Manchetes Socioambientais
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“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Durante Assembleia Geral, os jovens deram continuidade a preparação da Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena do Rio Negro, que será levada à COP 30 de Belém
*Com colaboração da Rede Wayuri
Adolescentes e jovens indígenas, reunidos no municípios de São Gabriel da Cachoeira (AM) para a V Assembléia Geral Eletiva do Departamento de Adolescentes de Jovens Indígenas do Rio Negro (Dajirn), refletiram sobre os efeitos da crise climática e do racismo ambiental sentidos e observados em umas das regiões mais preservadas do Brasil: o Alto Rio Negro, no noroeste do Estado do Amazonas
Participaram da assembleia, realizada entre os dias 23 e 26 e outubro, cerca de 100 jovens representantes das coordenadorias das associações do alto rio Negro e Xié (Caibarnx), do médio e baixo rio Negro (Caimbrn), do Distrito de Iauaretê (Coidi), do baixo Tiquié, Uaupés e afluentes (Diawi’i), Baniwa e Koripako (Nadzoeri) e da sede de Sao Gabriel da Cachoeira.
A assembleia é promovida pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Os representantes de 24 etnias das cinco coordenadorias regionais da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) relataram o aumento do calor que prejudica o trabalho nas roças, a insegurança alimentar causada pelas secas e grandes enchentes, a ausência de saneamento básico e acesso à água tratada.
O encontro dá continuidade a um caminho trilhado por lideranças jovens da região, junto com o movimento socioambiental, para a construção da Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena do Rio Negro.
A carta tem o objetivo principal de apresentar as demandas prioritárias dos territórios sob a perspectiva da juventude indígena e promover o diálogo com a sociedade, incidir nos espaço de decisão e gerar impacto na Conferência do Clima da ONU de Belém (PA) em 2025 - a COP 30 - espaço onde os países signatários negociam acordos sobre a mudança climática que afetam diretamente a vida das comunidades locais.
Os povos indígenas estão entre as populações que menos contribuem para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no mundo, são os que mais contribuem para a preservação das florestas e rios, mas estão entre as populações que mais são impactadas pelos efeitos da crise climática, escancarando o racismo ambiental e as injustiças climáticas, conceitos e pautas muitas vezes distanciadas dos territórios.
Por um futuro ideal nas comunidades
Os eixos temáticos prioritários definidos pelos jovens durante o encontro foram: 1. gestão do lixo; 2. segurança alimentar; 3. saúde; 4. segurança para atuação em defesa das comunidades e do meio ambiente; preservação da cultura, diálogo geracional, conhecimento e saberes indígenas em diálogo com a ciência; 5. política ambiental na pauta dos governos estaduais e municipais.
A partir das vivências e observações do contexto local e global, os jovens destacaram que as populações indígenas, ribeirinhas, mulheres, crianças e idosos são os grupos mais afetados pelas mudanças climáticas no mundo. “Os ricos não vão ser afetados, né, porque eles têm tecnologia. Eles poluem, mas quem são afetados somos nós os ribeirinhos, os favelados, e nós indígenas principalmente”, observa Osvaldo Cardoso da Silva, do povo Baniwa, articulador Nadzoeri.
Fenômenos como o excesso de calor, verão fora de época, enchentes e secas sem controle foram os impactos mais mencionados. “Com secas mais prolongadas e chuvas intensas em períodos inesperados, isso afeta a agricultura local, dificultando o cultivo e a segurança alimentar, já que muitas comunidades dependem da agricultura”, relataram as representantes da Caimbrn, Mariete e Francicleia, do povo Baré.
“Esse é um desequilíbrio não é natural, ele é provocado por uma atividade predadora, e é uma realidade que a gente tá vivendo”, afirmou João Alex, do povo Yanomami, integrante da delegação Caimbrn.
No exercício de imaginar como seria um futuro ideal para as suas comunidades, o acesso a água tratada, a saúde de qualidade e a fontes renováveis de energia foram alguns dos pontos apresentados, além da coleta e destinação adequada do lixo, saneamento básico e investimento em tecnologias e alternativas de geração de renda que respeitem os modos de vida das comunidades, suas culturas e o meio ambiente.
“Mais saúde e bem-estar para todos. Imagine uma comunidade livre de doenças e com água potável e saneamento básico. Que a cultura e a tradição indígena sejam preservadas e celebradas. Imagine uma comunidade orgulhosa da sua história e identidade, transmitindo seus valores para as futuras gerações”, representante da sede.
A partir das discussões e a coletas das ideias apresentadas pelos grupos de trabalho da assembleia, as lideranças do Dajirn seguem para a etapa de escrita da Carta de Direitos Climáticos, que prevê ainda um retorno do texto aos territórios para revisão e aprovação junto às comunidades e associações até chegar a sua versão final a ser apresentada na COP 30.
‘Pelas novas gerações’
Jucimery Teixeira Garcia, do povo Tariano, foi eleita a nova coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas da Foirn pelos próximos quatro anos. Representante das associações do Distrito de Iauaretê, ela agradeceu emocionada aos votos de confiança da família, da comunidade e dos adolescentes e jovens presentes na assembleia.
“Eu quero que vocês, juventude, estejam sempre ativos juntamente comigo, assim uniremos forças”, disse ela, reforçando o desejo do reconhecimento das vozes jovens tanto nos territórios quanto fora.
Em seu discurso, Jucimery lembrou que o trabalho à frente do departamento, além de fortalecer a autoestima dos jovens, é também pelas próximas gerações. “A gente também tem que trabalhar para os que vão vir, para as nossas crianças, para nossos irmãos, nossos primos, e até futuros filhos também”, finalizou.
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Resultado da oficina, os produtos em áudio poderão ser acessados por jovens do mundo inteiro por meio da plataforma U-Report da Unicef
Durante dois dias, lideranças juvenis e de grêmios estudantis de São Gabriel da Cachoeira (AM) participaram de oficina de Rádio e Podcast promovida pela Rede Wayuri de Comunicadores Indigenas do Rio Negro e Organização Viração Educomunicação.
Aprendendo na prática, os estudantes levantaram diversos temas de interesse e produziram conteúdos que poderão ser acessados por pessoas do mundo inteiro por meio da plataforma U-Report, desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que busca promover a participação cidadã de adolescentes de jovens por meio das redes sociais.
A atividade aconteceu na sala Dagoberto Azevedo, no Telecentro do Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira (AM).
Prestes a completar sete anos de criação, a Rede Wayuri, ligada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e com parceria do ISA, vem neste período atuando em todo o território que abrange os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, onde estão cerca de 750 comunidades de povos de 23 etnias.
Como primeiro exercício, os participantes da oficina foram convidados a fecharem os olhos e identificarem sete diferentes sons ao redor. Cachoeira, pássaros diversos, vassoura varrendo o chão e os ventiladores ligados foram os que mais se destacaram. A proposta era entender as diferentes camadas de sons que compõem um ambiente e que ajudam a contar uma história a partir de um local.
Em seguida, divididos em grupos, os estudantes fizeram rodadas de discussão e levantaram as pautas de interesse para os exercícios de produção, seguindo as etapas de proposição, planejamento, criação e avaliação, conduzido pelo educomunicador Nilson Mangin Junior.
“A gente conseguiu entender um pouco as necessidades dos jovens e dar espaço nos áudios, com o rádio, para eles poderem falar, se expressar e aprender um pouco como fazer e um pouco como isso é potente”, avalia Nilson.
Planos de continuidade dos estudos, saúde mental, identidade cultural do Rio Negro e participação política dos jovens estiveram entre os temas escolhidos e discutidos, que geraram episódios de podcasts que poderão ser acessados em breve por meio da plataforma U-report.
A estudante Naira Estefani, do povo Baniwa, participou da produção sobre a cultura no Rio Negro, em que o grupo ressaltou a impotancia da valorização das tradições, especialmente da língua. “Eu achei essa oficina ótima e uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a parte de aprender a fazer um podcast. Eu diria que uma frase que eu deixo pra hoje é saber se comunicar, saber falar com as pessoas. Aqui eu aprendi com pessoas incríveis, sobre várias coisas incríveis e conheci pessoas incríveis”, avaliou.
Judite Loretta, do povo Piratapuia, é responsável pelo acompanhamento do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (NUCA) de São Gabriel da Cachoeira. Para ela, a oficina tem uma grande importância porque, “além de despertar ideias, renovação, faz com que eles também tenham novas expectativas de multiplicar para outros adolescentes”. “Eu vejo uma grande importância estar sempre motivando para que eles possam despertar melhores ideias de uma forma mais cultural e Indígena aqui na cidade de São Gabriel”, afirmou.
Ao final da oficina, os estudantes experienciaram o funcionamento de uma rádio na prática e fizeram a leitura dos roteiros produzidos ao vivo através da programação online da Rádio Wayuri.
Coordenadora da Rede Wayuri, Claudia Ferraz, do povo Wanano, explica que este é o início da realização de um projeto antigo de trabalhar a Educominucação nas escolas da rede pública e também nas comunidades indígenas do Rio Negro.
Os próximos passos incluem não só a ampliação das oficinas, mas também da programação da rádio online. “Vamos continuar com as oficinas, com cada grêmio em suas escolas e o objetivo principal é de criar um programa de rádio que irá fazer parte da grade da programação da rádio online Wayuri”, finaliza.
U-Report
Luiza Gianesella, analista de projetos da Viração, explica que, além de possibilitar o acesso a todas as informações disponibilizadas pela plataforma, o objetivo é também entender o que jovens e adolescentes de todo o país desejam e anseiam, por meio das enquetes feitas pelo chatbot Iuri através do WhatsApp, Facebook e Telegram.
“A gente quer que eles pensem essa ferramenta como uma possibilidade de levar mais longe aquilo que eles criam. Então os produtos comunicativos, todas as ações de comunicação que a rede [de comunicadores] pensa, pode ter uma parceria muito legal com o que a gente faz no U-report”. Uma vez na plataforma, os conteúdos podem ser acessados por pessoas do mundo inteiro.
Para conversar com o Iuri, basta enviar COMEÇAR pelo chat na página do Facebook ou no WhatsApp para (61) 9687-1768. No Telegram, basta buscar pelo canal @ureportbrasil.
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Encontro na aldeia Khikatxi, Terra Indígena Wawi, no leste do Mato Grosso, fortaleceu a luta na defesa da biodiversidade e dos direitos territoriais
Os comunicadores da Rede Xingu+ se reuniram em um grande encontro para reforçar a união entre seus povos e fortalecer a defesa do Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu. Este vasto território se estende por 26,7 milhões de hectares entre os biomas Amazônia e Cerrado e abrange Áreas Protegidas nos estados do Pará e Mato Grosso.
Fundada em 2019, a Rede Xingu+ surgiu em resposta ao avanço das ameaças e pressões sobre o Corredor, demonstrando ao longo dos anos que sua atuação é crucial para a proteção do território e para o enfrentamento à crise climática.
A rede congrega 53 organizações e movimentos indígenas, ribeirinhos e da sociedade civil, que operam nas nove Unidades de Conservação e 22 Terras Indígenas da Bacia do Xingu, articulados em torno da proteção das vidas do Xingu.
