
O ano no Rio Tiquié começa quando cai a constelação da Jararaca (Aña poero na língua tukano, conhecida em outras regiões da Amazônia como Boiaçu) e tem início uma estação com chuvas mais regulares (em relação aos três meses anteriores) e alguns repiquetes do rio, nomeados conforme as partes do corpo da cobra que estão alcançando o horizonte ao poente.
Essa estação se estende por novembro e dezembro. Assim, em novembro são realizados encontros entre os AIMAs e a equipe do Instituto Socioambiental (ISA) para ler as anotações e organizá-las para produzir uma descrição conjunta daquele ano. Ao longo dos anos, a persistência em realizar esses encontros motiva os pesquisadores indígenas a manterem e aprofundarem suas observações e anotações.
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Neste ano, o encontro ocorreu entre os dias 15 e 23 de novembro, na comunidade Cunuri-Ponta (Wapunuhku), no médio curso do Tiquié. Estiveram presentes todos os atuais 22 AIMAs dessa região, representando 18 comunidades de seis etnias (Tukano, Desana, Tuyuka, Yebamasa, Tariana e Yuhupdeh).
Participaram ainda três conhecedores: Nazareno Marques (Tukano de Moopoea), Teodoro Barbosa (Yebamasa de Pinokope) e Januário Alves (Tuyuka de Ahkãrabua), além de moradores do local, uma equipe do ISA (Aloisio Cabalzar e Danilo Parra, Mauro Pedrosa, com a cineasta Mariana Lacerda).
Além das anotações trazidas pelos AIMAs em seus diários, são levadas para esses encontros informações produzidas em outros contextos e escalas espaciais, que possam contribuir na interpretação do ciclo anual. A principal delas são as narrativas que explicam a estrutura e o funcionamento do território-cosmos tukano, comentadas pelos especialistas presentes.
Na oficina, no primeiro momento, os diários foram lidos e alguns de seus aspectos foram destacados: os pulsos do rio com os nomes das estações, as etapas do trabalho agrícola, as migrações e reproduções dos peixes, e as florações e frutificações das plantas.
Em seguida, foi elaborada uma linha do tempo horizontal, tendo como primeira referência o nível do rio, plotando os outros temas em níveis inferiores do papel. Finalizada essa parte, foram escritos três textos sobre o ano completo, um por sub-região – Alto Tiquié, Rio Castanha e Médio Tiquié – divididos em seções para cada uma das principais constelações que marcam as estações do ano. Ao mesmo tempo, foram elaboradas representações gráficas do calendário anual, também uma para cada sub-região. São desenhos grandes compostos coletivamente.
Um assunto que foi desenvolvido nesse encontro com os conhecedores foi a estrutura do universo em camadas e como elas estão interrelacionadas, como o manejo do mundo feito pelos especialistas requer manejar energias, água, ar e outras substâncias vitais entre elas. Essas camadas também estão estruturadas a partir de instrumentos de criação, assim como o corpo humano – banco, suporte-de-cuia, cuia, lança-chocalho, dentre outros.
A cura de doenças é concomitante à cura do mundo em seus devidos tempos. Foram identificadas 13 camadas, começando pela mais profunda, Wamudia, o Rio Umari, até a mais alta, Karãkoditapati, lago de sumo de frutos doces, situada acima da camada das estrelas e da qual se pode buscar alívio para os períodos de quentura extrema.
Em duas rodas de conversa noturnas, esse tema foi exposto pelos conhecedores, assim como benzimentos relacionados. Na segunda sessão noturna, também foram colocadas questões específicas sobre aspectos que chamaram a atenção no ciclo anual que se encerrou.
Esse é o segundo ano de seca extrema em toda a Amazônia, com déficits significativos de chuvas e muitos rios atingindo seus níveis mais baixos já registrados. É o caso dos rios Solimões, Purus e Madeira, cujos leitos se transformaram em extensos bancos de areia, prejudicando o abastecimento de água, o transporte e a pesca.
No porto de Manaus, o Rio Negro atingiu o segundo recorde consecutivo de seca, algo inédito em mais de 120 anos de registros. Como esse local está próximo à confluência com o Solimões, essa medição reflete a influência de ambos, com o Solimões drenando as águas do Negro.
Os pontos de medição do Rio Negro acima também mostraram vazões acentuadas, mas não alcançaram níveis extremos, até porque o período de maior vazão acontece nos primeiros meses do ano nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos.