Essa união ganhou ainda mais força com os 32 comunicadores da Rede Xingu+, que, nos últimos seis anos, têm documentado as ameaças que pesam sobre os modos de vida que há milênios sustentam a floresta, cujo alcance atravessa os limites entre Mato Grosso e Pará.
Para reafirmar e atualizar seus acordos, os comunicadores da Rede Xingu+ se reuniram no território do povo Khisêtjê, de 16 a 22 de agosto, na aldeia Khikatxi, Terra Indígena Wawi, no leste do Mato Grosso.
Sonhar a comunicação xinguana
A aldeia Khikatxi desenvolveu um sistema de comunicação próprio, contou Winti Suya durante o encontro: “os comunicadores são muito importantes no sistema de comunicação criado pelos Khisêtjê para compartilhar com o mundo as nossas lutas.”
Mais de 100 Khisêtjê se reuniram na ngo, a casa dos homens no centro da aldeia Khikatxi, para receber os comunicadores. Durante a mesa da abertura, organizada pela diretoria da Associação Indígena Khisêtjê (AIK), Kamani Trumai, pai do comunicador Kamikia Kisedje falou sobre o orgulho que sente do filho e contou que, quando criança, Kamikia gostava de brincar de fazer enquadramento com os talos de macaxeira como se fosse sua câmera.
Hoje, a brincadeira se tornou realidade e o comunicador Khisêtjê tem inspirado novas gerações a seguir o caminho da comunicação engajada, que é produzida coletivamente nos territórios e não se separa da vida dos comunicadores. A cobertura do encontro dos comunicadores foi realizada por ele.
Kamikia Kisedje, do povo Khisêtjê, é um comunicador indígena da Terra Indígena Wawi, no Mato Grosso. Desde 2000, documenta encontros e mobilizações dos povos indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX), capturando eventos como reuniões, celebrações e diversas manifestações culturais e políticas.
Reconhecido por sua ampla atuação no movimento indígena e por seu trabalho sobre mudanças climáticas, Kamikia tornou-se uma importante referência para povos indígenas e cineastas em formação, atuando como agente multiplicador ao ministrar oficinas de formação audiovisual por todo o país.
Todas as nove aldeias da Terra Indígena Wawi contam com comunicadores, que segundo Kamani Trumai, têm feito um trabalho fundamental para visibilizar o pensamento xinguano. “Comunicadores, eu parabenizo o trabalho de vocês. É um trabalho muito importante que vocês estão fazendo. Vocês que vão registrar as coisas que estão acontecendo nos nossos territórios para mostrar para o mundo”.
Os comunicadores Khisêtjê e da Rede Xingu+ mergulharam juntos em seis dias de trocas intensas sobre os modos de pensar e fazer comunicação nos territórios.
O encontro reuniu o diretor Alberto Alvares Guarani, o editor de redes sociais do ISA, Ariel Gajardo, a editora assistente de redes sociais do ISA, Tauani Lima, o repórter da Rede Globo Caco Barcellos, o jornalista Erisvan Guajajara e a diretora Renne Nader.
Todos ficaram impactados pela devastação do fogo no entorno da aldeia Khikatxi, que durante o encontro estava totalmente tomada pela fumaça dos incêndios nas fazendas próximas ao limite da Terra Indígena Wawi. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cerca de 25.670 focos de calor foram detectados esse ano na bacia do Xingu.
Durante o encontro, os comunicadores da Rede Xingu+ produziram um vídeo manifesto contra a destruição dos seus territórios, alertando o mundo para os riscos dos incêndios ilegais, que estão sufocando as vidas de importantes espécies que regulam os ciclos vitais para a manutenção do clima do planeta.
Assista ao vídeo:
“Antigamente, tinham poucos comunicadores indígenas, agora têm muitos e é muito importante vocês contarem suas próprias histórias. Muitas vezes usamos telefones para filmar, isso também é jornalismo, como vocês fizeram na aldeia Khikatxi ao registrar o incêndio na fazenda que está próxima no limite da aldeia”, afirmou Caco Barcellos.
“O que é mais importante para a manutenção de um coletivo de comunicação indígena?”. Foi com essa pergunta que o comunicador da AIK Produções, Khumtá Suya, iniciou o segundo dia do encontro. A pergunta foi direcionada para o jornalista e um dos fundadores do coletivo de comunicação Mídia Indígena.
“União e confiança, são sentimentos fundamentais para conectar um coletivo de diversos povos, de culturas e histórias. Para a gente apresentar ao mundo o que acontece nas Terras Indígenas, é necessário ter várias opiniões e muito diálogo, porque estamos compartilhando a realidade de muitos povos diferentes. Sempre escutamos todos, com muito respeito", afirmou.
Para inspirar os comunicadores da Rede Xingu+ sobre as histórias que podem compartilhar nas redes sociais, Ariel Gajardo, do ISA, relembrou uma fala marcante de Kamani Trumai, pai de Kamikia, durante a mesa de abertura: “Ele olhou para vocês e disse: 'Nós confiamos em vocês.'” Gajardo destacou a profundidade desse gesto, pessoalmente e nas falas de Caco Barcellos, que discutiu o conceito de jornalismo e o papel da reportagem.
“Vocês estão no território. Ninguém está mais em campo do que vocês, que veem a fumaça chegar, presenciam a morte dos peixes na piracema, testemunham os Kwarup e também as coisas boas, a cultura viva, a língua sendo falada, os ensinamentos das lideranças e dos anciãos. Vocês são os verdadeiros repórteres. É por isso que a comunidade confia no trabalho que fazem — os beiradeiros e indígenas da Rede de Comunicadores do Xingu+.”
Clique aqui para seguir o perfil dos Comunicadores da Rede Xingu+
Para incentivar os comunicadores a compartilharem suas reflexões, Gajardo usou a metodologia da foto-voz, na qual cada comunicador escolheu e apresentou uma fotografia que representa algo significativo para ele.
Tairu Kayabi Juruna mostrou um registro feito na aldeia Piaraçu, em 2020, durante o grande encontro convocado pelo cacique Raoni. “Esse foi um momento marcante na minha vida, quando pude mostrar a todos a força do meu olhar”, relatou o comunicador ao apresentar a imagem.
“Precisamos trazer nosso próprio olhar”
Para aperfeiçoar os conhecimentos dos comunicadores da Rede Xingu+ sobre ferramentas que podem ser utilizadas para contar suas histórias, o diretor e cineasta Alberto Alvares Guarani exibiu a sua produção mais recente, Yvy Pyte – Coração da Terra, que segundo o diretor, nasceu do seu desejo de registrar o seu retorno à sua aldeia.
Entre deslocamentos e fronteiras, o cineasta levou os comunicadores da Rede Xingu+ para o território sagrado dos Guarani, que enxergam suas casas como uma morada livre, que “dança” entre as fronteiras impostas pelos processos de territorialização vividos pelos povos indígenas na América do Sul.
Para Alberto Alvares Guarani, a noção de casa pode ser comparada ao sentimento dos Guarani sobre ser “um pássaro no coração da Terra”. O cineasta compartilhou em detalhes como foi o processo de roteirização, filmagem e finalização do filme, que recentemente foi exibido no 21.º Festival Internacional de Cinema Doclisboa.
“Esse filme foi criado coletivamente, através da câmera contamos nossa histórias, vocês veem que cada povo tem sua realidade e pensamento?”, perguntou o cineasta aos comunicadores da Rede Xingu+.
“Vocês já sabem fazer documentários; nosso olhar tem poder. Muitas vezes, os não indígenas chegam prontos para filmar em nossos territórios, impondo a visão deles sobre nossas histórias. Para evitar isso, precisamos trazer nosso próprio olhar. Se não fosse por esse filme, eu não estaria aqui com vocês agora. Ele nasceu em 2017, ao redor de uma fogueira, e trouxe algo muito maior com ele. Esse filme é importante porque leva nossas lutas para outros espaços, amplificando nossa voz e nossas causas.”
Renée Nader, diretora dos filmes Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos e Flor de Buriti, elaborado coletivamente com o povo Krahô da aldeia Pedra Branca, da Terra Indígena Krahô, Tocantins, também participou do encontro dos comunicadores da Rede Xingu+.
“O cinema é uma linguagem, mas também é uma forma de se comunicar e de criar aliados de lutas”, disse.
Segundo ela, na comunidade Pedra Branca há um grupo de jovens que registra tudo o que acontece na comunidade e que os mais velhos os escolheram com a missão de documentar sua cultura e história.
Renée Nader apresentou um filme de ficção produzido pelo coletivo de cinema Krahô Metwaje, que trata sobre os impactos do consumo de álcool na aldeia. “Eu achei muito bom o filme, isso é muito bom para nós comunicadores, porque muitas vezes, alguns jovens querem falar o que está errado, o que está acontecendo na comunidade e produzindo filmes a gente pode falar mais alto”, refletiu o comunicador Arewana Juruna.
Os comunicadores foram divididos em quatro grupos para investigar o tema mais relevante para os Khisêtjê na produção de uma peça audiovisual. Durante as entrevistas, os mais velhos do povo Khisêtjê relataram que viveram por décadas afastados do TIX, longe de seu território. Em 2025, eles celebram 25 anos da demarcação da Terra Indígena TI Wawi. Durante esse período de distanciamento, os Khisêtjê estavam preocupados com as fazendas de gado e pescadores que provocavam o desmatamento na região.
Agora, 24 anos após seu retorno ao território tradicional, as pressões permanecem: as ameaças aumentaram com o avanço do desmatamento, o uso de agrotóxicos nas proximidades e os incêndios nas bordas da TI Wawi.
Para mitigar os impactos do desmatamento, os Khisêtjê têm plantado pequi e recuperado áreas degradadas. Essa ação não apenas aumenta a produção de alimentos para a comunidade, mas também gera uma renda sustentável com a comercialização do óleo de pequi, resultando na restauração de 63 hectares.
Os comunicadores da Rede Xingu+ concordaram que sua próxima produção abordará a história de resistência do povo Khisêtjê. Ame Suyá, liderança Khisêtjê, destacou que a produção audiovisual será uma estratégia importante de enfrentamento ao risco imposto pela Lei do Marco Temporal ao território Khisêtjê.
Acordos e protocolos
Ao longo do encontro, os comunicadores da Rede Xingu+ revisaram e atualizaram seu regimento interno, que foi elaborado em 2023. Com apoio do presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), os comunicadores revisitaram os acordos mútuos estabelecidos entre indígenas e beiradeiros, suas associações e a Rede Xingu+, para orientar as atividades e governança – e participar de encontros com parceiros para expandir o potencial de comunicação do grupo.
Ao longo da produção do documento, os comunicadores puderam refletir com o presidente da Atix sobre as melhores maneiras de registrar e divulgar assembleias importantes para as lideranças do Xingu em parceria com os presidentes das associações indígenas e beiradeiras.
O regimento dos Comunicadores do Xingu+ prevê a estruturação de parcerias entre comunicadores, associações xinguanas, conselheiros do Xingu+ e assessoria técnica da Rede Xingu+ para o alinhamento das coberturas de assembleias e reuniões nas aldeias e localidades do Xingu.
Nos esforços dos comunicadores indígenas e ribeirinhos do Xingu pela defesa dos direitos territoriais na Bacia do Xingu, a comunicação se estabelece como uma ferramenta política indispensável. A reunião ressaltou que, com a flecha da comunicação em mãos, os comunicadores continuarão sua luta, defendendo não apenas seus próprios mundos, mas também o futuro de todos nós.
O encontro dos Comunicadores da Rede Xingu+ e esta reportagem foram produzidos com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), da Fundação Rainforest da Noruega, da União Europeia e do Fundo de Defesa Ambiental (EDF). As opiniões expressas na reportagem não refletem necessariamente as opiniões dos parceiros apoiadores.
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A mostra ocorre simultaneamente em mais de 200 cidades brasileiras nesta segunda-feira (28/10)
O Cine Japu foi uma das iniciativas selecionadas para compor o circuito nacional da mostra de curtas-metragens no Dia Internacional da Animação, celebrado na próxima segunda-feira (28/10), com exibições simultâneas em todo o país.
Em São Gabriel da Cachoeira, a programação terá início às 19h no telecentro do ISA - localizado na rua Projetada, nº 70 - Centro - com entrada gratuita.
O Dia Internacional da Animação é uma mostra de animação com filmes nacionais e internacionais que ocorre em mais de 200 cidades em todas as regiões do país.
No Amazonas, além de São Gabriel da Cachoeira, ela também ocorre em Manaus, Itacoatiara, Presidente Figueiredo e Tefé. Em 2024 o evento comemora 21 anos desde sua primeira edição.
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Criado em 2023, o Cine Japu é uma iniciativa do ISA com participação da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, que promove sessões quinzenais de cinema e rodas de conversa, com o objetivo de ampliar os diálogos, compartilhar olhares e saberes entre as comunidades e instituições da região, promovendo o fortalecimento das culturas indígenas por meio da arte e do lazer.
A programação do especial do cine clube contará com a exibição de filmes da Mostra Nacional e Internacional, com classificação a partir de 14 anos. Confira:
MOSTRA NACIONAL
Maré Braba
Dir. Pâmela Peregrino - stop motion - 07:16 - 2023 - Porto Seguro/BA
Ela, que conecta a todos pelas suas águas, observa e opera as mudanças decorrentes do aquecimento global. O povo à beira-mar é o primeiro a sentir suas agitações e mudanças de humor.
Manu Sonha com Onças
Dir. Daniel Og - 2D - 05:32 - 2023 - Rio de Janeiro/RJ
Manu Sonha com Onças é a história de um sonho da menina Manuela que essa noite se encontra com os felinos que habitam sua imaginação e a ajudam a despertar sempre um pouco mais pra quem ela é e o que quer ser no mundo.
Hoje Eu Só Volto Amanhã
Dir. Diego Lacerda - 2D, 3D, Colagens - 08:00 - 2024 - Recife/PE
Cada pessoa é um Carnaval e Marina sabe qual o dela. Nas ladeiras de Olinda ela busca o êxtase da folia carnavalesca, a música, a gritaria, o calor, a alegria, o amor.
Alguns Sinaes
Dir. Samu Mariani - Stop Motion com objetos - 01:23 - 2023 - São Paulo/SP
O vazio constitui o cheio. É como a fofoca científica diz afinal: os átomos contém mais espaço que matéria. Numa boa ficção, podem ser espaços que formas de vida de lógica ainda desconhecida ocupem de forma criativa.
O Nome da Vida
Dir. Amanda Pomar - 2D/3D - 13:00 - 2024 - Juiz de Fora/MG
O Governo Geisel ostentava um discurso moderado, prometendo a famigerada transição democrática enquanto continuava a perseguir os opositores do regime militar. Exemplo dessa dissimulação, o Massacre da Lapa foi arquitetado para aniquilar os dirigentes do PCdoB em dezembro de 1976.
O Futuro Que Me Alcance
Dir. Nat Grego - 2D tradigital - 04:35 - 2023 - São José dos Campos/SP
O Futuro Que Me Alcance é um videoclipe animado da canção de Reynaldo Bessa que nos leva por uma viagem surreal e existencial pelas memórias e afetos do eu-lírico.
Absorta
Dir. Luiza Pugliesi Villaça - 2D - 08:00 - 2023 - São Paulo/SP
Nara, uma jovem adulta exausta, decide tomar um banho após um longo dia. Mas ao submergir na banheira para relaxar, seu momento de introspecção é interrompido por um peixe preso no ralo. Águas profundas e desconhecidas serão exploradas à medida que ela é invadida por diferentes fases da sua vida.
Receita de Vó
Dir. Carlon Hardt - Stop Motion - 03:10 - 2024 - Curitiba/PR
‘Minha vó dizia: menina, não chore pitanga. Cê não queria? Então chupa essa manga!’. “Receita de Vó” nos leva ao quentinho da casa da vó, onde comidas cantam e dançam ao som do mundo mágico do Hip Hop.
MOSTRA INTERNACIONAL
Después del eclipse
Dir. Bea R. Blankenhorst - stop motion - 12:08 - 2019 - Argentina
Argentina, década de 1920. Em um pequeno povoado agrícola, o Club Social anuncia uma grande noite de festa. Dois jovens apaixonados esperam ansiosos pelo momento de se encontrar e dançarem
Le renard et l'oisille
Dir. Fred & Sam Guillaume - 3D - 12:06 - 2018 - Suíça
Uma raposa solitária precisa improvisar a paternidade para um bebê pássaro recém-nascido. Dois caminhos se cruzam e uma família é formada, até que o destino mostra para cada um a vida que devem levar.
Six plain hot dogs
Dir. Joël Vaudreuil - Stop-motion, Animação 2D - 14:59 - 2011 - Canadá
No leste de Montreal, um garoto vai ao restaurante local para buscar cachorros-quentes para ele e sua avó, que está debilitada. No local, ele encontra uma garçonete angustiada por estar sozinha no atendimento.
Black Slide
Dir. Uri Lotan - 3D - 11:12 - 2021 - Israel
Eviah, uma criança jovem e tímida no início da puberdade e seu melhor amigo, Tsuf, entram de fininho no Black Slide, o toboágua mais assustador de Aqua Fun. Lá, Eviah tem visões que irão prepará-lo para os eventos que estão prestes a acontecer em sua casa.
Ila, la niña tejedora
Dir. Edna Y. Higuera Peña - 2D/3D - 04:01 - 2023 - Colômbia
Ila é uma menina do campo que tece o sol com a lua, a terra e a água, através da sua voz, das suas perguntas, da sua imaginação e de suas brincadeiras com o seu amigo, Guardião. Todos os tecidos que esta aventureira produz brotam da ternura e da sua admiração pela grandeza da natureza.
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Dados mostram que 38 Terras Indígenas superam a média nacional de alfabetização, mas lideranças apontam desafios na educação escolar indígena
Na primeira sexta-feira de outubro, às 12h, cerca de 200 indígenas Guarani da Terra Indígena Tenondé Porã (SP) foram à prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), para protestar pelo cumprimento do direito constitucional à educação escolar diferenciada e por melhorias na gestão dos Centros de Educação e Cultura Indígena (Ceci).
Horas antes, às 10h, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançava os dados do Censo 2022 sobre alfabetização, registros de nascimentos e características dos domicílios da população indígena no Brasil.
Enquanto os dados recém-lançados apontavam uma queda de 35% nas taxas de analfabetismo entre indígenas, além de ao menos 38 Terras Indígenas cujo índice de alfabetização superaram a taxa nacional (93%), na TI Tenondé Porã, os números trazem indicadores importantes, que podem apoiar na implementação da educação escolar indígena.
Confira quais são as 10 Terras Indígenas com a maior porcentagem da população alfabetizada:
Terra Indígena Peruíbe (SP)
Terra Indígena Xapecó (Pinhalzinho-Canhadão) (SC)
Terra Indígena Sete de Setembro (RO,MT)
Terra Indígena Jarudore (MT)
Terra Indígena Padre (AM)
Terra Indígena Muã Mimatxi (Fazenda Modelo Diniz) (MG)
Terra Indígena Ofayé-Xavante (MS)
Terra Indígena Estação Parecis (MT)
Terra Indígena Tekoha Itamarã (PR)
Terra Indígena Jaraguá (SP)
Além disso, eles também demonstram a importância do ensino da língua materna para garantir melhores índices de alfabetização entre indígenas, uma vez que o IBGE considera alfabetizadas as pessoas que saibam ler e escrever na língua que conhecem. É o que defende Kerexu Mirim, professora e liderança da TI Tenondé Porã, que contou sua experiência em ensinar em Guarani.
“A gente viu que a criança aprende mais rápido do que entrar na escola com seis sete anos e já inserir a língua portuguesa. Por isso a gente luta e está também fazendo experiências, fazendo materiais didáticos na nossa língua para auxiliar na alfabetização das crianças em Guarani, para depois inserir o português”, conta.
Segundo o Censo 2022, a TI Tenondé Porã possui mais de 90% de sua população alfabetizada.
Localizados na zona sul da cidade de São Paulo (SP), os 16 mil hectares da TI foram declarados como posse permanente dos Guarani em 2016, após décadas de luta pelo reconhecimento de seus direitos territoriais e confinamento em apenas duas aldeias, de 26 hectares cada.
Com a demarcação e o processo de redispersão dos Guarani pelo território, a demanda por escolas cresceu, não só com relação aos Ceci, que atendem à faixa etária de 0 a 5 anos, mas também ao Ensino Fundamental e Médio, segundo as lideranças locais.
“O Ceci hoje já não é mais uma demanda de duas aldeias, são de 11 aldeias que estão inseridas no município [de São Paulo]. Então essa demanda que a gente traz há bastante tempo já é também desse reconhecimento do direito das crianças”, explica Karai Tataendy, liderança da TI Tenondé Porã. “A gente não está pedindo para fazer um Ceci em cada aldeia, mas sim que os equipamentos que estão já em nosso território se adequem ao nosso jeito, à nossa própria forma de entender a educação e que ela seja respeitada”, complementa.
Além de dois Ceci, a TI também conta com duas escolas estaduais indígenas, em que os indígenas lutam para efetivar uma educação específica, diferenciada, comunitária, intercultural e bilíngue – um direito conquistado pelos povos indígenas na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), entre outras normativas.
Avanços da alfabetização
Apesar dos desafios enfrentados pelos Guarani em São Paulo e por indígenas de norte a sul do Brasil pela efetivação de uma educação escolar indígena verdadeiramente diferenciada, o Censo 2022 aponta uma queda na taxa de analfabetismo entre indígenas em todo o país. Enquanto a porcentagem da população brasileira que não sabia ler nem escrever caiu 27% do Censo 2010 para o atual, a taxa de analfabetismo entre indígenas caiu cerca de 35%.
Além disso, considerando somente as TIs comparáveis, ou seja, aquelas em que já haviam sido alcançadas pelo Censo anteriormente, em 2022, mais de 90% das Terras Indígenas tinham mais de 50% de sua população alfabetizada, ante 60,6% em 2010. Isso significa um aumento de quase 50% no número de TIs que possuem a maior parte de sua população alfabetizada.