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Impactos na agricultura e na pesca
O Alto Rio Negro, mesmo sendo uma região significativamente mais chuvosa, teve o segundo ano consecutivo com períodos mais secos e quentes entre os meses de agosto e outubro, com impactos na agricultura familiar e na pesca, principais atividades da economia e soberania alimentar das comunidades indígenas.
Segundo os AIMAs, os tubérculos plantados nas roças não resistiram e tanto as mandiocas quanto frutíferas plantadas e silvestres, secaram com as altas temperaturas. Por outro lado, os verões com vários dias de sol e calor intenso propiciaram a queima de maior número de áreas abertas para novos roçados. Com a queima das roças, apareceram muitos besouros mereasipama nos ingazeiros, que são comestíveis.
Observaram também muitas florações na floresta no final do ciclo passado e nesse, como japurá da beira do rio, mas nem toda floração frutificou. As frutas que produziram muito foram patauá (wahkarika), uacu, umari, pupunha e ingá-de-metro; mas deu pouco buriti e ucuqui.
Aves como tucano, japus e japins apareceram mais nesse último ciclo e migrações dos animais também continuaram, como caititu, queixadas e macacos-barrigudos. Porco caititus e macacos atacaram mais as roças em todo o Rio Tiquié, comendo as frutas plantadas que são alimento. O mesmo aconteceu com periquitos e papagaios comendo muito os frutos das palmeiras ao redor das comunidades.
A pesca ficou mais difícil com a estiagem e a seca dos rios, muitos frutos dos quais os peixes se alimentam nos igapós caíram no solo seco da mata, assim os peixes ficaram magros e sem gordura. As grandes estiagens facilitaram também o emprego de práticas de pescaria mais predatórias, como mergulhos, arrasto com redes nas praias e tinguijamentos nos afluentes, levando os peixes a fugirem para outros lugares. Isso causou a escassez de peixes no Rio Tiquié.
No Alto Tiquié, não foram observadas piracemas de aracu-riscado (Leporinus agassizii) e araripirá (Chalceus macrolepidotus). Também não aconteceram migrações de sarana (Curimatella alburna), já que o rio secou muito.
Tanajuras (dusa) revoaram o ano todo, depois que chovia bastante, e não apenas nas esperadas épocas de reprodução – fenômeno atribuído às mudanças recentes nos ciclos.
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O que chamou mais a atenção foram os verões intensos nos últimos meses do ano indígena do Rio Tiquié. Como tem sido repetidamente reportado pelos AIMAs nos últimos anos, o calor forte dificulta a lida nas roças, reduzindo o horário de trabalho às horas de sol menos intenso, e também desregula vários ciclos de vida.
Em 2024, houve o agravante de chegar muita fumaça de longe, com a piora da qualidade do ar, provocando mais doenças, como doenças respiratórias, diarreia e malária. Por outro lado, houve redução do número de suicídios nas festas, com mais preocupação e realização de proteção pelos conhecedores dos rituais.
Os AIMAs seguem vivenciando seus espaços no rio, na floresta, nas roças e capoeiras onde fazem seu manejo cotidiano. Suas anotações, ao longo do tempo, ajudam a entender como essas paisagens vão se reproduzindo e as relações que as constituem se renovam.
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Levantamento identificou a presença de 241 organizações em todos os estados brasileiros. Em quatro anos, o movimento organizado das mulheres indígenas no Brasil cresceu duas vezes e meia
Mulheres indígenas, em todos os biomas, organizam-se em coletivos, movimentos, departamentos e outros tipos de organizações. E não há um estado do país em que elas não estejam organizadas em torno de pautas como saúde, educação, combate à violência contra mulher e defesa do território.
É o que revela o Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil 2024, uma parceria inédita entre as pesquisadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e do Instituto Socioambiental (ISA).
Os resultados deste mapeamento estão reunidos em uma publicação que será lançada em 29 de novembro, na primeira etapa da Conferência das Mulheres Indígenas 2024/2025, na Terra Indígena Limão Verde, em Amambai (MS). Fruto de uma articulação entre a Anmiga e os Ministérios dos Povos Indígenas e das Mulheres, o evento acontece durante a XII Grande Assembleia da Kuñangue Aty Guasu, o maior encontro das mulheres Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul.
Com identidade visual assinada pela artista Auá Mendes, indígena do povo Mura, a publicação possui um mapa com todas as organizações georreferenciadas alcançadas pelo mapeamento e uma listagem por estado em ordem alfabética. Ela conta ainda com artigos que se debruçam sobre a forma e as motivações das mulheres indígenas ao se organizarem, e também como a Anmiga tem desenvolvido conceitos próprios para pensar o presente das mulheres indígenas na política. Além disso, o material inclui uma linha do tempo que registra parte da história do associativismo de mulheres indígenas, destacando importantes marcos desse movimento.