Para o IBGE, uma pessoa alfabetizada é aquela que consegue ler e escrever um bilhete simples ou uma lista de compras na língua que conhece, ou que utiliza o sistema Braille, uma forma de escrita tátil utilizada por pessoas com deficiência visual. “A pessoa não precisa estar frequentando a escola para ser alfabetizada”, afirma Marta Antunes, coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais - Alfabetização e Registros de Nascimento (Indígenas Censo 2022).
Os resultados do Censo indicam que todas as regiões apresentaram uma queda na taxa de analfabetismo entre indígenas, com destaque para a região norte, que teve uma queda de 51,2% das pessoas que não sabiam ler nem escrever, seguida pelo centro-oeste (38,8%); e sul (32,4%).
Já no âmbito municipal, as menores taxas de analfabetismo foram encontradas no Rio de Janeiro (3,1%), em São Paulo (4%) e no Distrito Federal (5,5%). A região sudeste, por sua vez, apresentou a menor taxa de analfabetismo no país entre pessoas indígenas (8,31%).
Ao contrário da média nacional, entretanto, a taxa de alfabetização entre mulheres apresentou um valor levemente abaixo em relação aos homens (1%) a partir da faixa etária de 35 anos.
Em todas as regiões, as quedas nas taxas de analfabetismo foram significativas entre os mais jovens. Nas faixas etárias até 39 anos, as taxas caíram pela metade, com avanços ainda significativos na faixa entre 40 e 44 (42%). Como nos dados gerais, a taxa de analfabetismo entre indígenas aumenta conforme o avanço na idade, principalmente nas faixas etárias a partir de 65 anos.
Na região Norte, onde houve a maior queda, as menores taxas de analfabetismo entre os indígenas se deram nos estados do Amapá (9,65%), Rondônia (12,88%) e Amazonas (14,06%).
Conquista do movimento indígena
No estado do Amazonas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), organização representativa de 24 povos indígenas do Rio Negro, atua na promoção da educação escolar indígena. Melvino Fontes, do povo Baniwa e atual coordenador do departamento de educação escolar indígena da Foirn, atribui o avanço revelado pelo Censo 2022 à luta do movimento indígena pela valorização dos saberes tradicionais.
“A gente abraçou essa causa justamente para que de fato se pudesse ter nossos direitos preservados de acordo com o que nos garante a Constituição. Então dentro desse aspecto, a gente teve um salto muito positivo”, celebra Melvino. Ele também destaca que valorizar os saberes tradicionais não significa voltar atrás, mas fazer com que os conhecimentos indígenas e não indígenas possam caminhar juntos.
A dificuldade, segundo ele, está em garantir o respeito das secretarias de educação e outras instâncias governamentais aos modelos e projetos educativos dos povos indígenas no Rio Negro. “A nossa luta é para que se desenvolva a educação de baixo para cima, com a participação dos professores, alunos e comunidade nessa construção”, defende.
Morador da TI Tenondé, na capital paulista, Karai Tataendy, ponderou sobre a interpretação dos dados de alfabetização entre indígenas. Para ele, sem assegurar o direito à educação escolar diferenciada, se torna difícil fazer comparações baseadas em uma educação tradicional.
“Dentro das grandes cidades, por exemplo, não é a mesma coisa que em uma escola de campo, mesmo sendo de pessoas não-indígenas já tem essa diferença. Essa relação da vida, dos valores, é diferente. E em se tratando dos povos indígenas, é mais complexo ainda”, completou.
Assim como ele, Kerexu Mirim, professora da rede estadual de São Paulo e liderança na TI Tenondé Porã (SP) também partilha dos mesmos desafios e que as escolas indígenas guarani ainda sofrem com a imposição de estruturas e parâmetros curriculares estranhos a seus saberes e modos de existência.
“A gente deveria ter uma inscrição específica com temas específicos para nossa realidade, porque a gente que está na aldeia, não é que não entendemos o que acontece lá fora, mas vivemos uma realidade diferente”. Ela ainda complementa: “A gente quer uma educação diferenciada, porque a gente tem esse direito”.
É o que também busca Karai Tataendy: “O que a gente pede é só que seja respeitado mesmo esse direito ao ensino diferenciado que temos a garantia na Constituição Federal”.
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Publicações bilíngues da Hutukara Associação Yanomami em parceria com o ISA apresentam o trabalho de pesquisadores indígenas
A coleção “Urihi anë thëpëã pouwi” (ou Saberes da Floresta Yanomami, em português), da Hutukara Associação Yanomami em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), foi selecionada como projeto de destaque da 14ª Bienal Brasileira de Design, na categoria profissional de Margens & Colunas – Livros de ficção e não ficção.
A seleção conta com dois títulos: Puu naki thëã oni: o conhecimento yanomami sobre abelhas; e Diários Yanomami: testemunhos da devastação da floresta. As publicações contaram com apoio da União Europeia (UE), Fundação Rainforest da Noruega, Embaixada da Noruega, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata).
O projeto “Urihi anë thëpëã pouwi/Saberes da Floresta Yanomami” foi um dos 23 selecionados na categoria Margens & Colunas, na subcategoria Livro de ficção e não ficção, destinada aos projetos gráficos editoriais de livro de ficção, não ficção ou em quadrinhos, podendo ser edições isoladas ou coleções.
Em Puu naki thëã oni, os elementos gráficos de composição na página – ilustrações e aquarelas – complementam a produção científica sobre abelhas sociais, transmitindo os saberes e conhecimentos tradicionais yanomami. Por sua vez, Diários Yanomami desponta como uma publicação que oferece, em edição única, quatro diferentes estruturas textuais: diários, entrevistas, depoimentos e notas.
Os volumes são bilíngues, produzidos originalmente nas línguas Yanomami, por pesquisadores locais, e depois traduzidos para o português. Como parte das línguas indígenas brasileiras utilizam caracteres ausentes na maioria das fontes tipográficas comerciais, o emprego de uma fonte com suporte às línguas yanomami se tornou fundamental para a execução do projeto gráfico da coleção.
Promovida pela Hutukara e pelo ISA em 2022, a iniciativa tem como objetivos a valorização e fortalecimento dos saberes e das línguas yanomami, além de proteger a Terra Indígena Yanomami. A coleção divulga estudos de pesquisadores yanomami sobre diversas áreas do conhecimento, tradicional ou não, e reúne pesquisas realizadas em colaboração com especialistas napë pë (não-yanomami).
O projeto contou com os autores de design Felipe Cavalcante e Gabriel Menezes, a ilustração dos pesquisadores Yanomami e aquarelas de Hadna Abreu, e a diagramação de Felipe Cavalcante, Gabriel Menezes e Cecília Cartaxo.
Sobre a 14ª Bienal Brasileira de Design
A 14ª Bienal Brasileira de Design será sediada em Aracaju (SE), entre 6 e 20 de dezembro deste ano, com o tema “Giros: movimentos que dão voz às nossas histórias, culturas e identidades”. O tema desta edição resgata a herança sergipana, inspirado pela vibrante tradição conhecida como Parafuso, uma dança que celebra a cultura e a história ancestral de seu povo.
Em 2024, a curadoria da Bienal optou por selecionar projetos para destacar, buscando reconhecer aqueles que celebram e expandem o design brasileiro. Foram inscritos projetos realizados, produzidos e/ou publicados entre janeiro de 2019 e junho de 2024, no Brasil. As 15 categorias de destaque foram concebidas para representar de maneira mais lúdica e abrangente a diversidade do design brasileiro.
Esta será a primeira edição desde a pandemia de Covid-19: a última edição ocorreu em dezembro de 2019, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (PR). O momento sinalizou a necessidade de mudanças na Bienal, com desafios e novas pautas que visam aproximar a diversidade que almejamos para nosso país.
O evento é organizado pela Associação dos Designers Gráficos (ADG Brasil) em parceria com o governo do Estado de Sergipe, além de receber apoio do banco Itaú. A Bienal será montada no Centro de Convenções AM Malls Sergipe.
Diários Yanomami: testemunhos da destruição da floresta
O livro reúne uma coleção de textos produzidos por pesquisadores yanomami, entre 2019 e 2022, sobre os impactos negativos da exploração garimpeira no seu território. São diários, testemunhos e entrevistas, que se aprofundam nas transformações causadas pelo garimpo na vida yanomami nos últimos anos: na cultura, na natureza, na liberdade e nas relações pessoais.
Além de descrever a devastação da paisagem e a desestruturação social provocada pela mineração ilegal, a produção é um convite aos não indígenas para uma tomada de ação pelos direitos dos povos originários e o respeito ao seu território.
A produção editorial é assinada por Estêvão Senra, geógrafo do ISA, que também faz parte dos times de organização e edição junto a Alcida Ramos e Corrado Dalmonego. A tradução de Yanomae para Português foi feita por Dalmonego conjuntamente com os pesquisadores.
O livro foi produzido pela Hutukara Associação Yanomami e o ISA, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a criança e adolescente (UNICEF), da Rainforest Foundation Norway e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata). Também contribuem com apoio financeiro o Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) da União Europeia.
“Diários Yanomami” está à venda na loja online do ISA, que entrega para todo o Brasil
Puu naki thëã oni: o conhecimento yanomami sobre abelhas
Este livro apresenta os resultados de uma pesquisa sobre abelhas sociais realizada na aldeia Piau, na região do Toototopi, Terra Indígena Yanomami. O trabalho foi desenvolvido por jovens pesquisadores yanomami, orientados por velhos conhecedores de suas aldeias, com assessoria técnica do ISA.
A pesquisa transcorreu em quatro etapas, de abril de 2016 a março de 2018. Ao todo, o trabalho apresenta trinta e duas nomenclaturas de abelhas sociais. Para cada uma das abelhas listadas estão descritas a sua aparência, comportamento, características do mel, local de nidificação, aspectos do ninho e flores preferenciais.
Diante da emergente crise contemporânea da biodiversidade, o povo Yanomami tem prestado um serviço inestimável à conservação das florestas no norte da Amazônia. Nesta publicação, os yanomami fortalecem a associação entre o saber tradicional ao conhecimento técnico-científico, com valiosas informações para a salvaguarda das abelhas nativas.
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Mudanças climáticas são consideradas por órgãos de saúde como fatores de risco para comunidades amazônidas
Atenção: a reportagem a seguir aborda temas sensíveis, como saúde mental e suicídio, que podem gerar gatilhos. Se você precisar de apoio, contate o Centro de Valorização à Vida (CVV) pelo telefone 188 (ligação gratuita), pelo site, ou busque unidades de saúde na sua cidade.
O município de São Gabriel da Cachoeira, localizado ao noroeste do estado do Amazonas, apresenta um cenário preocupante de saúde pública relacionado aos índices de suicídio registrados na região. De acordo com dados da Vigilância Epidemiológica do município, de 2020 a 2023, foram registrados 77 casos de tentativas de suicídio/autolesão. Só em 2024, até o início do mês de setembro, esse número já chega a 34. Questões ambientais relacionadas às mudanças climáticas, como a estiagem cada vez mais severa na região, já são compreendidas como fatores de risco a serem monitorados pelos órgãos de saúde do Amazonas.