O Mapa resulta de um levantamento iniciado no começo de 2024, desenvolvido com o objetivo de mostrar em números o crescimento expressivo da luta das mulheres indígenas no País. A pesquisa identificou 241 organizações, além de se aprofundar nas diversas razões que motivam mulheres indígenas a se organizarem.
Veja imagens de diversidade e luta contidas no mapa:
Algumas das pautas levantadas por essas mobilizações são saúde e educação diferenciadas e de qualidade; enfrentamento às violências contra as mulheres e em seus territórios; e pela valorização da alimentação tradicional e de seus modos de vida. Elas também se mobilizam com o objetivo de defender seus territórios, como as Guerreiras da Floresta (ou Tenetehar Kuzá Gwer Wá na língua guajajara), que somam forças aos Guardiães da Floresta, na proteção da TI Araribóia (MA).
Assim, o Mapa evidencia a potência do associativismo indígena, trazendo o número atualizado e a localização das organizações das mulheres indígenas. “O estudo também poderá contribuir com o fortalecimento das redes de mulheres, indicando possíveis caminhos de articulação política e ação. Além disso, ele ainda se propõe a ser uma ferramenta para identificação de zonas de concentração de organizações e possíveis lacunas do associativismo de mulheres”, afirma Luma Prado, pesquisadora do ISA e uma das organizadoras da publicação.
Mulheres indígenas sempre estiveram em luta. Nos últimos anos, no entanto, elas passaram, cada vez mais, a criar organizações próprias. “Ao se nomearem enquanto entidades ou coletivos, as mulheres indígenas enfatizam que sempre estiveram em movimento – ainda que sem o devido reconhecimento de sua participação e formas próprias de organização –, ao mesmo tempo em que fazem aparecer novos sujeitos políticos e instauram outras possibilidades de ação política”, afirma artigo contido no verso do Mapa.
Essa nova edição atualiza o Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas, publicado em 2020. Desta vez, o novo levantamento foi realizado a partir de uma metodologia que uniu informações já sistematizadas em um dos bancos de dados do ISA à busca ativa construída e realizada em parceria com a Anmiga.
A partir dos resultados foi possível afirmar o que já vinha se mostrando ao longo da construção desta publicação: as formas de se mobilizar são múltiplas. As mulheres indígenas organizam-se em departamentos; núcleos; redes; uniões; conselhos; articulações; coletivos; associações; organizações; grupos; institutos; movimentos de mulheres indígenas; entre outras nomenclaturas. De diferentes abrangências, o levantamento identificou 174 organizações locais; 48 regionais; 14 estaduais; e 5 nacionais.
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O mapeamento também identificou o período de fundação das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil, com 2020 a 2024 apresentando a maior concentração de criação de organizações, quando 74 foram fundadas. Uma das caçulas é o Coletivo de Mulheres Fág Jãre Fag, que ganhou nome e corpo após intensa atuação nas consequências das enchentes no Rio Grande do Sul, em maio deste ano.
Conferência das Mulheres Indígenas 2024/2025
A Conferência das Mulheres Indígenas 2024/2025 é uma série de encontros realizados pela Anmiga, em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e com o Ministério das Mulheres. Divididos em sete etapas regionais e uma nacional, a Conferência busca fortalecer a luta das mulheres indígenas a partir de trocas de experiências e da mobilização política e social, sobretudo acerca de temas como direito e gestão territorial, emergência climática, violência de gênero, saúde e educação e a transmissão dos saberes intergeracionais.
A primeira etapa, Aroeira, acontece em Amambai, na Terra Indígena Limão Verde, em Amambai (MS), entre os dias 29 e 30 de novembro. A última, por sua vez, acontece de 8 a 11 de março em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães,. As demais ocorrem entre os meses de dezembro a fevereiro e devem reunir cerca de 700 mulheres indígenas.
Assembleia Kuñangue Aty Guasu
A 12ª Assembleia Geral da Kuñangue Aty Guasu acontece entre os dias 27 a 30 de novembro de 2024, no Território Indígena Limão Verde, em Amambai (MS). Conhecido como o maior encontro das Mulheres Indígenas Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul, o evento deste ano marca os 18 anos da articulação. Entre as pautas que serão discutidas estão a tese do “marco temporal”; a luta das Mulheres Kaiowá e Guarani pela demarcação das Terras Indígenas; o impacto do agrotóxico na saúde; entre outros.
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Com debates sobre saúde, cultura e enfrentamento à violência de gênero, a ATIX-Mulher reafirmou sua força na governança do território
O Movimento Mulheres do Território Indígena do Xingu (MMTIX) realizou, entre os dias 1 e 4 de novembro de 2024, a sua VII Assembleia Geral, no polo Pavuru, região do Médio Xingu, Mato Grosso, para eleger a nova coordenadora executiva que representará as mulheres indígenas de 16 povos instalados em cerca de 200 aldeias situadas no Território Indígena do Xingu (TIX).
O MMTIX, ou ATIX-Mulher, foi fundado em 2019 e busca articular e unir as mulheres indígenas para a emancipação e participação nas decisões políticas, tanto dentro como fora de suas aldeias.
O encontro reuniu mais de 300 pessoas, entre homens e mulheres, representando diversas etnias, como os povos Yawalapiti, Kalapalo, Kaiabi, Matipu, Yudja, Ikpeng, Trumai, Kuikuro, Suiá, Kamaiurá, Mehinako, dentre outros.
Também participaram mulheres que fazem parte da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt Mulher), da Takiná - Organização das Mulheres Indígenas do Mato Grosso, da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), composta por 14 organizações indígenas e indigenistas, possibilitando o intercâmbio entre os povos e etnias.
Nos quatro dias de reunião, além das apresentações culturais, foram debatidos temas sobre a gestão e governança da ATIX-Mulher, como a prestação de contas, avaliações e a eleição da nova coordenadora, além de assuntos que afetam a vida dos indígenas no território nas áreas da saúde, da cultura e a violência contra a mulher.
Na abertura da assembleia, a mesa foi composta por mais de dez cacicas e lideranças femininas do Xingu. Alguns caciques também participaram da abertura e demonstraram apoio ao movimento das mulheres indígenas.
Durante o debate sobre a estratégia de incidência política, algumas mulheres solicitaram a melhoria na qualidade do atendimento nas Casas de Saúde Indígena (CASAI), especialmente em Canarana (MT), alegando que o tratamento tem sido inadequado com os pacientes, sobretudo os idosos, além da falta de infraestrutura no local.
O tema da cultura, que abordou diversos aspectos como a natureza e as manifestações culturais através das danças, cantos, grafismos e rituais, também foi amplamente debatido pelas participantes.
Para a prestação de contas, a coordenadora executiva da MMTIX, Watatakalu Yawalapiti, listou os projetos realizados e em execução na região do Xingu e os recursos adquiridos através das parcerias com a Fundação Rainforest da Noruega, a Embaixada da Noruega no Brasil, o Instituto Socioambiental (ISA), a Rewild Brasil e, mais recentemente, com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), a ONU Mulheres e o governo da França.
De acordo com Watatakalu Yawalapiti, que está na coordenação da ATIX-Mulher desde 2019, a iniciativa que resultou na criação de um departamento voltado para as mulheres na Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) surgiu pela falta de representatividade e visibilidade das mulheres indígenas dentro e fora do território.
“O MMTIX possibilitou que ocupássemos os espaços de tomada de decisão sobre os nossos direitos e modo de vida, por exemplo”, contou a coordenadora. “Também havia um conflito entre as lideranças na região e as mulheres ajudaram a mudar este quadro, pois, através da captação de recursos, beneficiamos todo o Xingu com projetos que buscavam a geração de renda nas comunidades e mantivessem a floresta em pé”, constatou Yawalapiti.
“Agora, após seis anos de coordenação, vejo que criamos uma rede gigante de multiplicadoras para a garantia dos nossos direitos e a construção de um futuro diferente para as nossas filhas”, finalizou.
Violência contra as mulheres indígenas
A pauta específica sobre violência contra a mulher contou com a facilitação da psicóloga Iterniza Pereira, do povo Macuxi, que faz parte do Conselho Indígena de Roraima e atua profissionalmente no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) como ponto focal da Saúde Mental.
Pereira explicou para a plenária os tipos de violência praticados contra as mulheres, salientando que não se resumem à agressão física, mas incluem também a psicológica, a sexual, a moral, a patrimonial e a institucional.
Após a explicação da psicóloga, as mulheres se dividiram em grupos e realizaram uma dinâmica para análise e identificação das violências às quais poderiam estar submetidas. Em seguida, fizeram proposições para o enfrentamento às violências.