Ainda de acordo com os dados da Vigilância, foram 71 registros de mortes por suicídio no mesmo período (2020 a 2023), sendo 14 só até o inicio de setembro deste ano. Com 98 % de sua população autodeclarada indígena, o cenário exige atenção contínua e estratégias diferenciadas para prevenção.
Diante disso, o Comitê Municipal de Prevenção ao Suicídio e Automutilação lançou na última semana o Plano Municipal de Prevenção ao Suicídio, documento que prevê uma série de ações multidisciplinares e intersetoriais com objetivo principal de reduzir essas taxas por meio do fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial, capacitação de profissionais, campanhas de conscientização, integração com as comunidades indígenas, monitoramento e avaliação das ações.
Se tratando de uma população majoritariamente indígena, o plano destaca a promoção de um diálogo intercultural e interinstitucional para se pensar estratégias de prevenção que respeitem e integrem as tradições e os conhecimentos dos povos, como o mapeamento de conhecedores tradicionais para apoio e acolhimento de pessoas em sofrimento mental e itinerários terapêuticos que incluam benzimentos e a medicina tradicional.
O comitê municipal é o primeiro a ser implementado no Amazonas, de acordo com a Secretária de Estado de Saúde, e é composto por representantes do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (DSEI/RN), Diocese de São Gabriel da Cachoeira, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Instituto Socioambiental (ISA), Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Estadual de Educação, Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer e Secretária Municipal de Saúde.
O ISA tem participado do Comitê Municipal de Enfrentamento ao Suicídio desde sua criação, em 2019, junto com as instituições locais. Neste período, seu funcionamento passou por alguns altos e baixos, como a pandemia de Covid-19 e ainda a rotatividade de pessoas que o compunham. “Temos percebido que isso enfraquece as ações institucionais e a do próprio Comitê”, explica Dulce Morais, antropóloga e representante do ISA na composição.
Dulce conta que desde o ano passado houve um esforço do grupo para a retomada dos encontros e neste ano, a partir de uma formação oferecida pela Diocese de São Gabriel, conseguiram avançar nas discussões e na elaboração do Plano Municipal de Enfrentamento ao Suicídio.
Até o momento, o Comitê tem realizado reuniões periódicas e mantido membros fixos de cada instituição que o compõem. Segundo a antropóloga, um dos principais desafios antes da elaboração do plano era a falta de acesso aos dados epidemiológicos, o que dificultava a criação de ações de prevenção e cuidados mais direcionados. "Com essas informações, podemos identificar quais povos são mais vulneráveis e entender os fatores sociais que agravam essa vulnerabilidade", explicou.
A partir do plano, foram pensadas ações iniciais, voltadas para um trabalho colaborativo que respeite as especificidades dos povos indígenas. Entre elas, estão o estudo dos dados sobre o suicídio no município e a análise do Plano de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PGTA), que contém demandas relacionadas ao bem-viver e pode contribuir para a redução dos casos de suicídio.
Subnotificação
“Os índices estão aumentando, mas estamos falando de subnotificação. A situação de São Gabriel da Cachoeira é ainda mais alarmante”, alertou a gerente da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), Diana Oliveira da Silva, durante oficina de Capacitação de Assistência à Saúde Mental sobre os agravos relacionados à violência autoprovocada realizada em São Gabriel da Cachoeira.
Promovida pelas Secretária Municipal e Estadual de Saúde (SEMSA e SES-AM) e Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS), a atividade reuniu profissionais da Saúde, Educação, Juventude, organização indígena e sociedade civil durante dois dias, a fim de reforçar a importância da notificação e o seu preenchimento correto para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção e acolhimento dos casos.
Em sua fala, Diana incentivou que outros setores, além da Saúde, também contribuíssem com o reporte junto à Vigilância Epidemiológica do município: “a obrigação de relatar é do profissional da Saúde e da Educação Estadual, mas todos podem e devem contribuir”.
A notificação de casos suspeitos de tentativa de suicídio no Brasil, assim como de violência sexual, é obrigatória e deve ser feita em até 24 horas para que medidas urgentes de acolhimento e prevenção às vítimas possam ser tomadas.
É com base nessas notificações, que geram dados robustos e confiáveis, que ações de prevenção, enfrentamento e promoção da saúde podem ser discutidas e estruturadas nos municípios.
Suicídio e populações indígenas
Na contramão da média global, os índices de suicídio no continente americano apresentaram um crescimento de 17% entre os anos de 2000 e 2019, com o Brasil figurando entre os países com o aumento mais significativo (43%), de acordo com estudo desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.
Ainda de acordo com a pesquisa, num recorte de raça e etnia, a população indígena apresentou as maiores taxas de notificação de autolesão e suicídio, com mais de 100 casos a cada 100 mil pessoas.
Entre os anos de 2019 e 2022, o Amazonas foi o estado brasileiro que mais registrou casos de suicídios entre indígenas, de acordo com o Relatório da Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Foram 535 no país, sendo 208 registrados no Amazonas, seguido do Mato Grosso do Sul, com 131 casos, e Roraima, com 57.
Com sua população estimada em mais de 51 mil pessoas, São Gabriel da Cachoeira é considerada a cidade com o maior número de pessoas no país que se autodeclaram indígenas. Segundo o Sistema de Informação da Atenção Indígena (SIASI DSEI ARN, 2024), 25.177 indígenas residem nas comunidades rurais do município, distribuídos em 595 aldeias ao longo dos rios existentes na região (Içana, Negro, Waupés, Xié, Tiquié) (SIASI, 2023).
Além de São Gabriel, o Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (DSEI/ARN) abrange ainda as popualções dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, totalizando uma extensão territorial de 138.020,94 quilômetros quadrados, que inclui uma área de fronteira com a Colômbia e a Venezuela.
Neste contexto multiétinico e complexo, conforme o boletim epidemiológico n.º 01/2024 da Atenção Psicossocial do DSEI/ARN, do ano de 2006 até o primeiro semestre de 2024, foram registrados pela distrito sanitário 238 óbitos por suicídio, sendo os anos de 2022 e 2020 os que apresentaram maior quantitativo, respectivamente, com uma média de 23,8 mortes por suicídio por ano. Mais de 70% dos casos são de pessoas do sexo masculino e a faixa etária mais atingida é de 15 a 19 anos, seguido da faixa etária de 20 a 29 anos.
Estar localizado em uma área fronteiriça, explica o enfermeiro do DSEI/ARN Sediel Ombrósio, do povo Baré, contribui para uma grande variação nos dados de atendimento do distrito, uma vez que muitos indígenas que vivem nesta faixa acabam buscando atendimento no território brasileiro. “Então são 23 etnias do território [Alto Rio Negro] e mais de 60 que circulam e que nós atendemos”, detalha.
A questão do suicídio indígena é um fenômeno epidemiológico, complexo e multifatorial e, embora haja estudos, não há respostas conclusivas quanto às causas e fatores de risco. Entretanto, de acordo com os relatos de trabalhadores da saúde e das próprias comunidades onde os casos ocorrem, há uma forte associação ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas.
“O suicídio às vezes tem a parte do alcoolismo, da bebida. E há outras características também, de brigar com a namorada, de brigar com a família, de querer alguma coisa e não ter. E não é [característico] só de um grupo, ele é num contexto geral, é nacional. Se olhar o que motiva, o que dá coragem para a pessoa se suicidar, é quando ela bebe ou ela usa alguma outra coisa ruim”, relata Sediel.
Ainda de acordo com o enfermeiro, em algumas situações, quando há óbito autoprovocado em uma família, outros registros de tentativa ou consumação podem ocorrer dentro do mesmo núcleo. O que leva à importância da atenção e acompanhamento das famílias no pós suicídio também como medida de prevenção e enfrentamento a novos casos.
As mudanças sociais e culturais vividas pelos indígenas também apresentam hipóteses dos fatores que predispõe ao suicídio, como a perda das práticas dos rituais de passagem, como da infância para a vida adulta.
Fatores ambientais
Como levantado pela gerente da Rede de Atenção Psicossocial do Amazonas, além das questões socioculturais, em um contexto de mudança climática que é global, fatores ambientais também são entendidos como fatores de risco não só para as populações indígenas do Amazonas, mas também ribeirinhas, quilombolas e extrativistas.
“O que saúde mental tem a ver com a estiagem? Tudo. Vem a estiagem, o rio seca, já começa o processo de isolamento. A maioria dessas comunidades têm algum tipo de relação com os seus pólos base, seja para acessar serviços ou insumos, ou se comunicam com outras comunidades ribeirinhas. Ou seja, o rio seca e impede o acesso. As pessoas podem dizer que isso já acontece há muito tempo e, sim, acontece, mas tem se agravado muito nos últimos anos”, avalia Diana.
Ela reflete ainda sobre o impacto dos eventos extremos nas roças, na pesca, com reflexos na segurança alimentar e subsistência das famílias. “Às vezes o homem, que é responsável pela manutenção dessa família, não consegue fazer nada disso, não consegue prover sua família, e pode ser levado a um estado agudo de sofrimento”.
Por fim, completa Diana, é preciso entender a questão dos fatores que provocam o sofrimento mental e que essa compreensão não é só uma questão de diagnóstico. “Eu posso ter sofrimento quando eu vivo em um ambiente de violência, se eu perdi um emprego, se não tenho segurança alimentar”, diz, o que exige um envolvimento e diálogo de todos os equipamentos públicos e da sociedade como um todo.
Semana de discussões
Nesta semana, ainda dentro da temática do enfrentamento ao sucicídio, o Cine Japu - iniciativa ISA com participação da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas - trouxe em sua programação a exibição do vídeo manifesto “A Saúde Mental é Assunto de Todas as Pessoas”, produzido pelo Instituto Cactus e pelo Coletivo Bodoque.
A animação ilustra a presença da saúde mental em todas as esferas da vida, reforçando a importância da ampliação do debate sobre o tema.
Em roda de conversa após a exibição, os convidados bateram um papo com o público sobre a importância de se falar abertamente sobre o tema, aspectos da questão no contexto da saúde indígena e a formação de profissionais, inclusive indígenas, que levem em consideração os conhecimentos e medicinas tradicionais.
Participaram da roda o enfermeiro do DSEI Sediel Ambrósio, o diretor Federção dos Povos Indígenas do Rio Negro (FOIRN) Hélio Gessem, do povo Baré, e a diretora da Secretaria Municipal de Juventude Esporte e Lazer (SEMJEL) e articuladora do Selo Unicef-SGC Edneia Teles, do povo Arapaço.
O Papo de Maloca, programa de rádio da Rede Wayuri, também destacou a temática nesta semana, com a participação do enfermeiro Sediel, que tirou dúvidas dos ouvintes sobre saúde mental dos povos indígenas.
“Acredito que é importante falar sobre este tema dentro de um programa de rádio, porque os ouvintes, no caso a população gabrielense, ficam informados sobre as ações e trabalhos que estão sendo realizados na sede [do município] e no interior sobre esta temática. Assim podem compartilhar essas informações para os seus parentes que estejam passando por algum problema ou não, e tudo isso já seria uma forma de poder ajudar alguém. E o rádio é um meio de comunicação muito importante para abordar vários temas relevantes para a população em geral”, reforça a comunicadora da Rede Wayuri Cláudia Ferraz.