No final do exercício, algumas mulheres relataram violências sofridas nas aldeias ou fora delas. Uma das formas de violência relatada se referia ao costume indígena de casamentos forçados e/ou arranjados, na maioria das vezes quando a mulher ainda está na fase da adolescência. A situação foi narrada por algumas mulheres como algo violento e que pode resultar em doenças mentais graves.
Para concluir a dinâmica, várias participantes dos grupos apresentaram soluções, sobretudo a partir da educação e dos diálogos intrafamiliares e nas aldeias, assim como palestras com especialistas sobre direitos indígenas e o acompanhamento psicológico disponível nos Polos Base do Xingu.
O tema foi debatido pela primeira vez na assembleia da ATIX-Mulher, mas, em 2023, foi abordado amplamente na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, que resultou, inclusive, num manifesto contra a violência de gênero, proposto pela ANMIGA.
Outra forma de violência debatida no encontro foi a virtual, já que este ambiente tem criado novos meios de violência contra as mulheres. Com a facilidade dos acessos aos smartphones e à internet, a divulgação de imagens de forma inadequada e relacionadas à cultura indígena se transformou em um grande problema em diversas aldeias, sendo necessária uma conscientização constante, principalmente para os jovens, sobre os benefícios e malefícios do uso da internet para a cultura dos povos indígenas.
Eleição da nova coordenadora da ATIX-Mulher
No último dia da assembleia, foi realizada a eleição da nova coordenadora executiva da ATIX-Mulher. As duas candidatas indicadas foram Amairé Kaiabi Suaiá e Alawero Meynako.
Na votação por delegadas, divididas entre mulheres do Leste, Médio, Baixo e Alto Xingu, ocorreu um empate e a vencedora foi escolhida após a consulta direta na plenária. Assim, a nova coordenadora executiva eleita foi Alawero Meynako, que atua como vice-coordenadora executiva da ATIX-Mulher, atualmente.
“Eu dedicaria a minha vida para a ATIX-Mulher. Eu dedicaria a minha vida por cada uma de vocês, porque a gente está aqui por causa de vocês. Quem vai me dar força são vocês, mulheres”, declarou a nova coordenadora executiva.
Os encaminhamentos e o resultado da eleição foram apresentados durante a reunião das lideranças da ATIX, no dia 12 de novembro, que reconheceram o resultado das eleições da ATIX-Mulher.
A realização da 29ª Assembleia Geral Ordinária da ATIX, que aconteceria nesta data, foi adiada para 2025, por causa do falecimento de uma liderança do povo Kawaiwete, que morava no local de realização da assembleia, no Polo Diauarum.
Para o coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA, Ivã Bocchini, a crescente participação das mulheres indígenas xinguanas nos últimos anos tornou a sua atuação imprescindível nas decisões sociais e políticas do território.
“A Assembleia da ATIX encerrou este ano um ciclo dos dois mandatos da liderança de Watatakalu Yawalapiti e consolidou um espaço de articulação e formação política das mulheres xinguanas. Com isso, elas ocupam, de forma definitiva, um espaço de participação na governança do Território Indígena do Xingu com a relevância e legitimidade que merecem”, afirmou Bocchini. “Atualmente, é impossível pensar qualquer política ou projeto para o território sem ouvir de forma paritária, homens e mulheres.”
Resultados da última gestão do MMTIX
Na primeira edição do Encontro das Mulheres do Território Indígena do Xingu, foram eleitas Watatakalu Yawalapiti e Amairé Kaiabi Suaiá como coordenadora executiva e coordenadora de campo, respectivamente. Em 2021, as duas foram reeleitas.
Neste período, foram desenvolvidos projetos como o PPP-ECOS, que visa gerar renda com foco na gestão participativa, na formação de produtores e na paisagem produtiva ecossocial. As aldeias atendidas foram equipadas com utensílios domésticos para produção e comercialização de produtos como farinha, polvilho, sal de aguapé e mel.
Em 2020 e 2021, a ATIX-Mulher enfrentou a pandemia com ações emergenciais e campanhas de arrecadação de fundos para a aquisição de alimentos e distribuição nas aldeias isoladas por causa da doença.
Desde 2022, o movimento conta com o REM (REDD Early Movers) Projetos Estruturantes, uma iniciativa da cooperação bilateral Brasil-Alemanha com apoio do governo do Reino Unido, que apoia ações voltadas para a redução do desmatamento e a manutenção do clima.
A partir de 2025, a nova coordenadora executiva da ATIX-Mulher, Alawero Meynako, será a responsável por captar e conduzir projetos e ações voltadas para o fortalecimento das mulheres e a sustentabilidade dentro do território.
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