O programa Papo de Maloca vai ao ar todas às quartas-feiras, das 10h às 12h, na rádio FM O Dia (92,07).
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Indígenas preservam saberes tradicionais e mantêm a luta viva em meio à crise humanitária e ao confinamento na "periferia" de cidade sul-mato-grossense
Em um sábado de manhã, cerca de 20 crianças se reúnem com Dona Floriza, rezadora guarani kaiowá, em uma sala de aula na aldeia Jaguapiru, na Reserva Indígena (RI) de Dourados. Lá, elas aprendem os cantos-rezas, a língua guarani, ouvem histórias, e assim, o ñandereko, modo de existência guarani, é passado de uma geração a outra.
“Tá ensinando essa criançada é muito bom. Se a gente não deixar essa palavra, eles não vão saber não, porque a criança de hoje fala mais o karai reko (modo não indígena), fala só em português, a mãe também, o avô talvez já não fala mais guarani e já perdeu o idioma, não canta mais a reza. Isso também dói pra gente”, desabafou Dona Floriza, depois de explicar aos alunos como as sementes deram origem aos alimentos.
“Quando o Kuarahy [Sol] chegou, só tinha a iluminação só um pouquinho.
O Kuarahy então perguntou ao Jasy [Lua]:
– O que nós vamos fazer nessa semente?
Ao que o Jasy respondeu:
– Vamos plantar porque essa semente vai gerar para todo o país”.
O projeto desenvolvido por Floriza Souza e seu marido, o rezador Jorge da Silva, foi uma das maneiras encontradas pelo casal de perpetuar os saberes e práticas tradicionais guarani kaiowá, mesmo no contexto adverso de uma Reserva criada para confinar indígenas e liberar suas terras para colonização.
“Nós, juventude, que damos mais força tanto para liderança, quanto para ñandesy [rezadora em guarani] e ñanderu [rezador em guarani], porque a juventude que leva mais e tem que aprender mais, porque a liderança, a ñandesy, o ñanderu já tá um pouco cansado. Por isso que nós, da juventude, temos que aprender tudo isso, rezar na língua, de aprender como é que ele faz, ouvir a história deles”, defende Michele Concianza, que, além de cineasta do povo Guarani Kaiowá, é filha de rezadora e vive na Terra Indígena Panambizinho, também no município de Dourados.
Dos anciãos à juventude, as formas de resistência encontradas pelos indígenas guarani kaiowá são múltiplas, mesmo em meio à escalada de violência e ataques a seus territórios. Da Reserva de Dourados surgiram nomes como os rappers Brô Mc’s e Jovens Conscientes, as cineastas Graciela Guarani e Michele Concianza, além de acadêmicos como Indianara Ramires Guarani Kaiowá e Izaque João.
Localizada entre as cidades de Itaporã e Dourados (MS), a Reserva Indígena de Dourados, com seus 3.500 hectares, abriga mais de 13 mil indígenas (IBGE) dos povos Guarani Ñandeva, Guarani Kaiowá e Terena. O número equivale a mais de 10% de todos os indígenas no estado do Mato Grosso do Sul, segundo dados do Censo 2022. Apesar disso, a área reservada a eles possui uma densidade demográfica mais de três vezes maior que a da capital do estado em que está localizada, Campo Grande.
Dados do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (DSEI-MS) apontam que a população da Reserva é ainda maior do que a registrada no Censo de 2022, com ao menos 16 mil indígenas vivendo dentro da Reserva e em seus entornos, como explica o antropólogo Diógenes Cariaga em artigo publicado no livro Povos Indígenas no Brasil 2011-2016 sobre os cem anos da Reserva.
“De 2011 para cá [2016], muitas famílias passaram a retomar áreas contíguas às reservas, como uma forma acelerar a publicação dos relatórios de identificação de terras tradicionalmente ocupadas, iniciados em 2007. Entre a primeira retomada em 2011, Ñu Verá, e as mais recentes, somam-se em 2016 cerca de dez”, explica o professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e membro da Rede de Apoio e Incentivo Socioambiental (RAIS).
Apesar do IBGE ainda não ter divulgado dados específicos referentes à presença indígena nos entornos da Reserva, o deslocamento de indígenas para essas aldeias reocupadas já começa a aparecer nos números do Censo 2022, como aponta a demógrafa indígena Rosa Colman, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e também da RAIS. “Comparando 2010 com 2022, podemos observar um pequeno aumento da população indígena da reserva, mas, sabemos que muitas pessoas da reserva se mudaram para os vários acampamentos que foram se formando e ampliando no entorno da reserva de Dourados”, afirma.
“Só aqui no município de Dourados tem 15 retomadas", explica a professora Teodora Souza, do povo Guarani Ñandeva, que vive na Reserva e é Coordenadora Regional da Funai em Dourados. Dessas áreas, segundo ela, 13 ainda não estão incluídas em nenhum estudo de identificação e delimitação pela Funai e são alvo de ataques frequentes, inclusive com uso de armas de fogo e de um trator blindado, chamado pelos indígenas de “caveirão”. O ataque mais recente aconteceu em agosto de 2023 no tekoha Avaete, conforme noticiou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Das pessoas que vivem na Reserva, mais da metade se encontra na faixa etária entre 0 e 29 anos. Ao contrário da média nacional (48,5%), a maioria dos jovens são do sexo masculino (53%). “Dá para perceber que a pirâmide [etária] está mais arredondada, o que significa uma distribuição melhor da população em todas as idades, mas a juventude ainda concentra a maior parte. Isso indica que já diminuiu um pouco o número de filhos”, avalia a demógrafa .
Para esses jovens, a realidade vivida perpassa o racismo e a falta de acesso a direitos básicos como água, alimentos, saneamento, energia, segurança e oportunidades. A pesquisa “Insegurança Alimentar entre famílias indígenas de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil”, por exemplo, identificou a prevalência de insegurança alimentar em quase 65% das famílias entrevistadas na RI.
“A água falta muito nas casas. Então existe uma dependência muito grande da cidade por conta mesmo dessa insegurança alimentar, que hoje não tem espaço para você reproduzir e plantar e mesmo que demarca, hoje nem todo mundo ia ter instrumento [conhecimento] para poder então plantar”, explica Indianara Ramires Machado.
Nascida na aldeia Bororó, dentro da Reserva, a doutoranda e enfermeira guarani kaiowá atua desde a adolescência em uma organização de jovens, a Ação dos Jovens Indígenas de Dourados (AJI).
Ela complementa ainda que o contexto da juventude na RI é tão violento que a demanda por território, por vezes, acaba ficando em segundo plano diante de necessidades tão básicas.
“Os meus avós foram trazidos forçadamente para cá. Eles já vieram desse contexto do tekoha [aldeia em guarani] e eles têm essa percepção de como era o tekoha e como é importante o território, mas a juventude de hoje, ela já nasce nesse contexto de fragilidade social, de vulnerabilidade, de terra arrasada”.
A criação da Reserva em 1917 pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão indigenista anterior à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – fez parte de uma política de esbulho e confinamento dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, estabelecida no começo dos anos XX como um incentivo à colonização do Centro-Oeste.
O resultado foi uma série de violações e expulsões que levaram indígenas de outras aldeias e territórios ao então chamado Posto Indígena Francisco Horta Barbosa, criado por meio de um decreto estadual pelo governador do então Estado de Mato Grosso, Caetano Manuel de Faria e Albuquerque, sem estudo prévio que garantisse a conexão da área demarcada com as terras tradicionalmente ocupadas por eles – como garante hoje o pelo artigo 231 da Constituição Federal.
Atualmente, o perímetro urbano de Dourados avança sobre a Reserva, separada apenas por um anel viário, local onde ao menos cinco indígenas morreram atropelados nos últimos anos, incluindo uma criança. A RI, também cortada pela rodovia estadual MS-156, possui uma boa parte de seu entorno ocupada por fazendas de milho e soja. Além disso, um muro a separa de condomínios de luxo, que ilustra a violenta relação da cidade de Dourados com população indígena.
Segundo Aline Crespe, professora da UFGD e pesquisadora da RAIS, o avanço do perímetro urbano sobre a Reserva e as ocupações no entorno se intensificaram a partir da década de 1970, mas é nos anos 2000, com a construção do anel viário, que surgiram condomínios como o Ecoville e o Hectares. “Em 2011, foi ampliado o perímetro urbano de Dourados e desde então os condomínios passaram a se multiplicar rapidamente. E esses condomínios de luxo próximos ao anel viário começam a implementar muros grandes e altos que inviabilizam o tráfego das famílias indígenas que precisam sair da Reserva e acessar a cidade para trabalhar, fazer compras, produzido um impacto na circulação dos indígenas”, explica a pesquisadora.
“Parece que em Dourados já é tudo cidade, quase dominaram todas as aldeias. E principalmente milho, soja, não tem mais mato lá. Os fazendeiros derrubaram os matos. Bem na frente da nossa aldeia tinha matos grandes, enormes. E lá que a gente sempre pegava a madeira para construir a casa de reza. Aí em pouco tempo eles queimaram esse mato, derrubaram porque eles viram muitos indígenas pegarem madeira lá para construir a casa. Aí eles queimaram e desmataram tudo, isso que a gente sente mais dor”, lamentou Michele Concianza.
É nesse contexto que surgem as organizações de jovens que se mobilizam em coletivos como a AJI e a Retomada Aty Jovem Guarani Kaiowá. “A Aty Jovem é uma retomada para que os jovens tenham um conhecimento sobre a educação, saúde, demarcação. A gente sempre discute sobre isso porque nós somos a juventude, somos uma futura liderança”, explica a cineasta.
O 9 ° Encontro da Juventude Guarani Kaiowá, a última reunião do coletivo formado por jovens dos povos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva de todo o Mato Grosso do Sul aconteceu entre os dias 22 e 26 de julho, na Terra Indígena Taquaperi, em meio a ataques aos indígenas da Terra Indígena Panambi Lagoa Rica. Em razão disso, das 700 pessoas esperadas, apenas 300 conseguiram chegar ao local do encontro, que reuniu também lideranças da Aty Guasu, a grande assembleia dos povos Kaiowá e Guarani.
As questões enfrentadas pelos jovens dentro e fora da Reserva são expressas em músicas pelo grupo indígena de rap Brô Mc’s. O grupo formado em 2009 por Charlie Peixoto, Bruno Veron, Clemerson Batista e Kelvin Mbaretê traz em suas rimas a luta e resistência de seu povo. “Sei que quando eu passo, me olha diferente. E a gente luta para manter a nossa crença. E o homem branco traz doença, dizimou o nosso povo, causou a nossa miséria e agora me olha com nojo. Sou um índio sim, vou até falar de novo Guarani, Kaiowá e me orgulho do meu povo”, cantam em um dos trechos da música “A Vida Que Eu Levo”.
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Para Indianara Ramires Machado, a vantagem que os jovens da Reserva possuem em relação aos mais velhos é o acesso potencializado aos estudos e tecnologias. À exemplo disso, hoje, os 800 alunos indígenas matriculados na UFGD correspondem a quase 15% de todos os discentes da instituição. “Eu vejo que hoje eles têm muito mais acessos, então eles podem ir muito mais longe. Eles têm mais acesso também à faculdade e aos cursos técnicos. É claro que isso precisa ser melhorado e potencializado também para que eles cheguem ainda mais longe, mas também a gente precisa dar esse suporte para esse entendimento da importância da luta dos povos indígenas”, pondera.
Michele Concianza vê sua atuação como comunicadora como uma força da juventude para se representar a partir de seu olhar e também para resistência do seu povo. “Nós indígenas, a gente fala o que é realidade, a gente fala o acontecimento pela realidade do povo Guarani Kaiowá”, afirma, trazendo também a importância de comunicadores indígenas para produzirem sobre outras realidades além da Reserva de Dourados, como é o caso das ações de recuperação territorial realizadas pelo povo Guarani e Kaiowá – que são chamadas de retomadas pelo movimento indígena e acontecem desde os anos 1970.
“Às vezes que eu lembro como que faz o nosso parente de retomada, na vivência da retomada, é muito difícil. E principalmente nós Guarani Kaiowá que sofreram muitas ameaças. Por isso que nós queremos mostrar através da mídia sobre isso, nos filmes, documentários, porque isso é o que é mais importante para nós”, conclui.
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Exibições em cinema itinerante, movido a energia solar, acontecem a partir de 25 de setembro na Aldeia Nasepotiti e em quatro cidades
O documentário Kati Rapari Kin - Será que você está ouvindo? Eu quero que você escute, tem pré-estreia na Aldeia Nasepotiti do povo Panará no dia 25 de setembro. A produção, que mergulha na realidade e resistência dos Panará, será exibida pelo CineSolar, o primeiro cinema itinerante movido a energia solar do Brasil. Após a exibição na aldeia, o projeto seguirá para quatro cidades de Mato Grosso: Matupá (26/09), Guarantã do Norte (27/09), Peixoto de Azevedo (28/09) e Sinop (29/09).
Com direção de Sérgio Gag e produção de Well Darwin, o documentário foi filmado em agosto do ano passado, na Terra Indígena Panará, localizada entre o norte de Mato Grosso e o sul do Pará. O filme traz como protagonista Akã, ancião da aldeia, que conta a história de seu povo, desde o traumático contato com o homem branco, que quase os dizimou, na década de 1970.
Veja o especial:
Panará, a volta por cima dos índios gigantes
Na época, a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém cortou as terras tradicionais do Povo Paraná e eles foram forçadamente transferidos para o Parque Indígena do Xingu (PIX), em Mato Grosso. Na década de 1990, conseguiram reconquistar parte do território tradicional, onde o documentário foi gravado.
Os relatos de Akã e das mulheres indígenas Tepipio Panará e Jôôpyti Panará se articulam ao cotidiano de trabalho, à preparação da comida, ao trabalho na roça e às festas na Aldeia Nasepotiti, afirmando a força da cultura e a identidade do povo Panará.
“Quando a gente está na Aldeia Nasepotiti, é difícil imaginar todo o percurso que o povo Panará teve que fazer para chegar até aqui. E ouvir esse relato da boca do Akã, que viveu o primeiro contato com o homem branco, há mais de 50 anos, que passou pelo exílio no Xingu e que trouxe seu povo de volta ao território original, é uma baita lição de vida”, diz o diretor Sérgio Gag.
“Uma das coisas mais legais da produção são os desafios que os filmes nos trazem. Para mim, filmar no território Panará foi estar em contato com a natureza amazônica e com a riqueza da cultura desse povo, que enfrenta o desafio de conciliar as suas tradições com o impacto socioambiental trazido pelo homem branco”, completa o produtor Well Darwin.
A equipe do filme contou diretamente com a participação de indígenas Panará como produtores locais. Pasyma Sankuê Panará, que é presidente da Associação Indígena Iakiô Panará, deu todo o suporte nas gravações, e Kunity Metuktire Panará atuou como segunda câmera e, em São Paulo, fez a tradução das falas.
“Fico muito feliz de estar participando desse trabalho, aprendi muita coisa, que eu nem imaginava. Vai ser melhor ainda quando a gente transmitir, passar o filme, estou muito ansioso de estar novamente com a equipe”, afirma Pasyma Sankuê Panará.
Serão exibidos também curtas-metragens ambientais e curtas produzidos por estudantes que estiveram em oficinas de educação ambiental e linguagem audiovisual. A entrada é livre e os filmes contam com recursos de acessibilidade.
A 8ª edição do CineSolar é viabilizada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, com apoio da DGT Filmes e da Associação Indígena Iakiô Panará, e é realizada pela Brazucah Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal.
O CineSolar também realiza a Oficinema Solar com estudantes e moradores das comunidades. Na Aldeia Nasepotiti será com alunos da TI Panará. Em Matupá, com alunos da ETEC de Matupá e da EE Jardim das Flores e em Peixoto de Azevedo na Escola Estadual Kreen Akarore.
Os encontros on-line, que têm como objetivo sensibilizar os estudantes sobre as questões ambientais, introduzem aspectos básicos da linguagem audiovisual com a técnica de animação em stop motion. Com celular e tablet, as crianças e jovens constroem coletivamente a história, protagonizam e roteirizam um curta, que é exibido na sessão de cinema à noite para toda a população.
Nesta edição, a curadoria dos curtas-metragens é do FicaEco (Festival Internacional de Cinema Agroecológico), que tem como viés principal promover produções audiovisuais socioambientais, sobre a biodiversidade, os povos tradicionais e originários, as questões de gênero, a educação e movimentos sociais.
PROGRAMAÇÃO
Aldeia Nasepotiti - Comunidade TI Panará - Altamira/PA
Sessões de Cinema
(filmes com recursos de acessibilidade)
Data: Quarta-feira (25/09)
Horários: 18h - 1ª sessão: curtas-metragens ambientais do FicaEco
19h - 2ª sessão: “Kati Rapari Kin”
Atração: pipoca de graça e visita ao furgão do CineSolar
Local: Comunidade TI Panará
Matupá/MT
Sessões de Cinema
(filmes com recursos de acessibilidade)
Data: Quinta-feira (26/09)
Horários: 18h - 1ª sessão: curtas-metragens ambientais do FicaEco
19h - 2ª sessão: “Kati Rapari Kin”
Entrada: livre - não precisa de ingresso
Atração: pipoca de graça e visita ao furgão do CineSolar
Local: Concha Acústica (Lago Municipal) Avenida Irmã Adélis, 388 - Centro - Matupá/MT
Local em caso de chuva: Mini Ginásio Jardim das Flores - Rua 05 N - Jardim das Flores
Guarantã do Norte/MT
Sessões de Cinema
(filmes com recursos de acessibilidade)
Data: Sexta-feira (27/09)
Horários: 18h - 1ª sessão: curtas-metragens ambientais do FicaEco
19h - 2ª sessão: “Kati Rapari Kin”
Entrada: livre - não precisa de ingresso
Atração: pipoca de graça e visita ao furgão do CineSolar
Local: Praça da Cultura - Avenida Jatobá, 830-1006 - Centro - Guarantã do Norte/MT
Local em caso de chuva: Igreja Matriz Paróquia Nossa Senhora do Rosário - Avenida Cambará, 863 - Centro
Peixoto de Azevedo/MT
Sessões de Cinema
(filmes com recursos de acessibilidade)
Data: Sábado (28/09)
Horários: 18h - 1ª sessão: curtas-metragens ambientais do FicaEco
19h - 2ª sessão: “Kati Rapari Kin”
Entrada: livre - não precisa de ingresso
Atração: pipoca de graça e visita ao furgão do CineSolar
Local: Praça dos Três Poderes (próximo DelMoro Supermercado) - Rua Pedro Álvares Cabral, com Teotônio Vilela - Industrial - Peixoto de Azevedo/MT
Local em caso de chuva: Vila Olímpica - Rua Teotônio Vilela, 170 - Centro
Sinop/MT
Sessões de Cinema
(filmes com recursos de acessibilidade)
Data: Domingo (29/09)
Horários: 18h - 1ª sessão: curtas-metragens ambientais do FicaEco
19h - 2ª sessão: “Kati Rapari Kin”
Entrada: livre - não precisa de ingresso
Atração: pipoca de graça e visita ao furgão do CineSolar
Local: Parque Jardim Botânico - Avenida das Itaúbas - Jardim Celeste - Sinop/MT
Atendimento à imprensa - CineSolar
Benu Comunicação - (16) 99331-9036
Fernanda Martins - fernanda@benucomunicacao.com.br
Irinea Donizete - benucomunicacao@gmail.com
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Diálogos entre indígenas das bacias dos rios Tiquié e Içana aconteceram no âmbito da Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico (Canoa)
Por meio do fortalecimento cultural e uma agenda territorial transfronteiriça, os encontros da Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico (Canoa) tem como propósito promover cuidados relacionados ao ecossistema e à biodiversidade cultural da região norte do Rio Amazonas. Para isso, torna-se fundamental o diálogo e troca de experiências entre as comunidades indígenas no Rio Tiquié e no Rio Içana, na fronteira entre Brasil e Colômbia.
Em maio de 2024, depois de mais de uma década, aconteceu o reencontro da Canoita no rio Tiquié, em que a pauta da violência contra as mulheres indígenas surgiu antes mesmo de chegarmos em Bellavista, comunidade colombiana que sediou o encontro.
No encontro da Canoa, realizado em Punta Tigre em 2023, no Rio Içana, surgiu a demanda de realizar um encontro de mulheres Koripako e Baniwa, que aconteceu em julho de 2024, na comunidade Camanaus, fronteira entre Brasil e Colômbia. Nesse encontro, o intercâmbio de experiências e conhecimentos entre as mulheres indígenas foram relacionados ao artesanato, a saúde e bem estar das mulheres do Rio Içana.
Pauta de violência contra a mulher na Bacia do Rio Tiquié
Durante a subida no Rio Tiquié para a realização da Canoita na comunidade Bellavista, no período de 16 e 20 de maio de 2024, escutamos diversas histórias — narradas por homens indígenas — sobre casos de violências físicas contra mulheres naquela região. Alguns casos ganharam maior destaque nas narrativas pela percepção de brutalidade e gravidade explicitada pelos interlocutores.
A primeira história contada foi narrada por um viajante, indígena da região, que relacionou dois casos de violência física contra mulheres e um caso de suicídio de uma jovem com o uso exagerado de bebidas alcoólicas. Durante a conversa, foi mencionado que, ao contrário da Colômbia, no Brasil esses casos ficam sem resoluções.
A comparação deve-se a um caso recente de feminicídio, em investigação, que aconteceu em comunidade indígena colombiana no Rio Tiquié. Também ressaltou que os profissionais de saúde do Polo Base, localizado na área de abrangência em que tais violências ocorreram, realizaram palestras sobre o enfrentamento da violência contra a mulher, mas que os agressores não compareceram.
Alguns homens que comentaram a respeito das violências sofridas pelas mulheres no percurso do Tiquié acreditam que as mulheres indígenas se sentem amparadas pela Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha e, por isso, “querem ser mais que os homens”, e que também “cometem violências contra os homens”. Outros entendem que as próprias mulheres se alcoolizam e, por isso, são violentadas.
Já em Bellavista, no igarapé Abiu, afluente do Alto Tiquié, as mulheres brasileiras ressaltaram a demanda para falar e estudar, de forma contínua, a questão de violências contra as mulheres nos encontros das Canoitas, para que juntas possam conhecer melhor as leis que devem protegê-las.
Em um segundo momento de atividade, junto com as companheiras colombianas, a maioria concorda que essa temática é fundamental, tendo em vista os acontecimentos frequentes em ambos os países, nos territórios das mulheres presentes.
Bem-estar da mulher indígena e convivência comunitária na Bacia do Içana
Para além das diferenças socioculturais, a subida pelo Içana para a realização do I Encontro de Mulheres Koripako e Baniwa, no período de 22 a 24 de julho, foi completamente diferente que a do Tiquié. Foram poucos os encontros com viajantes e moradores das comunidades. Desse modo, também foram poucas as conversas e relatos sobre o território do Içana.
O I Encontro de Mulheres Koripako e Baniwa teve três momentos para abordar as temáticas de interesse das mulheres indígenas: i. práticas e conhecimentos associados à produção de artesanatos no que se refere à proteção e revitalização do trabalho da mulher no manejo do território; ii. saúde e bem-estar das mulheres com o objetivo de valorizar as práticas culturais e conhecimentos tradicionais das mulheres; iii. bem-estar das mulheres e a boa convivência comunitária, que objetivou a promoção de reflexões das próprias mulheres indígenas sobre seu bem-estar, cuidados com a vida comunitária e violências no território.
Durante a atividade, uma liderança indígena fala sobre “violência intrafamiliar”. A fala chamava a atenção para a importância de falar sobre o tema e convidava os homens a estarem presentes para ouvir o que as mulheres têm vivenciado no território. Também tivemos conhecimento sobre casos de violência sexual contra crianças e agressões físicas contra mulheres indígenas, além da violência psicológica que apareceu nos grupos de trabalho.
Como observação inicial, percebe-se que as mulheres Koripako e Baniwa compreendem que a boa convivência comunitária as deixam felizes, evidenciando um cuidado com o coletivo para o bem-estar das mulheres. O acesso à comida no território, a aproximação dos filhos e a união entre os indígenas são alguns dos exemplos apresentados pelas mulheres.
Nessa mesma perspectiva, porém, a falta de união e de saúde na comunidade as deixam tristes. Além disso, compartilharam que, quando o marido não ajuda no trabalho da roça e com a produção dos artesanatos, também há o sentimento de tristeza.
Parcerias e trabalhos do movimento de mulheres indígenas do Rio Negro
A dificuldade em abordar nos territórios as violências vivenciadas pelas mulheres ainda é um grande desafio. Compreender o contexto cultural, a língua indígena falada pelas mulheres, bem como as relações de aliança, parentesco, organização social e poder são fundamentais para os estudos sobre (formas de lidar com) violências de gênero contra as mulheres indígenas. Nesse sentido, torna-se necessário mais estudos e pesquisas sobre a temática, tendo em consideração as especificidades de cada povo e comunidade.
Em São Gabriel da Cachoeira, o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN/FOIRN) vem desenvolvendo um trabalho consistente de pesquisas, conversas e oficinas no enfrentamento às violências contra as mulheres indígenas, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e o Observatório da Violência de Gênero no Amazonas da Universidade Federal do Amazonas (OVGAM/UFAM).
Para compreender melhor essa temática de violência, o DMIRN apoiou e participou do desenvolvimento de um processo de pesquisa que inclui trabalho de campo etnográfico, entrevistas, rodas de conversas, levantamento e sistematização de notícias, trabalhos colaborativos com instituições locais e, especialmente, parcerias com pesquisadoras e professores das universidades mencionadas.
Os trabalhos realizados envolvem dados quantitativos e qualitativos relacionados a Boletins de Ocorrência com vítima mulher na Delegacia Interativa de São Gabriel da Cachoeira, como apresentado no relatório Tecendo a vida sob braços fortes: caracterização da violência contra mulheres na cidade de São Gabriel da Cachoeira/AM, produzido em 2023 pelo OVGAM/UFAM.
Segundo dados desse relatório, referentes ao período de 2010 a 2019, vemos que 66,9% das violências são cometidas por homens. Além disso, 98,8% das vítimas não tiveram sua etnia/raça informada, o que demonstra uma falta de dados sobre estas especificidades.
A caracterização da violência contra mulheres reportada e registrada na delegacia da cidade de São Gabriel da Cachoeira pode ser visualizada na tabela abaixo.
É importante mencionar que esses dados não correspondem à realidade quantitativa de violências vivenciadas pelas mulheres indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira, porque não estão registrados os episódios de violência no interior do município.
Sempre vale ressaltar que tanto processos de alcoolização quanto a violência contra mulheres não ocorrem apenas nos territórios e com povos indígenas. No entanto, no Brasil, há uma invisibilidade das violências contra as mulheres indígenas quando olhamos para os dados oficiais.
Na pesquisa “De documentos, cactos e vírus: violência sexual, mulheres indígenas e Estado em São Gabriel da Cachoeira” (2022), podemos ver um Estado tecnicamente precário quando se trata de casos de feminicídios e violências sexuais contra mulheres indígenas. Um exemplo é a ausência de um médico legista na cidade que atue frente a casos recorrentes de “afogamento” e “estrangulamento” de mulheres que, muitas vezes, são lembrados por parentes e moradores da cidade como sendo mortes que envolvem violência sexual. Geralmente, a violência sexual não é registrada nas Declarações de Óbitos, por exemplo.
Para além da falta de registro da violência, também ocorre a falta de informação sobre raça e etnia nos documentos, o que dificulta a realização de trabalhos especializados e diferenciados no Rio Negro. A diversidade étnica e linguística, a subnotificação de casos de violência contra a mulher e a falta de documentação pessoal para registros nas instituições do Estado são aspectos relevantes em São Gabriel da Cachoeira.
De acordo com informações do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (DSEI-ARN), no primeiro trimestre de 2024, sete mulheres que residem nas comunidades indígenas do Tiquié estão sendo acompanhadas devido às situações de violências. Os dados mostram ainda que, no mínimo, 40 casos de violência contra a mulher no Rio Tiquié foram notificados nos anos de 2021 e 2022 pelo DSEI-ARN. Além dessas informações, nos dados disponibilizados pela instituição consta que 12 pessoas estão sendo acompanhadas pela equipe de saúde devido ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas.
Já no Içana, no primeiro semestre de 2024, são quatro os casos de violência contra a mulher que estão em acompanhamento pelo DSEI-ARN. Em 2021 e 2022, nove casos sobre violências contra a mulher foram notificados e, apesar dos relatos frequentes sobre o pouco consumo de bebidas alcoólicas na região, o DSEI-ARN registrou que há o acompanhamento de 20 pessoas que estão em situação de uso abusivo do álcool.
Esses dados são importantes para evidenciar as situações de violências que as mulheres indígenas vêm vivenciando dentro de seus territórios. Violências que recorrentemente aparecem nos discursos e relatos de homens e mulheres, jovens e adultos, na cidade e nas comunidades indígenas. Observamos que tal como o alto indíce de violências, o processo de alcolização também tem se tornado um problema grave de saúde pública no Brasil, e no Rio Negro não é diferente.
Para além das pesquisas e trabalhos de caráter mais quantitativo, o Departamento de Mulheres Indígenas também desenvolveu trabalho colaborativo que apresenta informações em uma linguagem acessível sobre os procedimentos envolvidos em casos de violências contra a mulher, a criança e o adolescente, que é a cartilha Violência doméstica e violência sexual em tempos de pandemia – redes de apoio e denúncias: você não está sozinha!
Para além dos acessos jurídicos do Estado, a cartilha orienta as mulheres a recorrerem às redes de alianças com amigas e parentes, bem como com recursos mais evidentes na própria cultura, como a realização de benzimentos e o uso de determinadas plantas.
Em 2021, o DMIRN, junto com o ISA, a FSP/USP e o OVGAM/UFAM, desenvolveu o primeiro módulo de formação de Promotoras Legais Populares Indígenas que teve como objetivo formar as mulheres sobre seus direitos, Estado, Leis, documentos e, também, que pudesse proporcionar trocas de experiências e conhecimentos para se pensar e construir estratégias comunitárias de enfrentamento às violências que sofrem.
No inicío de 2024, o Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro (DAJIRN) da FOIRN, junto com o ISA e o DMIRN, produziu com instituições locais a cartilha Cuidados com o uso de bebidas alcoólicas na região do Rio Negro, com o objetivo de oferecer orientações sobre os prejuízos do consumo exagerado de bebidas alcoólicas industrializadas, problemática que aparece em diversos relatos interseccionada com as violências contra as mulheres, casos de suicídios e acidentes na região do Alto e Médio Rio Negro.
Apesar dos esforços do movimento de mulheres indígenas do Rio Negro em articular trabalhos com instituições locais e de pesquisa, as violências são experiências cotidianas na vida delas. Assim, elas questionam constantemente sobre a proteção que o Estado deveria proporcioná-las.
Diferenciam-se de mulheres não indígenas que, às vezes, conseguem ter seus direitos garantidos, como trouxe uma das participantes durante a primeira atividade em grupo na Canoita em Bellavista: “Essa lei Maria da Penha serve para quê? É só para as mulheres brancas e não serve para as indígenas? Vemos vários tipos de violências e não sabemos como resolver, e nunca é discutido nas reuniões [...] Acho que é um bom tema para ser trabalhado, não só com as mulheres, mas com os homens e as crianças também. Às vezes falam que é porque estão bêbados, mas conscientes mesmo fazem essas coisas.”
Para atender algumas das demandas apresentadas durante as atividades no Tiqué, as mulheres indígenas solicitaram a realização de encontros de mulheres no âmbito da Canoita. O intuito desses encontros seria proporcionar trocas de experiências, conhecimentos e saberes entre elas, para aprender sobre culinária, comidas típicas, novas técnicas de produção de artesanatos e, especialmente, para abordar e conhecer os direitos das mulheres indígenas para o enfrentamento das violências.
Já no I Encontro de Mulheres Koripako e Baniwa, as mulheres demonstraram interesse nos saberes sobre a saúde e bem-estar da mulher, bem como na troca de conhecimentos relacionados à produção de artesanatos, em especial a cerâmica, e também ao processo de comercialização desses produtos locais.
Observamos que intercâmbios como estes fortalecem as mulheres e podem ser boas estratégias de cuidado e troca de experiências e conhecimentos entre elas. Além disso, apresentam-se como uma estratégia fundamental para que o movimento de mulheres indígenas se aproxime cada vez mais das mulheres que estão nos territórios mais distantes, para que adquiram e produzam conhecimentos para fomentar ainda mais os trabalhos de enfrentamento às violências no Rio Negro e o bem-estar das mulheres indígenas.
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